Foi publicada no dia 1º. de agosto de 2014, no Diário de Justiça Eletrônico, decisão do Ministro Dias Toffoli que negou seguimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4443, ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais contra dispositivos da Resolução nº. 71/2009, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre o regime de plantão judiciário em primeiro e segundo graus de jurisdição.
Segundo fonte do próprio Supremo, a referida Associação sustentava ocorrência de invasão na autonomia dos tribunais, usurpação da competência privativa da União para legislar sobre direito processual e da competência concorrente dos estados para dispor sobre procedimentos em matéria processual, além de ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que a resolução, na avaliação da entidade, estabeleceu tratamento desigual entre os tribunais superiores, os tribunais de segundo grau e juízes de primeiro grau.
Nada obstante, o Ministro Dias Toffoli entendeu que entre os requisitos exigidos das entidades de classe de âmbito nacional para propor ao Supremo Tribunal Federal está o controle abstrato de normas e a representatividade de toda a categoria, tendo em vista a maior ou menor abrangência do ato questionado, o não ocorre, no caso, em relação à Anamages. “Com efeito, a jurisprudência da Corte não tem admitido a legitimidade ativa de associação que representa apenas fração ou parcela da categoria profissional, quando o ato impugnado repercute sobre a esfera jurídica de toda uma classe”, frisou o Ministro, pois, nas hipóteses de carência de representatividade, quando a associação requerente, em nome de parcela da categoria, pleiteia a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo que diz respeito a toda a coletividade da classe, o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado no sentido da ausência de legitimidade da parte autora. De acordo com seu estatuto, a Anamages tem a finalidade de defender direitos, garantias e prerrogativas dos magistrados que integram a Justiça dos estados e do Distrito Federal.
Aliás, ainda no que diz respeito à legitimidade para a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ministra Rosa Weber negou seguimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5084 ajuizada pelo Procurador-Geral do Estado em nome do Governador de Rondônia. A ação foi proposta contra dispositivos da Lei Estadual nº. 1.063/2002, que institui o plano remuneratório das carreiras da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar estaduais.
Neste caso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que, “salvo os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional (artigo 103, VIII e IX, da Constituição Federal), os demais legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, I a VII, da CF) ostentam capacidade processual plena”. A Ministra também ressaltou que esse mesmo artigo da Constituição não contempla regra que legitime os estados da federação, na condição de pessoas jurídicas de direito público interno, a instaurarem, na pessoa do seu Procurador-Geral do Estado, o controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos: "a legitimidade prevista pela Constituição refere-se ao governador de estado ou do Distrito Federal, e não ao ente federado, pois se trata-se, pois, de legitimação conferida pela norma constitucional ao chefe do Poder Executivo local em caráter intuitu personae, razão pela qual a eles se reconhece, inclusive, excepcional jus postulandi, como decorrência do exercício da função pública”, disse, ao citar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 127.
Assim, a Ministra Rosa Weber destacou que na hipótese de a ação direta ser proposta por autoridade cuja legitimação ativa tem base no artigo 103, inciso V, da Constituição, cabendo ao próprio Governador de Estado ou do Distrito Federal subscrever a petição inicial, “sendo-lhe facultado fazê-lo isoladamente ou em conjunto com o procurador-geral do Estado ou advogado habilitado”. A relatora observou que, no caso, embora a ação tenha sido proposta alegadamente em nome do Governador, consta da petição inicial eletrônica apenas a assinatura digital do procurador-geral do Estado de Rondônia.
Portanto, conforme observou a relatora, o art. 295, II, do Código de Processo Civil, a petição inicial deve ser indeferida caso não demonstrada a legitimidade de seu autor para a causa. No entanto, ela considerou inoportuna a abertura de prazo para a regularização processual, “na medida em que o próprio governador do Estado de Rondônia, em cujo nome a ação teria sido ajuizada, já veio espontaneamente aos autos manifestar-se contrariamente à ratificação da exordial”. Por essas razões, a ministra Rosa Weber negou seguimento a ação.
Um outro aspecto torna inviável a continuidade de uma ação direta de inconstitucionalidade, a saber: a lei impugnada foi revogada por outra. Em tal caso, o Ministro Celso de Mello arquivou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3844, na qual um Governador contestava a lei que isentou motoristas do pagamento de taxas de estacionamento cobradas por instituições financeiras, hospitais ou estabelecimentos similares de todo o estado (Lei estadual 8.379/06). A decisão do Ministro foi tomada porque, durante o trâmite da ação, a lei foi revogada por outra. Celso de Mello explicou, em sua decisão, que a jurisprudência do Supremo aponta que, cessada a eficácia do ato impugnado na ação é extinta a ação, independentemente da existência de efeitos residuais concretos derivados da aplicação da lei questionada.
