RESUMO: O presente artigo analisa as perspectivas sobre algumas nuances jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais acerca do interrogatório por videoconferência. Cuida-se das modificações que a Lei 11.900/09 introduziram no Código de Processo Penal, modificações estas que, embora já inseridas no ordenamento jurídico há algum tempo, ainda são objeto de ataques e repulsas, sobretudo via recursal nos Tribunais Superiores. O escopo, diga-se desde logo, é sedimentar e colocar uma pá de cal nestas discussões. Para tanto, faz-se uma reflexão sobre os fundamentos da viabilidade do instituto, sempre pautando-se na aplicabilidade do interrogatório por videoconferência em cotejo com os princípios regimentais do Código de Processo Penal, assim como, e principalmente, da Constituição Federal de 1988, mormente no que toca ao direitos e garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa e devido processo legal. Após realizar uma ampla apreciação e discussão sobre os aspectos importantes do procedimento em si, perfaz-se o exame dos argumentos favoráveis e desfavoráveis para a utilização da videoconferência e seus reflexos para o Estado e para as partes, findando com uma projeção acerca da constitucionalidade do instituto como importante ferramenta de que dispõe o Judiciário para efetivar a persecução criminal utilizando-se dessa modalidade de ato tendente a tornar a marcha processual mais célere e eficiente, inclusive possibilitando a realização do interrogatório em situações que, a princípio, seriam inviáveis, inconvenientes ou mesmo impossíveis, sempre rememorando a necessidade de pleno respeito aos direitos e garantias individuais constitucional e infraconstitucionalmente assegurados ao réu.
PALAVRAS-CHAVE: 1) Interrogatório por videoconferência. 2) Direitos fundamentais. 3) Legitimidade. 4) Ampla defesa e contraditório. 5) Constitucionalidade.
Como dito, embora já inseridas no ordenamento jurídico há algum tempo, ainda são muito recorrentes as confrontações e repulsas, especialmente na via recursal dos Tribunais Superiores, em relação à utilização da videoconferência no processo penal.
Examina-se no artigo que ora se expõe as nuances do ato processual conhecido por interrogatório do réu no curso no processo penal, dando ênfase, notadamente, ao estudo do interrogatório realizado por intermédio de sistema de videoconferência e pertinente análise da viabilidade e constitucionalidade da utilização do sistema audiovisual (videoconferência) na realização do ato. Em meio às críticas de diversos doutrinadores e, igualmente, da jurisprudência, a matéria é de acentuada relevância, sobretudo, com o advento da Lei Paulista nº 11819/2005, que normatizou dispositivos pertinentes ao interrogatório por videoconferência no Estado de São Paulo e que, inclusive, em análise incidental, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Como é cediço, todo processo, independente da área a que se conecte, deve ser instrumento para se manter ou recuperar (quando perdida) a paz social, a serviço do bem comum.
A persecução criminal, como não podia ser diferente, especialmente pela carga normativa e principiológica trazida pela Constituição de 1988, encontra-se norteada por importantes direitos e garantias fundamentais, cerceadoras do poder ilimitado, arbitrário do Estado e que não tem como fim outro que não a proteção da pessoa humana. Tendo isso por base, viram-se muitos institutos da seara processual penal, normas editadas sob a égide de ideais autoritários de 1941, sendo, gradativamente, extirpados do ordenamento jurídico por incompatibilidade em face da constituição cidadã. Deste modo, inovações trazidas ao processo penal devem ser sempre vistas com cautela, para que não haja um retrocesso nas garantias individuais conquistadas.
Num conceito inicial, o interrogatório é a via pela qual o réu leva ao magistrado criminal a sua versão a respeito dos fatos que lhe são imputados pela parte acusadora. Assim também, é a ocasião que permite o magistrado conhecer pessoalmente o sujeito que irá sofrer a mão da jurisdição penal do Estado. É, igualmente, o interrogatório um dos vieses da ampla defesa (qual seja, a autodefesa), que se somará à defesa técnica, essa a ser produzida pelo advogado do acusado. Consubstanciando-se, pois, um dos atos processuais mais importantes do procedimento de apuração criminal. Habita aí o interesse em estudar a fundo seu conteúdo.
Nos escritos que ora se apresenta, pretende-se, em última análise, cooperar para o desenvolvimento do direito processual penal, no sentido de adequá-lo e compatibilizá-lo com as novas metodologias do mundo moderno – de maneira a ajustar os preceitos constitucionais com o desenvolvimento tecnológico da sociedade, buscando sempre eficiência e celeridade, sem descuidar da desumanização dos procedimentos.
