RESUMO: O presente artigo fará um breve relato sobre investigação criminal, materializada através do instituto ‘inquérito policial’. Não obstante sua prescindibilidade, revela-se importante para um correto exercício do direito de punir do Estado. Será abordado o conceito do inquérito policial e suas principais características, a saber: escrito, inquisitivo, indisponível para autoridade policial, dispensável e sigiloso. O estudo mostrará que por imperativo legal o causídico terá acesso aos autos do inquérito policial, entretanto, segundo o Superior Tribunal de Justiça, essa possibilidade não será ilimitada, em corolário da natureza inquisitiva da investigação a fundamentar a “opinio delicti” do Ministério Público na persecução penal. Serão explanadas as formas de instauração, previstas no Código de Processo Penal; instruções de quem deve presidi-lo; e ainda sobre o indiciamento dos acusados. O trabalho também demonstrará que o valor probatório do inquérito policial é relativo, trará os prazos a serem observados pelas autoridades judiciárias para a sua conclusão, bem como a respeito do seu arquivamento, ato complexo de vontades, pois depende de pedido do Ministério Público e decisão do Magistrado, por intermédio da homologação.
Palavras-chaves: investigação criminal – inquérito – direito – Ministério Público.
INTRODUÇÃO
O inquérito policial é um procedimento administrativo, formado pelo conjunto de diligências encetadas e presididas pela polícia judiciária, preparatório da ação penal, com a finalidade de se apurar indícios de autoria e prova da materialidade de infrações penais com penas privativas de liberdade superiores a dois anos, tendo como destinatário imediato o Ministério Público ou o ofendido.
Esse instituto pode ser descrito como um procedimento preliminar, de cunho administrativo e investigatório. Vale ressaltar que não se trata de única modalidade de investigação preliminar. Vislumbra-se relevante para fundamentar as denúncias oferecidas pelo representante do Ministério Público, titular da ação penal pública, ou para a vítima, nas ações penais privadas; para a colheita de provas urgentes necessárias ao esclarecimento dos fatos investigados; e ainda em relação ao propósito de colher elementos para o deferimento das medidas cautelares pelo juiz.
Destaca-se entre as suas características, o fato do inquérito policial ter o caráter inquisitivo, apesar de o Brasil adotar o sistema acusatório. Nesse procedimento administrativo, as funções estão concentradas em uma única pessoa, e não há que se falar em lide, já que não existe conflito de interesses, nem partes; existindo apenas a presença do investigado ou acusado. Destarte, não serão aplicados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pelo fato da polícia exercer mera função administrativa e não jurisdicional. Contudo, por imposição legal, o advogado terá acesso aos autos do inquérito policial, mesmo que de forma limitada.
Ao longo do presente trabalho, abordaremos as formas de instauração do inquérito policial, trazidas pelo Código de Processo Penal, explicitando sobre quem deve presidi-lo; delimitação dos prazos legais; além de comentar acerca do indiciamento, instante em que o delegado sai de um juízo de possibilidade e alcança um grau de probabilidade tal que lhe permita centralizar as investigações em razão daquela pessoa acusada.
No que tange ao arquivamento, esclarece-se que é um ato que depende de pedido do Ministério Público e decisão do Magistrado, por intermédio da homologação. Outrossim, faz-se imperioso mencionar que o inquérito policial tem conteúdo informativo e valor probatório relativo, entretanto, mostra-se como um instrumento importante para a convicção do órgão da acusação na persecução penal.
1. Conceito de inquérito policial:
É o conjunto de diligências encetadas e presididas pela polícia judiciária, reunidas em procedimento administrativo sigiloso, escrito e inquisitivo, com o desiderato de se apurar indícios de autoria e prova da materialidade de infrações penais com penas privativas de liberdade superiores a dois anos, tendo como destinatário imediato o ‘Parquet’ (Ministério Público) ou o ofendido (ações penais privadas).
Código de Processo Penal (CPP)
“Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
No tocante ao Ministério Público (MP), destaca-se que "é perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da ‘opinio delicti’” (STF. HC 91661/PE – PERNAMBUCO. Min. Ellen Gracie). (INFO 538 DO STF).
Além disso, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já estabeleceu regra sobre a investigação criminal no âmbito do Ministério Público, por intermédio da Resolução nº 13: "Regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências".