Um outro entendimento consolidado pelo Supremo, sob a batuta do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4176, é que a ação ajuizada por um partido político contra dispositivo que autorizava a Agência Brasileira de Inteligência a manter, em caráter permanente, representantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência no Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência.Trata-se do parágrafo 4º do artigo 6º do Decreto 4.376/2002, com a redação que lhe deu o artigo 2º do Decreto nº 6.540, de 18 de agosto de 2008. Esse dispositivo autoriza os mencionados representantes a acessarem, por meio eletrônico, “as bases de dados de seus órgãos de origem, respeitadas as normas e limites de cada instituição e as normas legais pertinentes à segurança, ao sigilo profissional e à salvaguarda de assuntos sigilosos”.O impetrante alegava que a norma seria uma porta aberta para a invasão da privacidade e do sigilo dos dados dos cidadãos, na medida em que a referida Associação teria acesso a informações dos diversos órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência. Ao pedir a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, fundamentava-se no artigo 5º., X, XII, e LIV da Constituição. Ao indeferir a petição inicial, o Ministro Menezes Direito citou parecer da Procuradoria Geral da República pelo não conhecimento da ação, secundado também por manifestações no mesmo sentido do Presidente da República, por intermédio da Advocacia Geral da União. Segundo eles, o dispositivo impugnado apenas regulamenta a previsão contida no parágrafo único do artigo 4º. da Lei nº. 9.883/99. Assim, portanto, o parágrafo 4º. do artigo 6º-A do Decreto nº 4.376/02, com a redação que lhe deu o artigo 2º. do Decreto nº. 6.540/08, apenas instrumentaliza norma contida no parágrafo único do artigo 4º. da Lei nº. 9.883/99, que já previa o intercâmbio de informações entre a Associação e os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência.“Nessas condições, de duas uma: ou o decreto ofende a lei, a revelar um problema de legalidade, ou é a própria lei que ofende a Constituição, caso em que esta deveria figurar como objeto primordial da ação”, avaliou o Ministro. Ele concluiu que, “tratando-se de norma de caráter secundário, inviável o seu controle isolado, dissociado da lei ordinária que lhe empresta imediato fundamento de validade, no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade”. Ao fundamentar sua decisão, o Ministro cita como precedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 264, cujo relator, Ministro Celso de Mello, observou, ao negar um recurso de agravo: “A ação direta de inconstitucionalidade não é instrumento hábil ao controle da validade de atos normativos infralegais em face da lei sob cuja égide foram editados, ainda que, num desdobramento, se estabeleçam, mediante prévia aferição da inobservância dessa mesma lei, o confronto consequente com a Constituição Federal”.
Aliás, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, que a supressão do direito de ex-ocupantes de cargos públicos e ex-detentores de mandatos eletivos a foro por prerrogativa de função é válida desde 15 de setembro de 2005, quando a Suprema Corte julgou inconstitucional a Lei nº 10.628/2002, que acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal, prevendo esse benefício.A Suprema Corte decidiu, entretanto, preservar a validade de todos os atos processuais que eventualmente tenham sido praticados em processos de improbidade administrativa e ações penais contra ex-detentores de cargos públicos e de mandatos eletivos, julgados anteriormente, ao abrigo dos parágrafos 1º e 2ª do artigo 84 do CPP, isto é, no período de vigência da Lei 10.628, que foi de 24 de dezembro de 2002 até 15 de setembro de 2005, quando foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte.A decisão foi tomada no julgamento de recurso de embargos de declaração opostos pelo procurador-geral da República em relação à decisão de setembro de 2005, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2797, proposta em 2002 pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. O Procurador-Geral pediu a modulação dos efeitos da decisão a partir da declaração de inconstitucionalidade da lei, preocupado com a segurança jurídica, pois questionava como ficariam os processos julgados na vigência da lei declarada inconstitucional.O então relator da Ação nº. 2797, Ministro Menezes Direito rejeitou o recuso apresentado pelo procurador-geral da República. Após pedido de vista, o ministro Ayres Britto votou no sentido de dar provimento ao recurso e modular os efeitos da inconstitucionalidade. Em seguida, o julgamento foi suspenso. Na sessão de hoje, o ministro Ayres Britto trouxe o processo para prosseguir o julgamento. Seu voto-vista foi acompanhado pela maioria, sendo vencido, além do ministro relator, também o ministro Marco Aurélio, que se pronunciou contra a possibilidade da modulação. Segundo ele, a Constituição Federal de 1988 não prevê o direito a foro especial para os ex-ocupantes de cargos públicos e ex-detentores de mandato, e uma lei (como a Lei nº. 10.628/2002) não pode colocar-se acima da Constituição.Em seu voto, acompanhando o ministro Ayres Britto, o ministro Ricardo Lewandowski disse que, para chegar à decisão de hoje, a Suprema Corte teve de evoluir, de um entendimento anterior, segundo o qual a modulação não poderia ser pedida em recurso de embargos. Segundo aquele entendimento, isso somente seria possível já na petição inicial ou, pelo menos, por ocasião da sustentação oral do autor do pedido.Entretanto, como assinalou, evoluiu-se por razões de segurança jurídica. Além disso, neste caso, o interesse coletivo sobrepuja amplamente o interesse individual de quem é acusado da prática de crime no exercício de função pública ou mandato coletivo.