A construção do artigo se deu, notadamente, por intermédio da metodologia de minuciosa pesquisa bibliográfica (em fontes como doutrinas jurídicas, especialmente aquelas de autores que tratam com especial atenção a matéria em questão, jurisprudência, livros diversos, artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso), pesquisas na internet.
Quer-se aqui sedimentar a constitucionalidade do interrogatório por videoconferência levando-se em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os fundamentos das decisões e a edição da nova ei que incluiu a matéria no direito positivo, mencionando-se, inclusive alguns aspectos de cunho social que foram motivadores à adoção da norma em comento.
Desta maneira, após a apresentação da matéria, pretende-se, acima de tudo, colocar uma pá de cal nas discussões do assunto, sedimentando de uma vez por todas a plena compatibilidade constitucional do referido instituto.
O interrogatório por videoconferência, também conhecido por tele-interrogatório, interrogatório on line, teleaudiência, interrogatório virtual, videoconferência, é o termo utilizado para se referir ao interrogatório realizado com a utilização de algum meio tecnológico, câmeras, aparelhos de recepção e envio de áudio e vídeo, identificando as pessoas interlocutoras e permitindo a comunicação entre os mesmos (BEZERRA, on line).
O interrogatório on line é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa, realizado através de um sistema que funciona com equipamentos e software específicos (BEZERRA, on line).
Em termos conceituais tem-se que
De acordo com a Internatioanal Telecommunication Union/Telecommunication Standardization Sector[1] (ITU-T), videoconferência é “um serviço de teleconferência audiovisual de conversação interativa, o qual prevê uma troca bidirecional e em tempo real de sinais de áudio (voz) e vídeo (imagem), entre grupos de usuários em dois ou mais locais distintos”. Em sua recomendação F.702[2], de julho de 1996, o ITU-T cataloga a videoconferência entre os serviços de telecomunicação não telefônicos, na subcategoria de serviços de conferência multimídia. Ela define um gênero teleconferência, do qual se depreendem as espécies videoconferência, áudioconferência, entre outros [...] (LOSSO, 2009, p.47).
Como já exposto, o interrogatório por videoconferência foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei 11.900/2009. Tal diploma normativo considerou como possível a utilização dessa via somente nos casos excepcionais elencados no § 2º da nova redação do artigo 185, sempre devidamente reconhecidos pelo magistrado em decisão fundamentada e intimadas as partes com no mínimo de dez dias da data aprazada, além de somente ser possível com réu encarcerado, preso.
Art. 185 [...]
§ 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: (Redação dada pela Lei nº 11.900, de 2009)
Essas finalidades a que se refere o parágrafo supracitado podem ser tratadas com verdadeiras hipóteses autorizadoras a permitir a realização do ato on line, e são elas:
1) Prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento (artigo 185, § 2º, I);
2) Viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal (artigo 185, § 2º, II);
3) Impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, (artigo 185, § 2º, III);
4) Responder à gravíssima questão de ordem pública (artigo 185, § 2º, IV).
Prosseguindo-se, alguns aspectos procedimentais[3].
Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com dez dias de antecedência. Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os artigos 400, 411 e 531 do Código de Processo Penal (artigo 185, § 3º e 4º).
Também nessa modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor e se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso, tudo em conformidade com o disposto no artigo 185, § 5º. Além disso, o parágrafo 6º determina que haverá sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência e será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Críticas as mais variadas possíveis surgem quando o assunto é interrogatório por videoconferência especialmente porque assunto não encontra voz uniforme na doutrina e jurisprudência, vale dizer, hoje, ambas ainda não se encontram totalmente pacíficas quanto ao tema. Os juristas e doutrinadores vêm tecendo inúmeras críticas contra e a favor da iniciativa legislativa em positivar o novo sistema. Já houve quem dissesse em vício de competência, ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do direito de audiência física com o juiz natural da causa, dignidade da pessoa humana, e etc.
Por outro lado, baseados nos princípios da economia processual, da celeridade, da segurança pública e da necessidade de adaptação dos procedimentos judiciais à novas eras da tecnologia, existem aqueles que se mostram totalmente partidários ao sistema do interrogatório por videoconferência.
O interrogatório por videoconferência surgiu no Brasil, a priori por meio da Lei Estadual de São Paulo nº 11.819/2005. À época, houveram inúmeras críticas pautadas no argumento de que, era competência exclusiva da União legislar sobre matéria processual e que, portanto, a Lei Estadual que permitia o interrogatório virtual era inconstitucional (inconstitucionalidade formal). Ademais, dizia-se ainda que a Lei Paulista malferia os direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Aliás, à época, esse foi o entendimento prevalecente no STF em julgamento incidental de inconstitucionalidade manejada em face da Lei paulista.