2. Características do inquérito:
a) Escrito - o inquérito policial, por força do art. 9º do CPP, é escrito, portanto, a peça inaugural, interrogatórios, oitivas de testemunhas e demais atos são reduzidos em termos e juntados em um único autuado e rubricado pela autoridade policial, isto é, o Delegado de Polícia. Cabe destacar que o projeto do CPP aprovado pelo Senado Federal admite a documentação das provas por meios de gravação de áudio e vídeo (art. 29, § 1º do NCPP).
b) Inquisitivo - o fato delitivo e o suposto autor são objetos do estudo da autoridade policial, assim não há contraditório, pois é discricionariedade do Delegado de Polícia as diligências a serem adotadas, por prescrição do art. 14 do CPP, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ): “É entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que o princípio do contraditório não se aplica ao inquérito policial”. (STJ. RHC 200500306196 – (17360 SP)– 6ª T. – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – DJU 28.11.2005. p. 00336).
É oportuno ressaltar que não há necessidade da presença de causídico durante o interrogatório policial, como afirma PÂNCARO (2006, p. 37):
Tendo em vista a simetria do art. 15 do CPP com o art. 194 do mesmo Código e tendo este sido revogado exatamente em razão da obrigatoriedade de defensor no interrogatório judicial, será preciso, agora, também advogado por ocasião do interrogatório policial? Parece-nos evidente que não, malgrado isoladas posições em contrário estejam surgindo. É preciso ver a razão da norma. Porque o advogado no interrogatório judicial para o réu? Para garantir a plenitude de defesa. Ocorre que na fase policial não há ampla defesa, muito menos, contraditório, exsurgindo daí a desnecessidade da assistência por defensor nesta etapa.
Destaca-se, entretanto, que existe posição da doutrina inclinando-se pela processualização do procedimento, com a aplicação de princípios atinentes ao processo, como contraditório e ampla defesa – esta posição é minoritária e isolada.
c) Indisponibilidade pela autoridade policial - a autoridade não poderá mandar arquivar ou dispor do Inquérito Policial, devendo remeter suas conclusões ao Poder Judiciário, por força do art. 17 do CPP. Entretanto, após arquivado a autoridade poderá realizar novas investigações e diligências, se tiver notícias de provas novas, art. 18 do CPP, se não houver novas provas o Ministério Público não pode intentar a ação penal, como sumulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF): 524 – “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.
d) Dispensável - embora indisponível pela autoridade policial, o inquérito é peça prescindível ao oferecimento da ação penal, haja vista que o ‘Parquet’ poderá propor ação penal com esteio em documentos distintos do IP, por mandamento expresso dos arts. 4º, p. único, 27 e 39, § 5º do CPP, como o relatório das CPI/CPMI, relatório do COAF, das Receitas, do IBAMA, representações etc., nesse sentido o aresto:
1. A teor do disposto no art. 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e no art. 8º, II e IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode proceder a investigações, inclusive colher depoimentos, lhe sendo vedado tão-somente presidir o inquérito policial, que é prescindível para a propositura da ação penal. 2. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Ordem denegada”. (STJ. HC 43030/DF; HABEAS CORPUS n° 2005/0055235-7. Ministro Paulo Gallotti. Sexta Turma. DJ 02.10.2006 p. 315) (destacado).
É válido esclarecer que as autoridades que gozam de foro especial por prerrogativa de função não podem ser indiciadas pela autoridade policial. Por exemplo: prefeito (presidência do presidente do TJ); senador (presidência do presidente do STF). A gestão da investigação é da autoridade, mas as diligências são feitas pela polícia.
e) Oficialidade - o inquérito é peça de investigação conduzida por órgãos do Estado, não existindo a figura do Delegado Particular, mesmo em se tratando de ação penal de iniciativa privada.
f) Sigiloso - é inerente à investigação o sigilo, haja vista que a publicidade dos fatos ensejará dificuldade ou óbice na elucidação dos fatos, ‘ex vi’ do art. 20 do CPP. O Ministério Público pode acompanhar a elaboração do procedimento de investigação, sem causar qualquer suspeição do membro do Parquet, como se depreende da Súmula nº 234 do Superior Tribunal de Justiça: 234 – “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
O advogado, por força do disposto no art. 7º, inc, XIV da Lei Federal n° 8.906/94, terá acesso aos autos do inquérito, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça assevera que este acesso não será ilimitado, como corolário da natureza inquisitiva da investigação a fundamentar a ‘opinio delicti’ do Ministério Público na persecução penal, ‘verbo ad verbum’:
ADMINISTRATIVO - INVESTIGAÇÕES POLICIAIS SIGILOSAS - CF/88, ART. 5º, LX E ESTATUTO DA OAB, LEI 8.906/94. 1. O art. 20 do CPP, ao permitir sigilo nas investigações, não vulnera o Estatuto da OAB ou infringe a Constituição Federal. 2. Em nome do interesse público, podem as investigações policiais revestir-se de caráter sigiloso, quando não atingirem o direito subjetivo do investigado. 3. Somente em relação às autoridades judiciárias e ao Ministério Público é que inexiste sigilo. 4. Em sendo sigilosas as investigações, ainda não transformadas em inquérito, pode a autoridade policial recusar pedido de vista do advogado. 5. Recurso ordinário improvido”. (STJ. DJ 08.06.2007 p. 239. RMS 13465/PR; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 2001/0088591-6. Ministro Francisco Peçanha Martins) (realçado).