É do Tribunal de Justiça estadual a competência para julgar ação direta de inconstitucionalidade questionando lei municipal em que se alega ofensa a norma de Constituição estadual que reproduz dispositivo da Constituição Federal de observância obrigatória pelos estados. Entretanto, há a possibilidade de interposição de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal contra decisão que venha a ser proferida pela corte estadual.
Tanto assim o é que o Ministro Marco Aurélio negou seguimento à Reclamação nº. 17290, onde um Município paulista alega que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo teria usurpado competência do Supremo ao deferir pedido de liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por partido político que impugnava lei municipal.
Ao assim decidir, o Ministro Marco Aurélio observou que o município indicou, como causa de pedir, a violação dos artigos 144 e 163 da Constituição do Estado de São Paulo. Entretanto, segundo ele, o artigo 163 da Carta local “que é o fundamento maior da ADI, figura no campo das normas de observância obrigatória pelos estados”. Nesse sentido, ele lembrou que a Suprema Corte já assentou, em diversas oportunidades, que não existe usurpação de competência quando o controle é realizado com envolvimento indireto de preceitos da Constituição Federal. O Ministro se reportou a decisões da Corte nesse sentido, entres elas a Reclamação nº. 337, na qual consta que “o único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido incidenter tantum por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto”.
Por fim,não esqueçamos que o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, na sessão do dia 20 de março de 2013, o julgamento da Reclamação nº. 4335, na qual a Defensoria Pública da União questionou decisão do juízo da Vara de Execuções Penais de Rio Branco que negou a dez condenados por crimes hediondos o direito à progressão de regime prisional.
A Corte Suprema havia já reconhecido a possibilidade de progressão de regime nesses casos no julgamento do Habeas Corpus nº. 82959, em fevereiro de 2006, por seis votos contra cinco, quando foi declarado inconstitucional o § 1º. do art. 2º. da Lei nº. 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que então proibia tal progressão (mais tarde alterado pela Lei nº. 11.464/2007). No caso específico da Reclamação nº. 4335, no entanto, o Juiz de Direito do Acre alegou que, para que a decisão do Supremo Tribunal Federal no referido Habeas Corpus tivesse efeito erga omnes (ou seja, alcançasse todos os cidadãos), seria necessário que o Senado Federal suspendesse a execução do dispositivo da Lei de Crimes Hediondos, conforme prevê o artigo 52, X, da Constituição Federal, o que não havia ocorrido.
Na sessão deste dia 20 de março, o julgamento foi concluído após voto-vista do Ministro Teori Zavascki, cujo entendimento foi seguido pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Em seu voto, o Ministro Teori salientou que, embora o artigo 52, X, da Constituição estabeleça que o Senado deve suspender a execução de dispositivo legal ou da íntegra de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo, as decisões da Corte, ao longo dos anos, têm-se revestido de eficácia expansiva, mesmo quando tomadas em controvérsias de índole individual. O Ministro também citou as importantes mudanças decorrentes da Reforma do Judiciário (EC 45/2004), a qual permitiu à Corte editar súmulas vinculantes e filtrar, por meio do instituto da repercussão geral, as controvérsias que deve julgar. “É inegável que, atualmente, a força expansiva das decisões do STF, mesmo quando tomadas em casos concretos, não decorre apenas e tão somente da resolução do Senado, nas hipóteses do artigo 52, inciso X, da Constituição”, afirmou. O fenômeno, segundo o Ministro, “está se universalizando por força de todo um conjunto normativo constitucional e infraconstitucional direcionado a conferir racionalidade e efetividade às decisões dos Tribunais Superiores e especialmente à Suprema Corte”.