Neste sentido se posicionou o Supremo Tribunal Federal, consoante o julgado da Segunda Turma na sessão realizada no dia 14 de agosto de 2007, por unanimidade, considerou que interrogatório era forma singular não prevista em lei (federal); violentadora do justo processo legal, ferindo ainda as normas ordinárias do local da realização dos atos processuais, além de violar os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, igualdade e publicidade. A decisão foi prolatada no julgamento do Habeas Corpus nº. 88914. A Corte Suprema considerou inconstitucional, e, por via de consequência, anulou, a partir do interrogatório, um processo-crime aberto na 30ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo por considerar o ato praticado por videoconferência ilegal.
Vale a pena conferir a ementa:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.
DECISÃO
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, a Dra. Daniella Sollberger Cembranelli. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 14.08.2007. (STF, on line)[4]
O Ministro Cezar Peluso, relator do caso afirmou que:
“[...] a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e tornava a atividade judiciária "mecânica e insensível [...]” (STF, on line)[5].
Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa, esclarecendo ainda que países como Itália, França e Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada. Ao contrário, afirmou o Ministro Peluso, no Brasil ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência e
“[...] suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto [...]”(STF, on line)[6].
Destacou, ainda, que a decisão de realizar dito ato por meio da videoconferência sequer foi devidamente fundamentada[7], e o réu não pôde consultar-se com seu advogado. Os argumentos em favor da videoconferência, que trariam maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, foram descartados pelo Ministro assim:
“[...] Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante [...]”(STF, on line)[8].
Outrossim, Peluso, lembrou que “todos os países que adotam o procedimento têm leis que o regulamentam, o que não ocorre no Brasil” (STF, on line)[9].
O Presidente da Turma à época, Ministro Celso de Mello, afirmou que a decisão "representa um marco importante na reafirmação de direitos básicos que assistem a qualquer acusado em juízo penal". Para ele, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário. O Ministro Eros Grau também acompanhou o voto de Cezar Peluso. O Ministro Gilmar Mendes não chegou a acolher os argumentos de violação constitucional apresentados pelo Ministro Peluso. Ele disse que só o fato de não haver lei que autorize a realização de videoconferência, por si só, já revelava a ilegalidade do procedimento. "No momento, basta-me esse fundamento claro e inequívoco" (STF, on line)[10].
No ponto, a propósito, não há de se olvidar a posição da Ministra Ellen Gracie, vencida na análise de outro Habeas Corpus (HC 90900), que advertiu
[...] não vislumbro vício formal, já que o Estado de São Paulo não teria legislado sobre processo, e sim sobre procedimento (CF, art. 24, XI), nem vício material, haja vista que o procedimento instituído teria preservado todos os direitos e garantias fundamentais, bem como por reputar não demonstrado qualquer prejuízo na realização do interrogatório do paciente [...] (STF, on line)[11]
Pois bem, atendendo aos anseios sabe-se lá provenientes de onde, se da sociedade, se da doutrina especializada ou mesmo como resposta às críticas da jurisprudência, o Poder Legislativo editou a Lei Federal nº 11.900 de 08 de janeiro de 2009, enfim regulamentando e autorizando o procedimento. Destaca-se que a novel regra disciplinou que o artigo 185 do Código de Processo Penal passaria a vigorar com as alterações já expostas no início deste capítulo:
O Ministro César Peluso já advertia em seu festejado parecer incidental, que ainda não havia norma regulamentadora da matéria, e, que se houvesse: “a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto” (STF, on line).
Não por acaso, a Lei 11.900/2009 disciplinando o interrogatório por videoconferência no parágrafo 2º do artigo 185, utilizou o vocábulo “excepcionalmente” tornado-o exceção e não a regra. No mesmo mister, tal ato só é possível à luz de decisão fundamentada e desde que a medida seja necessária para atender a uma das cinco finalidades previstas nos incisos I a IV.
Percebe-se, desta forma, que o interrogatório por videoconferência, antes à míngua de norma regulamentadora, agora, a despeito de integrar o próprio Código de Processo Penal, possui caráter excepcional, só podendo ser realizado em situações extremas de fundado risco de segurança às partes do processo, ou risco à segurança pública.[12] Do mesmo modo, restou claro que o direito à ampla defesa do acusado bem como a observância dos princípios já apontados restaram de igual modo preservados, pois o § 5º do dito artigo assim preceitua:
Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
Assim, não se vislumbra mais falar em vício formal de inconstitucionalidade da norma mencionada. De igual modo, tem-se que os direitos constitucionais do réu (contraditório e ampla defesa) restaram preservados, haja vista que após prolatada a decisão que determina sua realização, prossegue-se à intimação das partes com 10 dias de antecedência[13] possibilitando, desta forma, o pleno exercício de ditos princípios constitucionais.
