Resumo: O presente artigo analisa as hipóteses de cabimento de honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.
Palavras chave: honorários advocatícios, Fazenda Pública, execução não embargada; execução invertida.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Execução em que o pagamento ocorre por meio de precatório; 3. Execução iniciada sob o regime de precatório e o credor renuncia ao excedente para que o valor seja pago por meio de RPV. 4. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV e o credor necessita dar início ao processo de execução; 5. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV e a Fazenda Pública inicia o processo de execução: execução invertida; 6. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV no Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública; 7. Conclusões; 8. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Incumbe à parte vencida responder pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios. Trata-se do princípio da sucumbência, cujo escopo está em assegurar ao vencedor a mesma posição jurídica e econômica que teria, caso não houvesse a necessidade de recorrer ao Judiciário para satisfação ou defesa do seu direito.
A obrigação do vencido pelo pagamento dos honorários advocatícios decorre da derrota no processo, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, isto é, a responsabilidade é objetiva e se funda na compreensão de que o processo não deve causar prejuízo à parte que tinha razão[1].
No que cuida dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública, dispõe o art. 20, § 4º do CPC:
“Art. 20:
(...)
§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.”
Em relação especificamente às execuções movidas em face da Fazenda Pública, a matéria veio a ser tratada pela Lei nº 9.494/97:
“Art. 1º-D. Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas.”
Referido dispositivo foi inserido pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 e teve como justificativa exaurir a divergência quanto ao cabimento ou não dos honorários advocatícios, tendo em vista que o art. 730 do CPC, ao contrário do art. 20, § 4º, ao disciplinar a execução contra a Fazenda Pública não previu o pagamento da referida verba nas hipóteses de não interposição de embargos.
Segundo constou da exposição de motivos:
“Impõe seja evitada a condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios nas execuções não embargadas, motivo que justifica o acréscimo do art. 1º-D à Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, para evitar eventuais entendimentos conflitantes entre as disposições ínsitas no § 4º do art. 20 do CPC (incidência de honorários em execuções embargadas ou não) e as regras especiais ditadas pelo art. 730 do mesmo código, onde não prevista a fixação de honorários quando não opostos embargos.[2]”
Dessa forma, o art. 1º-D da Lei nº 9.494/97 derrogou o art. 20, § 4º do CPC[3], tendo o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 420.816-PR, considerado constitucional o dispositivo a partir de uma interpretação conforme a Constituição, reduzindo seu âmbito de incidência para as hipóteses de execução que se processar sob o regime de precatório. Eis a ementa do acórdão:
“Execução contra a Fazenda Pública, não embargada: honorários advocatícios indevidos na execução por quantia certa (CPC, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor (CF/88, art. 100, caput e § 3º). Embargos de declaração: ausência de contradição a sanar no acórdão embargado: rejeição. 1. Na media em que o caput do art. 100 condiciona o pagamento dos débitos da Fazenda Publica à ‘apresentação dos precatórios’ e sendo estes provenientes de uma provocação do Poder Judiciário, é razoável que seja a executada desonerada do pagamento de honorários nas execuções não embargadas, às quais inevitavelmente se deve se submeter para adimplir o crédito. 2. O mesmo, no entanto, não ocorre relativamente à execução de quantias definidas em lei como de pequeno valor, em relação às quais o § 3º expressamente afasta a disciplina do caput do art. 100 da Constituição.[4]”
Diante desse entendimento e sem a pretensão de esgotar por completo a matéria, a temática dos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública nas execuções não embargas pode apresentar situações distintas que serão abordadas no presente artigo.
2. Execução em que o pagamento ocorre por meio de precatório
Pela sistemática de pagamento de débitos judiciais mediante a expedição de precatório, há um procedimento especial disciplinado no art. 100 da Constituição Federal impondo a observância a uma série de regras, destacando-se dentre elas: (i) o trânsito em julgado da decisão condenatória bem assim sua liquidação; (ii) a exata obediência do pagamento à ordem cronológica apresentada; (iii) a proibição de designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para tal fim; (iv) os precatórios de natureza alimentícia das pessoas que tiverem 60 anos ou mais ou portadoras de doença grave definida em lei terão preferência sobre os demais no valor equivalente a três vezes o limite máximo estabelecido pelas Fazendas Públicas, sendo admitido nessa hipótese o fracionamento do pagamento para atender essa finalidade, de forma que o restante do débito será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório; (v) é obrigatória a inclusão no orçamento da entidade devedora, da verba necessária ao pagamento das dívidas oriundas de decisões transitadas em julgado; (vi) as dotações orçamentárias permanecerão sendo consignadas diretamente pelo Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exequenda determinar o pagamento integral do débito e em caso de ato comissivo ou omisso que venha retardar ou tentar frustrar a liquidação do precatório, poderá incorrer em crime de responsabilidade e infração funcional perante o Conselho Nacional de Justiça[5].