SIGILO. INQUÉRITO POLICIAL. CAUTELAR. VISTA. AUTOS. Não há ilegalidade no ato de o juiz negar fundamentadamente o pedido formulado pelos advogados do ora recorrente de vista dos autos do inquérito policial e do procedimento cautelar tidos por sigilosos. Esse sigilo, como demonstrado, é imprescindível para o bom desenvolvimento das investigações extrajudiciais da ação criminosa, delito de tal vulto que coloca em risco a segurança da sociedade e do Estado. Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da ampla defesa, visto tratar de inquérito policial, mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial fora da proteção do referido princípio. Quanto ao art. 7º, XV, da Lei n. 8.906/1994 (EOAB), esse não confere aos causídicos o direito absoluto de acesso aos autos, direito que é limitado pelo sigilo, conforme o art. 7º, XIII, do mesmo estatuto. Por fim, há a prevalência do interesse público sobre o privado (art. 20 do CPP)”. (RMS 17.691-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 22/2/2005. Informativo nº 0236. Período: 21 a 25 de fevereiro de 2005) (grifado).
Portanto, cabe destacar que se houver sigilo específico, leia-se, segredo de justiça, não haverá acesso pleno do causídico ao inquérito policial, pois tão somente aqueles advogados constituídos pelo investigado, como leciona FEITOZA (2009, p. 183): "Sempre que houver sigilo específico (segredo de justiça), não teria sentido que qualquer advogado pudesse ter acesso às informações. Assim, cremos que o correto é se permitir vista dos autos apenas aos advogados do indiciado, nos casos de sigilo legal (...)".
Ressalta-se que sendo negado o acesso do causídico aos autos do inquérito policial, a peça jurídica a ser manejada será o mandado de segurança criminal. Vide súmula vinculante nº 14: “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. O STJ também asseverou a possibilidade de acesso do IP por intermédio de habeas corpus profilático.
3. Instauração do Inquérito:
O Código de Processo Penal, no seu artigo 5º, traz como o inquérito policial deve ter início:
“Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1o O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
§ 2o Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
§ 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5o Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.
Antes de se discorrer sobre a instauração do inquérito policial, é importante desmistificar um termo que é empregado diariamente nos meios de comunicação, que é a “queixa” ou denúncia” na delegacia, costumeiramente utilizado pelas pessoas. Ora, a técnica forense não permite o uso indiscriminado desses termos, uma vez que se referem às peças iniciais das ações penais privadas e públicas, respectivamente. Na realidade, a autoridade policial tomará conhecimento da infração penal por intermédio da ‘notitia criminis’, termo latino que importa notícia do crime. Isso se dará de forma direta (de cognição imediata); indireta (de cognação mediata, por provocação: ‘delatio criminis’); e de cognição coercitiva.
Feita esta explanação, cabe perceber que a autoridade policial instaurará o inquérito:
a) ‘Ex officio’: significa por força do meu ofício, isto é, do meu trabalho, pois a autoridade policial quando tiver notícia (‘notitia criminis’) de infração penal de ação penal pública deverá, obrigatoriamente, instaurar o inquérito policial por intermédio de portaria (traz os fatos, os eventuais envolvidos, diligências que serão cumpridas e determina a instauração do inquérito policial). Tem-se conhecimento da infração (de cognição imediata) por atividade da própria polícia ou pela imprensa.
b) Por requisição: é corolário do art. 5º, ‘caput’ do CPP, assim, havendo requisição do Ministério Público ou Poder Judiciário deverá o Delegado instaurar o devido apuratório, contudo, Edilson Mougenot Bonfim afirma não haver subordinação hierárquica do Delegado ao Membro do Ministério Público e, por conseguinte, não há obrigatoriedade no atendimento da requisição. Trilha o mesmo caminho Guilherme Nucci, asseverando não ter a requisição a característica de ordem, além de não ser a autoridade obrigada a atender em hipóteses de ilegalidade na requisição, no entanto, Denilson Feitoza, Norberto Avena e Nestor Távora asseveram que a requisição tem caráter de determinação, portanto a autoridade policial não poderá escusar-se na instauração do inquérito, não há hierarquia, no entanto, o cumprimento decorre de imposição legal.
c) Por meio de requerimento ou representação do ofendido: haverá requerimento quando se tratar de ação penal privada e representação em caso de ação penal condicionada à representação. Ressalte-se que em caso de não atendimento por parte do Delegado poderá o ofendido manejar recurso ao superior hierárquico da autoridade policial, via de regra, o Secretário de Segurança Pública ou o Delegado Geral, por força do art. 5º, § 2º do CPP.