Para o Ministro, contudo, é necessário dar interpretação restritiva às competências originárias do Supremo, pois o uso indistinto da reclamação poderia transformar o Tribunal em “verdadeira corte executiva”, levando à supressão de instâncias locais e atraindo competências próprias de instâncias ordinárias. No caso em análise, entretanto, o Ministro Teori acolheu a Reclamação nº. 4335 por violação à Súmula Vinculante nº. 26 (“para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990”). Embora a reclamação tenha sido ajuizada mais de três anos antes da edição da súmula, a aprovação do verbete constitui, segundo o Ministro, fato superveniente, ocorrido no curso do julgamento do processo, que não pode ser desconsiderado pelo Juiz de Direito, nos termos do artigo 462 do Código de Processo Civil.
Nesta Reclamação, os Ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio julgavam inviável a Reclamação (não conheciam), mas, de ofício, concediam Habeas Corpus para que os dez condenados tivessem seus pedidos de progressão do regime analisados, individualmente, pelo juiz da Vara de Execuções Criminais. Os votos dos Ministros Gilmar Mendes (relator) e Eros Grau (aposentado) somaram-se aos proferidos na sessão do dia 20, no sentido da procedência da reclamação. Para ambos, a regra constitucional que remete ao Senado a suspensão da execução de dispositivo legal ou de toda lei declarada inconstitucional pelo Supremo tem efeito de publicidade, pois as decisões da Corte sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso.
Esta verdadeira “novela mexicana” iniciou-se em fevereiro de 2006 quando, por seis votos a cinco, os Ministros declararam a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que proibia a progressão do regime de cumprimento da pena (já alterado pela lei acima referida). Mas como a decisão foi tomada por meio de um Habeas Corpus, o Juiz da Vara de Execuções considerou que ela só teve efeito imediato para as partes envolvidas no processo. Para ele, a eficácia geral da decisão (eficácia erga omnes) só passaria a valer quando o Senado Federal publicasse resolução suspendendo a execução da norma considerada inconstitucional pelo Supremo, como prevê a Constituição. Depois, na sessão do dia 19 de abril de 2007, pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski suspendeu o julgamento.
Naquela oportunidade, quatro dos Ministros já se posicionaram sobre a matéria: Gilmar Mendes e Eros Grau disseram que a regra constitucional tem simples efeito de publicidade, uma vez que as decisões do Supremo sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa, mesmo que tomadas em ações de controle difuso (incidental), ou seja, aquelas que decidem questões no caso concreto, com efeitos entre as partes. “Não é mais a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa eficácia normativa”, afirmou Gilmar Mendes. “A decisão do Senado é ato secundário ao do Supremo”, disse Eros Grau.
Houve divergência, pois os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa refutaram a solução proposta por Gilmar Mendes e Eros Grau. Mesmo afirmando que o dispositivo em debate é “obsoleto”, o então Ministro Sepúlveda Pertence não concordou em reduzir a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF” uma prerrogativa à qual o Congresso se reservou. Segundo ele, as sucessivas Constituições promulgadas no Brasil têm mantido o dispositivo. Ele defendia então a utilização, no caso, da súmula vinculante, criada pela Emenda Constitucional nº 45/04, da Reforma do Judiciário.
Já o Ministro Joaquim Barbosa classificou como anacrônico o posicionamento do Juiz da Vara de Execuções de Rio Branco. “O anacronismo é do juiz. Portanto, do próprio Poder Judiciário”, afirmou. Ele defendeu a manutenção da leitura tradicional do dispositivo constitucional em discussão por ser “uma autorização ao Senado, e não uma faculdade de cercear decisões do Supremo”.
Os quatro Ministros concordaram que os dez condenados tinham o direito de terem seus pedidos de progressão do regime de cumprimento da pena analisados, individualmente, pelo Juiz de Execuções Criminais. Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau concederam o direito ao deferir a reclamação. Já os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa concederam Habeas Corpus de ofício aos condenados, já que o primeiro indeferiu a reclamação e segundo não conheceu do pedido.
A “novela” continuou na sessão do dia 16 de maio de 2013 quando, mais uma vez, foi adiado o julgamento, em razão agora de um pedido de vista do Ministro Teori Zavascki.
Continuava, portanto, a discussão acerca da função desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Senado Federal no controle difuso (incidental) de constitucionalidade das leis, ou seja, em decisões tomadas a partir da análise de casos concretos que chegam à Corte.