Assim, na execução intentada em face da Fazenda Pública, inexiste possibilidade de adimplemento espontâneo, devendo ser observado um procedimento para pagamento do débito, razão pela qual não cabe a fixação de honorários advocatícios. Eles somente serão devidos no caso da Fazenda Pública apresentar embargos à execução e subsistir vencida ao final.
3. Execução iniciada sob o regime de precatório e o credor renuncia ao excedente para que o valor seja pago por meio de RPV
Para os casos em que a execução é processada inicialmente sob o regime de precatório e posteriormente, o credor renuncia aos valores excedentes para que o pagamento seja efetuado por meio de RPV, inexiste fixação de honorários advocatícios pelas mesmas razões aplicadas ao caso anterior, no sentido de que Fazenda Pública não deu causa à instauração da execução.
Nesse sentido, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.406.296 em sede de recurso repetitivo:
“Direito Processual Civil. Honorários advocatícios em execução por quantia certa contra a fazenda pública. Recurso repetitivo (art. 543-c do CPC e Res. 8/2008 do STJ). A Fazenda Pública executada não pode ser condenada a pagar honorários advocatícios nas execuções por quantia certa não embargadas em que o exequente renuncia parte de seu crédito para viabilizar o recebimento do remanescente por requisição de pequeno valor (RPV). À luz do princípio da causalidade, uma vez que se revelava inicialmente impositiva a observância do art. 730 CPC, segundo a sistemática de pagamento de precatórios, a Fazenda Pública não deu causa à instauração do rito executivo. Não tendo sido opostos embargos à execução, tem plena aplicação o art. 1°-D da Lei 9.494⁄1997 (“Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas”), nos moldes da interpretação conforme a Constituição estabelecida pelo STF (RE 420.816-PR). Na hipótese de execução não embargada, inicialmente ajuizada sob a sistemática dos precatórios, caso o exequente posteriormente renuncie ao excedente do valor previsto no art. 87 do ADCT para pagamento por RPV, o STF considera não serem devidos os honorários.[6]”
No mesmo sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao julgar os Recursos Extraordinários de nºs. 599.260 ED, 724.774, 668.983 e 729.674.
Assim, para as hipóteses em que se revela impositiva a execução nos moldes do art. 730 do CPC sob o regime de precatórios, ainda que posteriormente o credor renuncie ao valor excedente, revela-se incabível a fixação dos honorários, haja vista não ser possível o pagamento espontâneo da dívida.
4. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV e o credor necessita dar início ao processo de execução
Na hipótese de condenação de pequeno valor, isto é, cujo procedimento não se submete ao regramento dos precatórios, firmou-se o entendimento no sentido de que os honorários advocatícios são devidos desde que a Fazenda Pública não efetue o pagamento e o credor necessite dar início ao processo de execução para satisfação de seu crédito.
5. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV e a Fazenda Pública inicia o processo de execução: execução invertida
A execução invertida é o procedimento pelo qual a Fazenda Pública devedora dá início espontaneamente ao cumprimento da decisão judicial transitada em julgado, com vistas a assegurar a efetividade e celeridade processual. Tal expediente, comum nas lides previdenciárias, vem se tornando prática nas demais execuções.
Nas hipóteses de execução invertida, não há imposição de honorários advocatícios, haja vista a inexistência de um processo de execução por iniciativa do credor que resultaria na aplicação do princípio da sucumbência.