Uma questão debatida na doutrina é a existência de notícia anônima, apócrifa ou inqualificada do acontecimento delitivo como forma inválida de ‘notitia criminis’ indireta, entretanto importa timbrar o dever da autoridade policial instaurar o procedimento de investigação quando conhecer da prática delitiva, dessarte, não há invalidade em notícia anônima, nesse sentido é o informativo n° 226 do STJ:
Postula o trancamento do inquérito sob o argumento, em suma, de que esse derivaria de denúncia anônima, o que seria proibido pelo texto constitucional. Todavia, chegando ao conhecimento da autoridade a possibilidade de ocorrência de conduta típica, essa tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela, o que se observa no presente caso, pois tanto as investigações quanto o inquérito instaurado têm sido conduzidos sob sigilo. Não há como ser questionada a validade do procedimento ou das provas ali apuradas”. (Informativo STJ nº 0226. Período: 25 a 29 de outubro de 2004. HC 38.093-AM, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 26/10/2004) (sublinhado).
1- Para determinação da quebra de sigilo telefônico, há exigências de que existam indícios de autoria, não havendo, por outro lado, impedimento de que o inquérito policial tenha se iniciado após denúncias anônimas. 2- Writ denegado. (STJ – HC 97.212 – (2007/0303476-6) – Relª Min. Conv. Jane Silva – DJe 30.06.2008 – p. 1171) (destacado).
De igual sorte, o STF admite a notícia anônima quando aliada a outros elementos, notar:
Constitucional e Processual Penal. Habeas Corpus. Possibilidade de denúncia anônima, desde que acompanhada de demais elementos colhidos a partir dela. (STF. HC 98345 / RJ - RIO DE JANEIRO. Min. Marco Aurélio. Julgamento: 16/06/2010).
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ações penais movidas contra a paciente, sob a alegação de que estas supostamente decorreriam de investigação deflagrada por meio de denúncia anônima, em ofensa ao art. 5º, IV, da CF. Ademais, sustentava-se ilegalidade na interceptação telefônica realizada no mesmo procedimento investigatório. Reputou-se não haver vício na ação penal iniciada por meio de denúncia anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguação dos fatos nela noticiados, o que ocorrido na espécie. Considerou-se, ainda, que a interceptação telefônica, deferida pelo juízo de 1º grau, ante a existência de indícios razoáveis de autoria e demonstração de imprescindibilidade, não teria violado qualquer dispositivo legal. Concluiu-se que tanto as ações penais quanto a interceptação decorreriam de investigações levadas a efeito pela autoridade policial, e não meramente da denúncia anônima, razão pela qual não haveria qualquer nulidade. HC 99490/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.2010. (HC-99490) (Informativo n° 610 do STF, nov de 2010).
d) Em razão de flagrante: havendo a condução do suposto autor da infração penal e convencido o Delegado da autoria e materialidade delitiva criminosa deverá iniciar o inquérito com o necessário auto de prisão em flagrante.
É importante verberar que a adoção de medidas pela autoridade policial dependerá da espécie de crime e ação penal, como explicitado no quadro abaixo:
|
Ação Pública Incondicionada |
Ação Pública Condicionada |
Ação Privada |
De ofício pelo Delegado (portaria) |
Sim |
Não |
Não |
Pedido do ofendido (portaria) |
Sim |
Sim (representação) |
Sim (requerimento) |
Requisição do MP/PJ (portaria) |
Sim |
Sim, desde que acompanhada da representação |
Sim, desde que acompanhada de requerimento |
Em razão de flagrante |
Sim |
Sim, desde que o auto seja ratificado pelo ofendido |
Sim, desde que o auto seja ratificado pelo ofendido |
4. Presidência do inquérito:
Via de regra, o inquérito é presidido pelo Delegado de carreira com atribuição na circunscrição policial (delimitação territorial da atuação do delegado) onde fora praticado o delito, todavia, há exceções à regra geral, principalmente quando houver investigado com foro especial em corolário da função.
Os critérios de atribuição para a investigação são dois: territorial e relativos à matéria. É válido dizer que a lei 10.446/02 permite que a polícia federal investigue crimes de alçada da polícia civil quando há repercussão interestadual ou internacional e seja necessária a repressão uniforme, sem prejuízo das diligências da polícia estadual.