Aliás, quando se pronunciou no seu voto-vista, o Ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que a competência do Senado no controle de constitucionalidade de normas tem sido reiterada, desde 1934, em todas as constituições federais, não sendo “mera reminiscência histórica”. De acordo com ele, reduzir o papel do Senado a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo, nesse campo, “vulneraria o sistema de separação entre os Poderes”. O Ministro, então, salientou que a Constituição Federal de 1988 fortaleceu o Supremo, mas não ocorreu em detrimento das competências dos demais Poderes. “Não há como cogitar-se de mutação constitucional, na espécie, diante dos limites formais e materiais que a própria Lei Maior estabelece quanto ao tema, a começar pelo que se contém no artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, o qual erige a separação dos Poderes à dignidade de cláusula pétrea que se quer pode ser alterada por meio de emenda constitucional”, destacou na opoertunidade. Segundo ele, o Supremo recebeu um grande poder, a partir da Emenda Constitucional 45, sem que houvesse a necessidade de alterar o artigo 52, X, da Constituição. “Os institutos convivem, a meu ver, com a maior harmonia sem choque ou contradição de qualquer espécie”, avaliou o Ministro Ricardo Lewandowski. Por esses motivos, o Ministro não conhecia da Reclamação, mas também concedia o Habeas Corpus de ofício a favor dos condenados.
Em seguida, o relator da ação, Ministro Gilmar Mendes, reforçou alguns pontos de seu voto, proferido em fevereiro de 2007, e acrescentou que a reclamação teria perdido o objeto por conta da edição da Súmula Vinculante 26. Por essa razão, o Ministro frisou que a ação estaria prejudicada.
Antes, no dia 1º. de fevereiro de 2007, mais uma vez, foi interrompida a análise da Reclamação por um pedido de vista antecipado do Ministro Eros Grau. Nesta oportunidade, o relator reafirmou que a “não publicação pelo Senado de resolução que nos termos do artigo 52, X, da Constituição Federal, suspenderia a execução da Lei declarada inconstitucional pelo Supremo não teria o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia jurídica”, mantendo a liminar e julgando procedente a ação para cassar as decisões que, segundo ele, feriam julgado do Supremo. O Ministro explicou que “o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais”. “Essa solução resolve, a meu ver, de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se assim também as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado e de outro, a visão doutrinária ortodoxa e, permitamos dizer, ultrapassada do disposto no artigo 52, X”. Diante desse entendimento, à recusa do juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco (AC) em conceder o benefício da progressão de regime nos casos de crimes hediondos, que há, portanto, desrespeito à eficácia da decisão do Supremo, eu julgo procedente a Reclamação para cassar essas decisões e determinar que seja aplicada a decisão proferida pelo Supremo”. (Fonte: STF).
Pois bem. A solução agora está dada.
Estamos diante do chamado “controle difuso abstrativizado”, expressão do Professor Fredie Didier Júnior, in “Transformações do Recurso Extraordinário” - Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins.” (Teresa Wambier e Nelson Nery Jr. - Coordenadores, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 104-121 (“A decisão sobre a questão da inconstitucionalidade seria tomada em abstrato, passando a orientar o tribunal em situações semelhantes.”).
Também neste sentido, era a lição do hoje Ministro Luís Roberto Barroso: "A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção. (...) Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados ao art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!" (“O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 92).
Ainda à época da polêmica, em artigo publicado no site www.paranaonline.com.br (acessado no dia 02 de abril de 2006), Luiz Flávio Gomes, afirmou:
“O STF reconheceu a inconstitucionalidade do § 1.º, do art. 2.º, da Lei 8.072/1990 (lei dos crimes hediondos) num caso concreto. Logo, de acordo com a clássica doutrina, essa decisão não tem (ou não teria) efeito erga omnes (frente a todos), sim, somente inter partes. Mas convém sublinhar que esse assunto está ganhando uma nova dimensão dentro do STF e é bem provável que chegaremos em breve à conclusão de que, em alguns casos, do controle difuso de constitucionalidade deve também emanar eficácia erga omnes e vinculante (o fenômeno já está recebendo o nome de controle difuso abstrativizado, consoante expressão de Fredie Didier Júnior. Aliás, foi precisamente isso que ocorreu, recentemente, naquela famosa decisão do STF que decidiu sobre o número de vereadores em cada município, que foi dirimida dentro de um Recurso Extraordinário (RE 197.917-SP). Com base na decisão da Suprema Corte o TSE emitiu Resolução (Res. 21.702/2004) disciplinando a matéria, dando-lhe eficácia erga omnes. Foram interpostas duas ADIns contra essa Resolução (3.345 e 3.365). Ambas foram rejeitadas e, desse modo, o STF acabou proclamando que essa eficácia (erga