Nesse sentido, os precedentes colhidos do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. DISSÍDIO COMPROVADO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. (...) 3. No adimplemento voluntário, diferentemente, o pagamento é simples desdobramento lógico, legal e natural da obrigação, fixada na sentença condenatória. A causa que deu origem a tal ação cognitiva condenatória já foi compensada pela fixação de seus próprios honorários sucumbenciais. Portanto, não deve ser fixada nova verba honorária, porquanto não se tenha gerado novo esforço laboral para os advogados de nenhuma das partes. 4. Recurso especial não provido.[7]”
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO INICIADA PELO DEVEDOR. CONCORDÂNCIA DO CREDOR COM OS CÁLCULOS APRESENTADOS. VERBA HONORÁRIA. NÃO CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 1. São cabíveis os honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, a fim de remunerar o advogado pela prática de atos processuais necessários a impulsionar, ou contestar, a pretensão executiva, sendo certo, ainda, que, havendo o cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor, não há falar em verba honorária. 2. Agravo regimental desprovido.[8]”
Os honorários advocatícios fixados na execução visam remunerar o trabalho do advogado nessa fase processual. Por conseguinte, havendo cumprimento espontâneo do débito por iniciativo do devedor, não há processo de execução a justificar a fixação da referida verba.
6. Execução em que o pagamento se processa por meio de RPV no Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública
No âmbito do Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública, inexiste propriamente um processo de execução, tendo em vista que o pagamento é realizado mediante a expedição de requisição de pequeno valor após o trânsito em julgado, de modo que a fixação dos honorários advocatícios revela-se incabível.
7. Conclusões
Pelo princípio da sucumbência, cabe à parte vencida arcar com o pagamento dos honorários advocatícios da parte vencedora, sendo essa responsabilidade objetiva e fundada na compreensão de que o processo não deve causar prejuízo à parte que tinha razão.
Na execução intentada em face da Fazenda Pública sob o regime de precatório, inexiste possibilidade de adimplemento espontâneo, razão pela qual não cabe a fixação de honorários advocatícios. Igualmente, revela-se incabível a aplicação da verba quando a parte credora exerce seu direito de renúncia sobre os valores excedentes para que o pagamento, inicialmente processado sob a forma de precatório, seja efetuado por meio de requisição de pequeno valor.
Para os casos de condenação de pequeno valor, cujo procedimento não se submete ao regramento dos precatórios, firmou-se o entendimento jurisprudencial no sentido de que os honorários advocatícios são devidos desde que a Fazenda Pública não efetue o pagamento e o credor necessite dar início ao processo de execução para satisfação de seu crédito.
Entretanto, nos casos de execução invertida e nos processos do Juizado Especial Federal e da Fazenda Pública, em que inexiste propriamente um processo de execução, revela-se incabível a condenação da Fazenda Pública nos honorários advocatícios.
8. Referências bibliográficas
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo para concursos. Salvador: JusPodivm. 2011.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE 420816 ED, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 21.03.2007, DJe 4 Divulg. 26.04.2007, Public. 27.04.2007, DJ 20.04.2007, p. 86, Ement. Vol. 2272-05, p. 00946, Rcj v. 21, nº 136, 2007, p. 1
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.059.265-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 08.02.2011.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.243.124-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02.08.2011, DJe 15.08.2011.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.406.296. Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26.02.2014. Informativo nº 537/STJ
CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2001/medidaprovisoria-2180-35-24-agosto-2001-390945-norma-pe.html. Acesso em 02.08.2014.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8ª edição. São Paulo: Dialética, 2010.
SCAFF, Fernando Facury; SCAFF Luma Cavaleiro de Macedo. Comentário ao artigo 100: In: Canotilho, J.J. Gomes; Mendes, Gilmar F.; Sarlet, Ingo W.; Streck, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. V. 1. 42ª edição Rio de Janeiro: Forense, 2005.
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito processual civil. 42ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. V. 1, pág. 101
[2] Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2001/medidaprovisoria-2180-35-24-agosto-2001-390945-norma-pe.html. Acesso em 02.08.2014.
[3] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8ª edição. São Paulo: Dialética, 2010, p 135.
[4] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE 420816 ED, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 21.03.2007, DJe 4 Divulg. 26.04.2007, Public. 27.04.2007, DJ 20.04.2007, p. 86, Ement. Vol. 2272-05, p. 00946, Rcj v. 21, nº 136, 2007, p. 113.
[5] SCAFF, Fernando Facury; SCAFF Luma Cavaleiro de Macedo. Comentário ao artigo 100: In: Canotilho, J.J. Gomes; Mendes, Gilmar F.; Sarlet, Ingo W.; Streck, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1343.
[6] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.406.296. Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 26.02.2014. Informativo nº 537/STJ.
[7] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.059.265-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 08.02.2011.
[8] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.243.124-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02.08.2011, DJe 15.08.2011.
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40467/honorarios-advocaticios-devidos-pela-fazenda-publica-nas-execucoes-nao-embargadas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.