Inúmeros são os argumentos opostos com o objetivo de criticar tal sistema, dentre outros, um dos principais é o que versa sobre a indispensabilidade do contato visual entre o magistrado e o réu de forma pessoal durante o interrogatório (o que liga-se umbilicalmente com o direito de audiência).
Destarte, tendo em vista que no interrogatório on-line, não há contato físico entre acusado e magistrado, este forma sua convicção de forma indireta, o que feriria o principio da imediação do juiz com as partes e as provas, segundo o qual o contato entre o juiz e as partes deve ser direto.
Rômulo Moreira de Andrade, demonstra claramente sua insatisfação com a adoção do sistema de interrogatório por videoconferência, e cita HélioTornaghi, para quem:
[...] o Interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar seu juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d’alma em que se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato e para verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e à formação moral” (apud MOREIRA, on line).
A doutrina alega ainda que, uma vez que o acusado permanece no âmago do estabelecimento prisional em que está recluso durante a efetivação do interrogatório poderia vir a ficar constrangido ao realizar a sua autodefesa, o que lesa os princípios do contraditório e da ampla defesa. Isto é, a prisão não seria o local mais adequado para que o réu se sentisse à vontade ao depor (TÁVORA, (2011, p. 405).
Este prejuízo se justifica devido ao fato de que o interrogatório é o momento exclusivo do processo em que o réu tem a oportunidade de falar pessoalmente com o seu julgador. Assim, utilizando-se da videoconferência, o acusado poderia não exercer sua defesa de forma plena e absoluta.
Além disso, outro argumento é o de que ficaria prejudicada a percepção do juiz com relação aos sinais, estado físico e mental, semblantes, e tudo quanto demonstrasse feições do réu e que poderiam ser importantes na formação da convicção do magistrado.
Tudo isso, vindo a ser encarado como cerceamento de defesa, por impossibilidade de exercício pleno da ampla defesa, violando o devido processo legal.
Por fim, ainda há críticas de que o interrogatório on line ofende o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais. Permanecendo o acusado no estabelecimento prisional, o acesso dos interessados aos atos é restrito, prejudicada inclusive a fiscalização por meio de terceiros no que se refere a aplicação de qualquer coação ou tortura, mitigando assim as garantias legais asseguradas ao réu.
Rômulo de Andrade Moreira, conquanto posicionando-se contrário à adoção do interrogatório por videoconferência, também adverte a importância de se observar as garantias do réu em tal procedimento:
Ora, não podemos esquecer jamais o caráter de meio defensivo que possui o interrogatório, nada obstante entendermos, com Tornaghi, que se trata também, a depender do depoimento prestado, de uma fonte de prova e de um meio de prova. Mas, sendo também, e principalmente, um meio de defesa, todas as precauções devem ser observadas quando de sua realização o que, definitivamente e por mais cuidado que se tome, não ocorre no sistema de videoconferência (MOREIRA, on line).
A despeito de parcela da doutrina criticar a utilização da videoconferência, há diversos pontos favoráveis no interrogatório on line que fundamentam a viabilidade da sua permanência no processo penal brasileiro. Desde já, impende demonstrar que as vantagens da adoção do interrogatório por videoconferência, fundamentam-se em três premissas básicas: celeridade processual; segurança pública e economia de gastos públicos e, principalmente a oportunidade de realizar o ato em situações que, a princípio, seria impossível pelos meios tradicionais..
Diga-se, desde logo, que a priori, não há necessidade de se realizar o interrogatório com juiz e réu se olhando pessoalmente; o argumento de que o contato visual é imprescindível, não é real, uma vez que, se assim fosse, os Tribunais não julgariam o réu levando em consideração as declarações que constam nos termos do interrogatório. Do mesmo modo não poderia ser realizado o interrogatório mediante Carta Precatória, pois nesse caso o Juízo deprecado irá realizar somente o interrogatório enquanto o juízo deprecante irá proferir a sentença analisando as declarações que estão no papel.
Nesse sentido, vale destacar a manifestação da Ministra Ellen Grace no HC 90.900/SP:
[...] Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a ideia de ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do interrogatório [...] (STF, on line)[14].
A videoconferência é um sistema que permite a realização do interrogatório com transmissão de imagem e som em tempo real, o que garante o pleno e dinâmico diálogo entre o réu e o magistrado.
Uma das principais vantagens do interrogatório on line é a questão da economia processual, tendo em vista que a utilização da videoconferência minimiza os custos da realização do ato, beneficiando o erário público.