omnes), extraída de uma decisão proferida em RE, estava absolutamente correta (porque, afinal, o RE deve ser visto na atualidade não só como instrumento para a tutela de interesses das partes, senão, sobretudo, como “defesa da ordem constitucional objetiva”) (Gilmar Mendes). No caso do HC 82.959 acham-se presentes todos os requisitos dessa nota “abstrativizadora” (ou generalizadora). Com efeito, a decisão foi do Pleno do referido Tribunal. De outro lado, cabe asseverar que a matéria (progressão de regime em crimes hediondos) não foi discutida só em relação ao caso concreto relacionado com o pedido do condenado, sim, o tema foi debatido e discutido olhando-se para a lei “em tese” (não se voltou unicamente para o caso concreto). Ademais, houve a preocupação de se definir a extensão dos efeitos da decisão, para disciplinar relações jurídicas pertinentes “a todos” (não exclusivamente ao caso concreto). Chama atenção, nesse sentido, justamente o quarto voto favorável à tese da inconstitucionalidade, do Ministro Gilmar Mendes, que a reconheceu, porém, com eficácia ex nunc, não ex tunc (para frente, não para trás nesse ponto inovou-se como base legal o art. 27 da Lei 9.868/1997, que é instrumento típico do controle concentrado). Afastou-se o óbice legal para a progressão de regime nos crimes hediondos, entretanto, daqui para frente. Por que eficácia só ex nunc? Porquê dessa forma qualquer pessoa que tenha sido condenada e que já tenha cumprido pena em regime integralmente fechado não conta com o direito de postular qualquer indenização contra o Estado. Vigência e validade: já não se pode confundir a vigência de uma lei com sua validade. Aquela depende unicamente do preenchimento dos requisitos formais (discussão, votação, aprovação da lei, sanção, publicação e vigência). A validade, por seu turno, está coligada a exigências substancias (ou materiais), ou seja, a lei vigente é válida quando compatível com a Constituição (quando for verticalmente compatível com o Texto Maior Ferrajoli, Canotilho etc.). No momento em que o STF, por seu órgão Pleno, julga inconstitucional uma lei, retira-lhe a validade. O texto continua formalmente vigente, até que o Senado (CF, art. 52, X) suspenda a sua “execução” (ou seja, até que o Senado elimine formalmente o texto do ordenamento jurídico), mas não vale. E se não vale não pode ser aplicado por nenhum órgão jurisdicional do país. A conclusão a que se chega, destarte, é a seguinte: apesar da inexistência de norma explícita, o julgamento de inconstitucionalidade de um texto legal, pelo STF, na prática, mesmo quando se dá num caso concreto, no que diz respeito à sua “validade”, acaba produzindo efeitos “contra todos” e possui eficácia vinculante (sobretudo frente ao Poder Judiciário). O descumprimento da decisão do STF, por qualquer órgão judiciário brasileiro, para além de retratar uma convicção ideológica conflitiva com o Estado constitucional e democrático de Direito, dará ensejo a uma dupla consequência jurídica: (a) em primeiro lugar cabe a interposição de uma Reclamação junto ao STF (contra a decisão do juiz que está violando a declaração de inconstitucionalidade mencionada). Em outras palavras, pode o prejudicado, via reclamação, bater às portas desta Corte para que se reconheça seu direito de ver seu pedido de progressão examinado concretamente pelo Judiciário; (b) em segundo lugar, não se pode de modo algum afastar a possibilidade de uma ação indenizatória contra o Estado, por estar o Juiz afetando direitos fundamentais de um condenado, na medida em que recusa acolher uma declaração de inconstitucionalidade do STF ao mesmo tempo em que continua aplicando um texto legal já reconhecido como inválido. O descumprimento intencional e “irracionalmente ideológico” da decisão do STF, já anunciado por alguns juízes, pode indiscutivelmente implicar em responsabilidade civil do Estado (porque ninguém está obrigado a se sujeitar a uma determinada forma de execução reconhecidamente inconstitucional). Sublinhe-se que STF proferiu uma decisão tecnicamente perfeita e político-criminalmente correta, porque a impossibilidade de progressão de regime nos crimes hediondos é nada mais nada menos que expressão do Direito penal do inimigo de Jakobs, que sustenta a tese de que alguns criminosos devem ser tratados não como cidadãos, sim, como inimigos. Que o autor de crime hediondo seja tratado de modo diferente e com mais rigor é razoável, mas nem ele nem ninguém pode ser tratado como inimigo. De qualquer maneira, a pergunta que todos estão formulando agora é a seguinte: é justo que, nos crimes hediondos, verdadeiramente hediondos, o condenado cumpra somente um sexto da pena para o efeito da progressão de regime? Não seria o caso de se distinguir alguns crimes, exigir um pouco mais de cumprimento efetivo da pena (um terço ou metade, conforme o crime hediondo seja ou não violento), para só depois autorizar a progressão? Com a palavra o legislador brasileiro. De qualquer modo, mesmo que ele venha a disciplinar essa matéria de forma mais rigorosa, sua nova legislação não vai poder retroagir. Isso significa, na prática, o seguinte: todos os