É importante afirmar que quando o investigado se tratar de Magistrado ou membro do Ministério Público, a investigação caberá ao Presidente do Tribunal e ao Procurador-Geral de Justiça/República, consoante dispositivo das respectivas leis orgânicas. Além disso, no caso do crime ocorrer no Congresso Nacional o poder de polícia será da Câmara ou do Senado, nos termo da Súmula nº 397 do STF, ver: “O poder de polícia da câmara dos deputados e do senado federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.
5. Indiciamento:
Não existe na lei o conceito do que seja o indiciamento. É necessário o silogismo (partir de premissas formais) para se conceituar o indiciamento. Indiciar é reconhecer que as diligências investigativas irão se restringir a uma gama de pessoas, pois provavelmente aquelas pessoas são suspeitas de serem autores da infração.
No indiciamento, o delegado sai de um juízo de possibilidade e alcança um grau de probabilidade tal que lhe permita centralizar as investigações em razão daquela pessoa. O preso provisório é obrigatoriamente indiciado.
Para FEITOZA (2009, p. 173), a “imputação formal da prática de infração penal a alguém no inquérito policial”, é mera formalidade e não caracteriza constrangimento ilegal consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “O mero indiciamento em inquérito não caracteriza constrangimento ilegal reparável via habeas corpus”. (STJ – RHC 200600042060 – (18841 PR) – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 11.09.2006 – p. 313)”.
Demais disso, deve preceder a denúncia: “É pacífico nesta corte o entendimento de que não se justifica o indiciamento policial daquele contra quem o ministério público já ofereceu denúncia”. (STJ – HC 200401412959 – (38732 SP) – 6ª T. – Rel. Min. Paulo Gallotti – DJU 05.12.2005 – p. 00381)”.
Já o desindiciamento é a retratação do indiciamento por parte do delegado de policia, bem como por intermédio de habeas corpus que tranca a ação penal (habeas corpus trancativo).
6. Valor probatório do inquérito policial:
O inquérito policial tem valor probatório relativo, pois as provas produzidas durante a investigação policial devem ser, via de regra, repetidas durante a instrução processual, salvo as provas irrepetíveis, v. g., as provas periciais, uma vez que realizadas durante a etapa investigativa não são renovadas em juízo.
Assim, todos os testemunhos e interrogatórios realizados durante a tramitação do inquérito policial devem ser renovados. A razão de ser é simples e tem sede constitucional, pois, como mencionado, no inquérito não há contraditório e é regido pelo sistema inquisitivo quando somente se produz prova em desfavor do investigado, portanto quando ajuizada a ação penal haverá, por conseguinte, necessidade de confecção das provas sob a égide do princípio do contraditório.
Desse modo, conclui-se pelo caráter relativo da prova coligida na investigação policial, não sendo substrato suficiente a dar esteio à procedência da ação penal, como já pontificado pela jurisprudência, perceber:
O inquérito policial tem conteúdo informativo e seu valor probatório é relativo, tendo em vista que as informações colhidas nesta fase não são realizadas sob a égide do contraditório e da ampla defesa”. (TJPR. Apr 0308528-1. 3ª C.Crim. – Rel. Des. Robson Marques Cury. J. 09.03.2006).
Frise-se, ainda, que as nulidades cometidas na investigação policial não contaminam a ação penal, ‘verbis’:
Agravo regimental no recurso extraordinário. penal. alegação de contrariedade ao art. 5°, inc. XXXV, LIV e LV, da Constituição da República. Impossibilidade de análise da legislação infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta. Eventuais vícios ocorridos no inquérito policial: não contaminação da ação penal. precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF. RE 626600 AgR / ES - ESPÍRITO SANTO. Julgamento: 09/11/2010).
Os vícios existentes no inquérito policial não repercutem na ação penal, que tem instrução probatória própria”. (STF – RHC 85286 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJU 24.03.2006 – p. 55).
Calha timbrar a modificação do art. 155 do CPP, trazida pela Lei n° 11.690/08, ‘verbis’:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (realçado).
Destarte, a inovação legal adequou à realidade constitucional o CPP, pois a doutrina já aludia à impossibilidade de ancorar a decisão judicial tão-somente no inquérito policial.
Entre as exceções do inquérito policial ser usado como único lastro da sentença condenatória, tem-se:
a) Provas cautelares (aquelas fundamentadas na necessidade e urgência), por exemplo: a interceptação telefônica "contraditório diferido", seqüestro de bens, etc.);
b) Provas irrepetíveis (provas de fácil deterioração, por exemplo: vestígios deixados pela infração, perícia no cadáver, no automóvel, etc.);
c) Produção antecipada de prova (instauração do incidente de produção antecipada de prova, por exemplo: para ouvir testemunha que viajará ou que está doente).