Da mesma forma indica-se a celeridade conferida ao trâmite processual, o que vem beneficiar o réu e a sociedade, pois os feitos serão julgados mais rapidamente, contribuindo para o desafogamento do judiciário tão assolado. Tal celeridade ocorre pelo fato de que com a videoconferência o réu não precisa ser conduzido ao fórum, consequentemente, não precisam ser disponibilizados agentes de segurança penitenciária, policiais, dentre outros, para realizar o transporte, evitando-se a redesignação de audiências pela impossibilidade de apresentação dos presos.
Nesse sentido leciona o doutrinador Ronaldo Batista Pinto:
(...) são sobejamente conhecidas às inúmeras protelações verificadas no processo penal pela não apresentação do acusado para o interrogatório (por problemas de escolta de falta de combustível, dificuldades no transito, etc.) a impor redesignações das audiências, tudo em prejuízo do rápido andamento do feito (2006, p. 3 apud SCARCELLI, on line).
Ressalte-se ainda que, o interrogatório on line não restringe o princípio da publicidade dos atos processuais. Ao contrário, com a realização do interrogatório à distância essa publicidade não é lesada, mas sim ampliada, consoante os ensinamentos de Anna Maria Pimentel, veja-se:
Caso se utilize a internet para transmissão dos dados, qualquer um que possua acesso à rede mundial poderá assistir ao interrogatório, independente do lugar em que se encontre (2004, p. 19 apud SCARCELLI, on line).
Além disso, o interrogatório pode ser gravado em compact disc que permanecerá no processo, podendo ser revisto posteriormente por qualquer interessado.
Infere-se portanto, demonstrado tais pontos, que resta claro e evidente que o interrogatório por videoconferência não fere qualquer princípio relacionado ao devido processo legal.
Confirmando essa idéia, Vladimir Aras afirma que
[...] a mera mudança do procedimento de apresentação do réu ao juiz, especialmente nos casos em que estão em julgamento presos perigosos não elimina nenhuma garantia processual, nem ofende os ideais do Estado de Direito. Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho a distância, de todos os atos e funções que seriam possíveis no caso de comparecimento físico [...] (on line).
A presença virtual do acusado, em videoconferência, é uma presença real, o juiz o ouve e o vê e vice-versa. A inquirição é direta e a interação recíproca. No vetor temporal, o acusado e seu julgador estão juntos, presentes na mesma unidade de tempo. A diferença entre ambos é meramente espacial. Mas a tecnologia supera tal deslocamento fazendo com que os efeitos e as finalidades das duas espécies de comparecimento judicial sejam plenamente equiparados. Nisto nada se perde.
Outro ponto causador de grande polêmica entre os doutrinadores é a questão da nulidade em decorrência da utilização da videoconferência. Para aqueles que defendem o interrogatório on line, o simples fato da utilização da videoconferência não o torna nulo. Isto porque, de acordo com o artigo 563 do Código de Processo Penal, um ato só será declarado nulo se dele resultar prejuízo para acusação ou para a defesa. Deste modo, se o interrogatório for realizado por videoconferência e o réu não demonstrar que sofreu um prejuízo real, efetivo em sua defesa, o ato não será declarado nulo.
Neste sentido também encontram-se julgados na jurisprudência, confira-se:
Processual penal. Habeas Corpus. Nulidade. Interrogatório. Videoconferência. Devido processo legal. Prejuízo não demonstrado. O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários. Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstração do prejuízo nos termos do art. 563 do código de Processo Penal. Ordem denegada (STJ, on line)[15].
Sendo assim não existe nulidade pelo fato de não haver o comparecimento físico. Compreende-se que não há omissão de um elemento necessário ao ato, apenas a substituição do comparecimento físico pelo comparecimento virtual, sem causar prejuízo algum ao réu. Desta forma, não poderá ser declarada a nulidade do ato se sua finalidade for alcançada.
Por fim, ressalte-se ainda, que a realização de atos processuais por meio da videoconferência não lesa o princípio do contraditório e nem o da ampla defesa, visto que as partes são intimadas com dez dias de antecedência e o preso poderá acompanhar todos os atos da audiência una de instrução e julgamento. Outrossim, além de ser assegurado ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; fica também assegurado a utilização de canais telefônicos, reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso, tudo de acordo com os regramentos do artigo 185 do CPP e seus parágrafos.