condenados por crimes hediondos podem postular ao juízo respectivo a progressão de regime, desde que presentes dois requisitos: cumprimento de um sexto da pena e bom comportamento carcerário. Recorde-se que o exame criminológico que era necessário para o efeito da progressão já não é exigido pela lei brasileira. A exigência desse exame constitui hoje ilegalidade patente. A lei dos crimes hediondos proibia a progressão de regime de modo peremptório e geral e, formalmente, não abria nenhuma exceção. Isso era muito rigoroso e era injusto em muitos casos. A partir da decisão do Pleno do STF (HC 82.959) o juiz pode conceder a progressão do regime em alguns casos concretos. Isso significa, na prática, conferir ao juiz muito mais responsabilidade, colocando fim à figura do “juiz carimbador”, que só tinha o trabalho de dizer: “crime hediondo, regime fechado”. Finalmente e felizmente começa a agonizar esse tipo de magistrado “despachante”. No Estado constitucional e democrático de Direito só existe espaço para um tipo de juiz: o que dá a cada um o que é seu, fundamentando todas as suas decisões, tendo por base a constitucionalidade, legalidade e razoabilidade. Inclusive no âmbito criminal, estamos começando a ver o fim do juiz burocrata, guiado por “automatismos”. A decisão ora em consideração, de outro lado, não significa que o STF “abriu as portas das cadeias”, para colocar na rua milhares de criminosos hediondos etc. A lei dos crimes hediondos continua, no mais, em vigor e a análise de cada progressão caberá ao juiz. Mas é certo todo ordenamento jurídico necessita de instrumentos que permitam ao juiz fazer justiça em cada caso concreto. Isso é fruto do princípio da razoabilidade que, apesar dos retrocessos, acompanha a constante e vitoriosa evolução da humanidade.”
Para ilustrar este trabalho, também é de rigor transcrever um texto publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Ciminais – IBCrim, nº. 161, em abril de 2006, (bem) escrito por Fernanda Teixeira Zanoide de Moraes:
“Na teoria, para que se confira caráter geral, com extensão erga omnes e não mais inter partes, a decisão do Supremo Tribunal Federal deve, seguindo preceito constitucional do art. 52, X, da CF, ser comunicada ao Senado Federal para que, exercendo seu poder discricionário – que envolve juízo de oportunidade e conveniência -, "suspenda a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal". Uma grande novidade trazida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, neste importante e histórico julgamento, está em conferir, em sede de controle de constitucionalidade difuso, efeitos ex nunc (a partir da decisão de inconstitucionalidade) e extensão erga omnes, tornando uma eventual resolução do Senado Federal ato inócuo. Pois bem. O controle judicial de constitucionalidade no Brasil é misto, pois se faz pela convivência entre dois métodos distintos: o controle concentrado ou abstrato (austríaco), pelo qual o órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, poderá fazer o controle, em tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual incompatível com o ordenamento constitucional, sem a existência de um caso concreto a ser solucionado (art. 102, I, "a", CF); e, o controle difuso ou aberto (norte-americano - judicial review), que pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal na solução de um caso concreto, observando-se, quando a inconstitucionalidade for declarada por tribunal, o princípio da reserva de plenário, embutido no art. 97 da CF, pelo qual a inconstitucionalidade somente pode ser declarada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial. Quanto aos efeitos, no controle abstrato, por via de ação, a decisão do Supremo Tribunal Federal afasta do ordenamento jurídico lei ou ato normativo incompatível com a Constituição Federal e possui eficácia contra todos (erga omnes) e efeito retroativo (ex tunc), "desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade
da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela
praticados (efeitos ex tunc)".Diferentemente, no controle difuso, por via de exceção, a decisão de inconstitucionalidade é tida como questão prejudicial de mérito e, por ser imperativo lógico, abarca apenas as partes envolvidas no caso concreto (inter partes), com efeitos também retroativos (ex tunc), já que a situação jurídica ocorrida se firmou em lei ou em ato normativo declarado inconstitucional. Em regra, referida decisão em sede de controle difuso pode adquirir extensão erga omnes, somente após a expedição de uma resolução pelo Senado Federal, suspendendo, no todo ou em parte, a execução da lei tida por inconstitucional em decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal (art. 52, X, CF). Neste ponto, a latere as inovações trazidas pelo julgado no campo do Direito Penal Constitucional, o julgamento do Habeas Corpus nº 82.959