7. Incomunicabilidade:
O Código de Processo Penal, no artigo 21, trata da incomunicabilidade do indiciado, todavia esta regra não fora recepcionada pela ordem constitucional vigente, pois o indiciado tem plena possibilidade de se comunicar com sua família e causídico. Nem mesmo no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) haverá incomunicabilidade do preso, pois este tem contato com familiares e advogados.
Ademais, é imperioso timbrar que a Lei Federal nº 12.403/2011 modificou o art. 306 da Lei de Ritos Penais estatuindo a imperiosa comunicação à família do preso em flagrante, bem como ao Ministério Público e à Defensoria Pública, caso não possua advogado, verbis:
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
8. Encerramento e prazo (art. 10):
O inquérito deve findar com a confecção de relatório conclusivo por parte da autoridade que o preside, sendo peça importante para a formação da ‘opinio delicti’ do membro do Ministério Público, ‘ex vi’ do art. 10, § 1° do CPP.
O relatório é peça escrita que vai funcionar como uma verdadeira prestação de contas, cabendo ao delegado sintetizar as principais diligências realizadas e justificar as que não foram feitas por algum motivo relevante.
O inquérito policial tem prazo para seu término e remessa ao Poder Judiciário. O prazo geral do CPP é de 30 e 10 dias, para investigados soltos e presos, respectivamente. Contudo, como no Direito sempre há exceção, existem leis com prazo especiais como se nota do quadro abaixo:
Prazo |
Preso |
Solto |
CPP |
10 dias (improrrogáveis) |
30 dias (renováveis) |
Tóxicos (Lei 11.343/06) |
30 dias (+30) |
90 dias (+90) |
Justiça Federal |
15 dias (prorrogáveis por mais 15) |
30 dias |
Crimes contra economia popular (Lei 1.521/51) |
10 dias |
9. Arquivamento:
Segundo magistério de Paulo Rangel, o inquérito deverá ser arquivado quando: "o fato não constitui crime; ou já está extinta a punibilidade; ou, ainda, ausente uma condição exigida por lei para o regular exercício do direito de agir". O arquivamento é um ato complexo de vontades, pois depende de pedido do Ministério Público e decisão do Magistrado, por intermédio da homologação.
Cai a lanço destacar que Denilson Feitosa traz rol mais amplo para o arquivamento do inquérito policial, fazendo um cotejo dos arts. 395 e 397 da Lei Adjetiva, nesse norte, é bom trazer à baila os casos de arquivamento mencionados em sua obra:
a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato (art. 397, I do CPP e subsidiariamente, art. 78, b do CPPM c/c art. 3° do CPP, equivalente ao revogado art. 43, I, CPP). Por exemplo, a investigação criminal demonstrou, cabalmente, que o fato ocorreu em legítima defesa;
b) a existência manifesta de causa excludente de culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade (art. 397, II, CP). Por exemplo, a investigação criminal demonstrou plenamente que o fato ocorreu por coação moral irresistível;
c) o fato narrado evidentemente não constituir crime (art. 397, III do CPP);
d) estar extinta a punibilidade do agente (art. 397, IV, do CPP);
e) ilegitimidade ad causam (art. 395, II, 2ª parte, do CPP);
f) faltar justa causa, ou seja, elementos probatórios mínimos que permitam sustentar o exercício da ação penal (art. 395, III do CPP);
g) faltar condição de procedibilidade;
h) houver impedimento processual que afete a investigação criminal (litispendência ou coisa julgada, por exemplo).
A doutrina costuma falar em arquivamento direto, indireto e implícito.
O arquivamento direto é aquele em que o Ministério Público requer diretamente ao Poder Judiciário a promoção de arquivamento, que é submetida à homologação judicial consoante a fundamentação trazida na manifestação do Parquet. É oportuno ver que o Juiz poderá discordar do pedido de arquivamento do MP e remeter o feito ao Procurador Geral de Justiça, segundo disposição expressa do art. 28 do CPP, ver:
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
O Procurador Geral de Justiça (PGJ), por seu turno, poderá concordar com o membro do Ministério Público de primeiro grau e devolver os autos ao juiz que não poderá fazer outra coisa a não ser arquivar o inquérito ou designar novo membro para o oferecimento da denúncia que atuará como ‘longa manus’ do PGJ, isto é, autuará em nome daquele, como decorrência da garantia da independência funcional, esculpida no art. 127, § 1º da Constituição Federal.