No mesmo sentido, ao tempo em que destaca a importância em realizar-se o interrogatório por videoconferência, o Professor Luiz Flávio Gomes também defende esta tese, ao escrever:
Recentemente, num processo que corre pela Comarca de Franco da Rocha, o STF determinou a liberação de vários “chefes” do PCC porque ele já se arrastava por quatro anos, sem ter sentença. Motivo: os réus não foram apresentados quase uma dezena de vezes. Com a videoconferência isso não teria ocorrido. É bem verdade que todo réu tem direito de estar presente (direito de presença) na audiência (STF, HC 86.634-SP). Mas essa presença resulta totalmente efetivada com a videoconferência (desde que cercadas de todas as garantias constitucionais, internacionais e legais). [...] Com a devida vênia, o uso da videoconferência de modo algum torna o julgamento “mecânico e insensível” (STF, HC 88.914-SP). O método não aniquila a validade ou sensibilidade do ato. Tudo depende da forma (do respeito às garantias do réu). A informatização do judiciário, em sua plenitude, não é uma questão de utilidade, sim, de necessidade. [...] Em síntese: desde que observadas todas as garantias fundamentais do acusado, não há como vislumbrar nulidade no uso da videoconferência, porque não existe nulidade sem prejuízo (CPP, art. 563) (on line).
Com base nesse entendimento, colaciona-se ainda os seguintes julgados:
“HABEAS CORPUS. ROUBO TENTADO. INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA. NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais do réu, o qual, na hipótese, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio. 2. A declaração de nulidade, na presente hipótese, depende da demonstração do efetivo prejuízo, o qual não restou evidenciado. 3. Ordem denegada. (HC 76.046/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. 10.05.2007)”.
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR, RECEPTAÇÃO. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO REALIZADO POR VIDEOCONFERÊNCIA, ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI 11.900/09. NULIDADE ABSOLUTA. ENTENDIMENTO QUE NÃO SE ESTENDE À OUVIDA DAS TESTEMUNHAS. PRECEDENTES DO STJ E STF. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR TÃO-SÓ E APENAS O ATO DE INTERROGATÓRIO DO RECORRENTE. 1. É firme é o entendimento desta Corte e do STF quanto à inadmissibilidade do interrogatório virtual, anteriormente à edição da Lei 11.900/09, tal como se dá na espécie. Precedentes. 2. Tal orientação, contudo, não se aplica a audiência em que realizada a instrução, com a oitiva das testemunhas, pois, na linha da jurisprudência desta Corte, a ausência do réu, nesta ato, não configura nulidade se a ele tiver comparecido e não lhe tenha sobrevindo qualquer prejuízo. Precedentes. 3. Ressalva do ponto de vista deste relator que entende pela regularidade do ato judicial realizado por videoconferência; primeiro, porque houve a concordância do defensor; segundo, porque não se constata nenhum sacrifício à defesa do paciente, especialmente quando se seguiram as fases posteriores da instrução, sem que tivesse sido alegado um único prejuízo sequer. Ao meu sentir, regredir-se a uma fase inicial do processo quando não há, às escâncaras, pelo menos, uma mágoa insuperável ao direito de ampla defesa, é incompatível com o princípio pas de nullité sans grief que orienta o processo penal brasileiro. 4. Recurso provido para anular tão-só e apenas o ato de interrogatório do recorrente.(RHC 22971/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. 02.08.2010)”.
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. VIDEOCONFERÊNCIA. OITIVA DE TESTEMUNHAS. POSSIBILIDADE. NULIDADE RELATIVA. ATO JUDICIAL REGULAR. ANUÊNCIA DO DEFENSOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE PREJUÍZO. NULIDADE. ARGUIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. ARTIGOS 563 E 565 DO CPP. LIBERDADE PARA APELAR. PLEITO PREJUDICADO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
I. A orientação que reprime a utilização da videoconferência não se aplica na hipótese de realização de audiência de instrução na qual procedida a inquirição de testemunhas, pois na linha de jurisprudência desta Corte, a ausência do réu a este ato não configura nulidade se a ele tiver comparecido seu defensor e não lhe tenha, de outro lado, sobrevindo qualquer prejuízo.
II. Regular ato judicial realizado pelo sistema de videoconferência, em que houve a concordância do defensor constituído para tal ato, com comunicação reservada do paciente com seu defensor garantida, bem como seguimento normal das fases posteriores da instrução, sem alegação de qualquer prejuízo.
III. Em termos de nulidade relativa, é necessária a demonstração do efetivo prejuízo decorrente do ato supostamente nulo e inadmissível a arguição de nulidade, pelo interessado, a que haja dado causa, ou concorrido, nos termos dos artigos 563 e 565 do Código de Processo Penal.
IV. Sobrevindo o julgamento do recurso de apelação resta prejudicado o pleito recorrer em liberdade.
V. Ordem parcialmente conhecida e denegada.
(HC 155.832/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 14/03/2011)
Desta feita, observa-se plenamente viável a aplicação da videoconferência.