também trouxe outras duas importantes peculiaridades na seara constitucional do controle de constitucionalidade. Em primeiro, flexibilizou-se a regra dos efeitos ex tunc em controle difuso, utilizando-se em analogia o dispositivo do art. 27, criado para o controle abstrato, da Lei nº 9.868/99. Esse dispositivo permite ao Pleno, por maioria de dois terços de seus membros, "tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Esse entendimento se extrai do conteúdo do voto do ministro Gilmar Mendes, que prevendo a avalanche de ações extrapenais, caso os efeitos da decisão de inconstitucionalidade fossem dados ex tunc, ponderou que: "reiteradamente, o tribunal reconheceu a constitucionalidade da
vedação de progressão de regime nos crimes hediondos, bem como todas as possíveis repercussões que a declaração de inconstitucionalidade haveria de ter no campo civil, processual e penal, reconheço, que, ante a nova orientação que se desenha, a decisão somente poderia ser tomada com eficácia ex nunc. (...) Ressalto que esse efeito ex nunc deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações ainda suscetíveis de serem submetidas ao regime de progressão". Na esteira desse raciocínio, o Plenário da Excelsa Corte decidiu fixar um "outro momento" a partir do qual a segurança jurídica e o interesse social estariam protegidos. Consta do teor da ementa: "o tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". A nosso ver, a exegese aplicada pelo Supremo Tribunal Federal – no intuito de conferir efeitos ex nunc - e abrangendo todas as condenações que ainda envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime da progressão, resguardou a aplicação mais favorável ao apenado, que poderá dentro do seu caso concreto, pleitear o benefício, caso ainda haja pena a ser cumprida, resguardada a apreciação, pelo juiz das execuções penais, do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos para a progressão. Consoante já antevia Alberto Silva Franco: "em face desse entendimento, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal terá eficácia a partir de sua prolação, atingindo, assim, os casos em que seja possível ao condenado a progressão no regime prisional. Isto significa que o efeito da declaração permitirá aos réus de processos em andamento, por crime hediondo ou assemelhado, desfrutar do regime progressivo; ao condenado em regime integralmente fechado, obter, na fase recursal, a transformação do regime imposto na condenação para o regime progressivo e, ainda, aos condenados, na fase de execução, progredir no regime prisional". Mas não é só. Da leitura da ementa do julgado nota-se a segunda peculiaridade em sede de controle difuso, referente à extensão da decisão para além das partes. Tudo está a indicar que o Supremo Tribunal Federal conferiu à decisão declaratória, que em regra teria apenas limitação inter partes, clara projeção erga omnes, ao prever que "o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão". Como se vê, a postura unânime do Plenário, representa um nítido avanço no moderno direito constitucional e está em consonância com o princípio da economia processual, na medida em que torna desnecessário que um dos legitimados do art. 103 da CF seja compelido a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (controle abstrato), com o mesmo fundamento, para que o Supremo Tribunal Federal decida do mesmo modo, com extensão erga omnes.Essa extensão, desde logo pelo Supremo Tribunal Federal, torna despiciendo o papel do Senado Federal e absolutamente dispensável a necessidade da resolução, isto porque, sua ratio essendi, desde a Constituição de 1934, é a de conferir publicidade, atribuindo eficácia geral e suspendendo a execução da lei em face de todos, o que já foi feito pelo Plenário. Não é outro o entendimento do constitucionalista Luís Roberto Barroso: "A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC nº 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção". E conclui: "Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados ao art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!". Assim, como se nota, as inovações trazidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal vão além da observância dos princípios constitucionais da legalidade, dignidade da pessoa humana e da individualização da pena no âmbito do Direito Penal Constitucional, elas se espraiam e se irradiam para além dele, estendendo os seus efeitos em face de todos que possuem condenações suscetíveis ao regime de progressão. Na prática, isto quer dizer, que todos os condenados por crimes hediondos e assemelhados que estejam cumprindo pena ou que venham a cumpri-la terão, por essa decisão, direito imediato à progressão de regime, desde que atendam aos requisitos objetivos e subjetivos da Lei de Execução Penal, podendo, inclusive, o magistrado competente exigir perícias complementares quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem.”
Conclusão: viva “o controle difuso abstrativizado”.
Evoé Fredie Didier Jr.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Supremo Tribunal Federal e a ação direta de inconstitucionalidade: legitimidade - cabimento - competência - efeitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40476/o-supremo-tribunal-federal-e-a-acao-direta-de-inconstitucionalidade-legitimidade-cabimento-competencia-efeitos. Acesso em: 23 dez 2024.
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