De igual sorte, no âmbito dos juizados especiais, caso o membro do ‘Parquet’ se recuse a propor a suspensão condicional do processo, aplicar-se-á o art. 28 supracitado por analogia, como assevera a Súmula n° 696 do STF: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
O arquivamento indireto ocorre quando a matéria tratada em sede de inquérito policial não corresponda às atribuições do Ministério Público correspondente, por exemplo, instaura-se um procedimento investigativo na polícia civil e é remetido ao Promotor que conclui que se trata de desvio de verba federal sujeita ao controle de ente da administração pública federal, portanto atribuição do Parquet Federal, assim, o Promotor promove o arquivamento indireto das peças asseverando não ter atribuição para manejar aquela ação penal pugnando pela remessa ao Procurador da República.
Em síntese, haverá arquivamento indireto quando não houver atribuição do membro do Ministério Público para oferecer a peça vestibular acusatória, como já lecionou Eugênio PACELLI apud OLIVEIRA (2004, p. 41), verbis:
“Em tais circunstâncias, ele deverá recusar atribuição para o juízo de valoração jurídico-penal do fato, requerendo ao juiz seja declinada a competência para a Justiça Estadual, com posterior remessa dos autos a este Juízo, para encaminhamento ao respectivo Ministério Público estadual”.
O arquivamento implícito é construção doutrinária rechaçada pela jurisprudência e, sumariamente, existe quando o Ministério Público oferece denúncia em relação a apenas um ou alguns dos indiciados no inquérito policial e silencia-se quanto aos demais indiciados ou resta inerte com relação a algumas condutas típicas.
Ora, é sabido que antes da sentença final, o órgão de defesa da sociedade (Ministério Público) poderá aditar a exordial como prescreve o art. 569 do CPP, ‘verbatim’: “As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final”. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça não aceita este tipo de arquivamento, pois o Parquet poderá, a qualquer tempo, realizar o aditamento da peça de acusação, perceber:
Improcede a alegação de arquivamento implícito do inquérito em relação ao paciente, visto que o artigo 569 do Código de Processo Penal admite o aditamento da denúncia para suprir, antes da sentença, suas omissões, de modo, por certo, a tornar efetivos os princípios da obrigatoriedade da ação penal pública e da busca da verdade real”. (STJ. HC 46409/DF; HABEAS CORPUS. 2005/0126341-2. Ministro PAULO GALLOTTI. DJ 27.11.2006 p. 320).
Entretanto, o mesmo tribunal afastou a possibilidade de ação privada subsidiária da pública em caso de “arquivamento implícito”, ver:
“Evidenciada a ocorrência de arquivamento implícito – eis que o Ministério Público não teria promovido a denúncia contra os pacientes por entender que não havia prova da prática de delito pelos mesmos – impede-se a propositura de ação penal privada subsidiária da pública”. (STJ. HC 21074/RJ; HABEAS CORPUS 2002/0025422-7. Ministro GILSON DIPP. DJ 23.06.2003 p. 396. RSTJ vol. 175 p. 473).
Observações importantes relativos ao desarquivamento e coisa julgada:
a) O inquérito pode ser desarquivado a qualquer tempo, caso haja notícia de prova nova, isto é, não é necessária a existência de prova nova, mas apenas a notícia, todavia para o oferecimento da ação penal será necessária a prova nova.
b) A prova há de ser substancialmente nova, ou seja, com novo conteúdo e não apenas formalmente nova (novo testemunho com mesmo conteúdo).
c) Denilson Feitoza entende que cabe ao Ministério Público o pedido do desarquivamento e, segundo o STF este pedido é irretratável.( INQ 2054).
d) O arquivamento em regra não faz coisa julgada material, como mencionado no art. 18 do CPP e Súmula nº 524 do STF, no entanto caso se trate de arquivamento por atipicidade e extinção da punibilidade não haverá possibilidade de promover ação penal.
e) O STF entende que haverá coisa julgada material em caso de arquivamento por atipicidade e extinção da punibilidade.