Demais de todo o exposto, não há como negar fatores físico-sociais (inerentes ao Século XXI) e que são determinantes à adoção do interrogatório por videoconferência. Principalmente quando se lembra no chamado crime-organizado[16], onde não são raros os casos em que, até mesmo dentro dos presídios, ditos grupos controlam, inclusive, a ação policial. Isto dificulta a atuação do Estado, que se vê refém da criminalidade.
Não foi por acaso que a Lei 11.900/2009 reservou a adoção do interrogatório on-line a casos extremos[17], exemplo, o previsto no inciso I do parágrafo 2º do artigo 185: “prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento”. Restou evidente, com a redação dada pela novel regra, que elementos como a ação organizada, amparada pelo dinheiro fruto do crime, torna-se um risco à segurança pública, tendo em vista a possibilidade de uma ação planejada e bem estruturada, capaz de frustrar a realização do interrogatório (ato sumamente importante ao processo penal) e, consequentemente, culminando por vezes com a fuga do preso.
Aliás, como fator idiossincrático do século em comento, não há como se negar a evolução tecnológica, capaz de interligar o mundo inteiro em fração de segundos. A adoção de sistemas ditos on-line permite a comunicação inter-humana em perfeitas condições.
A videoconferência surgiu da necessidade de agilizar a transmissão e o compartilhamento de informações a qualquer lugar e hoje consiste num sistema de comunicação digital, audiovisual, em tempo real (interação recíproca), entre pessoas ou grupos que se encontram em espaços físicos idênticos ou diferentes (MERLINI, on line). Tal procedimento permite a comunicação (essencial no interrogatório) em perfeitas condições. O elemento “comunicação” aqui empregado é utilizado em seu mais amplo sentido, ou seja, em um aspecto capaz de determinar todos os fatores possíveis entre comunicante e comunicado (juiz e réu), ou seja, capaz de percepção de tom de voz, estado de tranquilidade ou inquietação, expressão facial etc., sendo que todos esses elementos foram preservados com o sistema da videoconferência, dada a perfeição técnica alcançada[18].
CONCLUSÃO
Por ser o Direito uma ciência não exata, muitas vezes os mesmos fatos, as mesmas normas jurídicas, possuem diversas formas de interpretação pelos operadores jurídicos. Com o interrogatório por videoconferência não foi diferente, um tema que vem sendo objeto de muitas discussões e desacordos entre juristas.
Procurou-se aqui um verdadeiro esforço no sentido de demonstrar ser totalmente possível a utilização da videoconferência no processo penal brasileiro, acima de tudo compatível com a ordem constitucional.
Diz-se que, mesmo diante de questões controvertidas, não se verifica a incompatibilidade absoluta entre o sistema adotado pela Lei e os direitos e garantias individuais constitucionais. É sim o interrogatório uma forma de prestigiar a oportunidade de defesa do réu, inclusive possibilitando a realização do interrogatório em situações que, a principio, seriam inviáveis, inconvenientes ou mesmo impossíveis. Entretanto, como todo e qualquer procedimento, deve-se compatibilizar com outros princípios também constitucionalmente assegurados.
Outrossim, o interrogatório por videoconferência é um instituto que vem trazer a noção de que o próprio processo precisa se desgarrar das fórmulas arcaicas de outrora, adaptando-se à nova realidade da era da informatização e da tecnologia, que, devidamente utilizados, consubstanciam ferramenta de importância salutar para acompanhar as mudanças sociais.
Ressalte-se, igualmente, dentro da verificação da natureza jurídica do interrogatório, é importante destacar que, muito embora seja meio de defesa e também de produção de prova no processo penal (não podendo, portanto, realizar-se sem a observância dos direitos fundamentais do acusado), isso não significa que não possa ser compatibilizado com a via on line.
A videoconferência é perfeitamente capaz de preservar todas as garantias e direitos do réu, como demonstrado no último capítulo.
Deste modo, diga-se, todavia, que o uso do sistema da videoconferência deve ser, acima de tudo, somente aplicado em situações excepcionais que reclamem sua utilização e por decisão amplamente fundamentada, não se esvaziando o fim das formalidades jurídicas, nem a mitigação de direitos constitucionais, mas sim a sua compatibilização junto aos avanços tecnológicos trazidos pela modernização, realizando verdadeiro juízo de ponderação. A sociedade hodierna busca a efetividade, ao contrário da mera formalidade. As formas devem ser instrumentos dessa efetividade do processo penal, e não um fim em si mesmas.
Do exposto, desde que sejam resguardados os princípios e garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, assegurando ao acusado acesso direto ao defensor exclusivo e em tempo real, e garantindo a este o direito de autodefesa, o interrogatório por videoconferência é um sistema constitucional hábil a servir de ferramenta ao combate da morosidade do judiciário, tornando a justiça eficaz, estando coerente, assim, com as garantias constitucionais, representando uma evolução do direito processual.
Consequentemente, conclui-se que a realização do sistema de interrogatório por videoconferência, não consistindo um vício de morte aos princípios ou garantias do processo penal do réu, possibilita a implementação e efetividade de tal ato, evitando-se, por exemplo, indesejáveis fugas ou mesmo até a não realização do ato quando impossível pela via normal. Neste ponto, destaca-se ainda que a garantia da segurança pública deve ser levada com estimada consideração, tudo isso, sempre com olhos no princípio do pas de nullitet sans grief, homenageado pelo Código de Processo Penal em seu artigo 563, de forma que, realmente, não há nulidade se não houver prejuízo ao réu.
A grande tarefa que se tem agora a fazer é rever conceitos, assimilar novas tecnologias, e aceitar a interação à distância, pois isso não é questão de comodidade e sim de necessidade.
O instituto traz sim importantes contribuições para a sociedade, agilizando a justiça, sempre, claro, fazendo um juízo de compatibilidade com os importantíssimos, porém não absolutos, direitos e garantias fundamentais.
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[1] União Internacional de Telecomunicações/Setor de padronização de telecomunicações. É uma organização mundial na qual governos e companhias privadas coordenam a operação de redes e serviços de telecomunicações. O ITU-T é o setor de padronização de telecomunicações do ITU e tem desenvolvido padrões para áudio, vídeo, videoconferência, etc. Disponível em www.itu.int. (LOSSO, 2009, p.47).
[2] As recomendações da classe F estabelecem os padrões técnicos internacionais de comunicação, de forma a possibilitar a interligação entre os diferentes sistemas usados no mundo (LOSSO, 2009, p.47).
[3] Importante observar que a Lei 11.900/2009 introduziu ainda uma espécie de cláusula genérica de aplicabilidade, ao determinar no parágrafo 8º, artigo 185, que aplica-se o disposto nos §§ 2º, 3º, 4º e 5º, do mesmo artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido, sempre garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor. Isso permite que, além do interrogatório, passa também outros atos serem realizados via videoconferência.
[4] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[5] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[6] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[7] Á luz do insculpido no artigo 93, inciso IX, da CF/88, toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada. Trata-se de efetividade do contraditório e ampla defesa.
[8] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[9] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[10] STF, HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=489888
[11] STF, HC 90900, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2008, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=575877
[12]Luiz Flávio Gomes em comentários à nova Lei ressalta: “A realização de qualquer ato por videoconferência é excepcional. Em regra o ato deve ser realizado com a presença física do réu no local do próprio ato (ou no presídio ou no fórum). Essa é a regra. Excepcionalmente o ato pode ser realizado por videoconferência. [...] quando o juiz fundamentar sua necessidade. [...] Correta essa previsão legal porque são incontáveis os avanços tecnológicos. Todas as modernas tecnologias futuras poderão ser utilizadas (on line).
[13]O §3º do artigo 185, com a redação dada pela Lei 11.900/2009 estabelece: “Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.”
[14] STF, HC 90.900, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE. PLENO. DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009. Dados extraídos do site STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=575877
[15] HC 34020/SP, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma, DJ 15.09.2005. Dados extraídos do site STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA– O Tribunal da Cidadania. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400262504&dt_publicacao=03/10/2005
[16] Estamos nos referindo à atuação do crime-organizado que, e.g., não raramente obtém êxito em fuga de presidiários, resgate de comparsas, etc., tais ações colocam em risco o ato do interrogatório, pois este é realizado com prévio aviso o que torna a ação criminosa mais eficiente.
[17] Aliás, infere-se que a constitucionalidade do instituto também encontra razão aqui, pois, dentre vários, um dos argumentos em não considerar o interrogatório por videoconferência como inconstitucional, é o fato de que ele não é uma regra, mas sim, somente adotado em situações excepcionais e devidamente justificadas, quando nenhum outro modo mais pode ser utilizado.
[18] Como já citado noutro capítulo, o professor Luiz Flávio Gomes destacou: “o fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas foram garantidas pela Lei 11.900/2009” (GOMES, on line).
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (2010). Atualmente é Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Maranhão. Ex-Defensor Público. Ex-Analista Judiciário. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Ciências Penais . Pós-Graduado em Direito Tributário. Endereço para acessar este lattes: http://lattes.cnpq.br/6143987446845968
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Marco Tulio Rodrigues. Colocando uma pá de cal na legitimidade do interrogatório por videoconferência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40465/colocando-uma-pa-de-cal-na-legitimidade-do-interrogatorio-por-videoconferencia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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