f) No caso de arquivamento por excludente de ilicitude, a jurisprudência do STF ainda vacila, pois há julgados em dois caminhos distintos, o primeiro pela coisa julgada formal e outro pela coisa julgada material, notar:
INFORMATIVO N° 597: Enfatizou não vislumbrar diferença ontológica entre a decisão que arquiva o inquérito, quando comprovada a atipicidade do fato, e aquela que o faz, quando reconhecida a legalidade e licitude desse, porquanto ambas estariam fundadas na inexistência de crime e não na mera ausência ou insuficiência de provas para oferecimento de denúncia. Registrou orientação da Corte no sentido de que, arquivado o inquérito policial com base na inexistência do crime, produzir-se-ia coisa julgada material. Aduziu, destarte, que, tal como não seria admissível o desarquivamento do inquérito policial pelo surgimento de provas novas que revelassem a tipicidade de fato anteriormente considerado atípico pelas provas existentes, também seria inviável o desarquivamento na hipótese de fato julgado lícito com apoio em provas sobejamente colhidas. Asseverou que, na situação dos autos, o Ministério Público, diante do acervo probatório apurado, concluíra que o fato investigado não seria criminoso e, em conseqüência, deixara de oferecer denúncia e requerera o acolhimento das mencionadas excludentes de ilicitude, o que fora acatado pelo juízo de origem. Assim, o arquivamento não decorrera de mero encerramento de investigações improfícuas, mas sim de um pronunciamento de mérito, anterior ao oferecimento da denúncia e que corresponderia à absolvição sumária. Após o voto do Min. Cezar Peluso, Presidente, que seguia a divergência, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto. Por fim, o Tribunal determinou a suspensão do processo penal, até conclusão deste julgamento. HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2010. (HC-87395)
INFORMATIVO N° 538: A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual pleiteado o trancamento de ação penal instaurada a partir do desarquivamento de inquérito policial, em que reconhecida excludente de ilicitude. No caso, o citado inquérito apurava homicídio imputado ao paciente, delegado de polícia, e a outros policiais, sendo arquivado a pedido do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, que reputara configurado o estrito cumprimento do dever legal. Passados dez anos da decisão judicial, fora instalado, pelo parquet, o Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado - GRCO naquela unidade federativa — que dera origem, posteriormente, a Comissões Parlamentares de Inquérito em âmbito estadual e nacional —, cujos trabalhos indicariam que o paciente e os demais policiais não teriam agido em estrito cumprimento do dever legal, mas sim supostamente executado a vítima (“queima de arquivo”). A partir disso, novas oitivas das mesmas testemunhas arroladas no inquérito arquivado foram realizadas e o órgão ministerial, concluindo pela caracterização de prova substancialmente nova, desarquivara aquele procedimento, o que fora deferido pelo juízo de origem e ensejara o oferecimento de denúncia. A impetração alegava que o arquivamento estaria acobertado pelo manto da coisa julgada formal e material, já que reconhecida a inexistência de crime, incidindo o Enunciado 524 da Súmula do STF (Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.). HC 95211/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.3.2009. (HC-95211) (...) Aduziu-se que a jurisprudência da Corte seria farta quanto ao caráter impeditivo de desarquivamento de inquérito policial nas hipóteses de reconhecimento de atipicidade, mas não propriamente de excludente de ilicitude. Citando o que disposto no aludido Verbete 524 da Súmula, enfatizou-se que o tempo todo fora afirmado, desde o Ministério Público capixaba até o STJ, que houvera novas provas decorrentes das apurações. Ademais, observou-se que essas novas condições não afastaram o fato típico, o qual não fora negado em momento algum, e sim a ilicitude que inicialmente levara a esse pedido de arquivamento. Vencidos os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio que deferiam o habeas corpus por considerar que, na espécie, ter-se-ia coisa julgada material, sendo impossível reabrir-se o inquérito independentemente de outras circunstâncias. O Min. Marco Aurélio acrescentou que nosso sistema convive com os institutos da justiça e da segurança jurídica e que, na presente situação, este não seria observado se reaberto o inquérito, a partir de preceito que encerra exceção (CPP, art. 18). HC 95211/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.3.2009. (HC-95211)
CONCLUSÃO
A investigação criminal é atividade antecipada, materializada através do inquérito policial. Este é um procedimento cautelar, de natureza administrativa, sigiloso, escrito e inquisitivo, e tem a finalidade de apurar indícios de autoria e prova da materialidade de infrações penais com penas privativas de liberdade superiores a dois anos, tendo como destinatário imediato o órgão acusador.
Destacou-se que o advogado, por imposição legal, trazida no art. 7º, inciso XIV da Lei Federal n° 8.906/94, terá acesso aos autos do inquérito, contudo, o Superior Tribunal de Justiça assevera que este acesso não será ilimitado, como corolário da natureza inquisitiva da investigação a fundamentar a ‘opinio delicti’ do Ministério Público na persecução penal.
É importante mencionar a súmula vinculante n° 14 do Supremo Tribunal Federal, que disciplina ser direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária.
Analisou-se que o inquérito policial deve findar com a confecção de relatório conclusivo por parte da autoridade que o preside. No tocante ao seu arquivamento, demonstrou-se que é um ato complexo de vontades, pois depende de pedido do Ministério Público e decisão do Magistrado, por intermédio da homologação.
Observou-se que o inquérito policial é um procedimento com valor probatório relativo, pois é prescindível ao oferecimento da ação penal, haja vista que o ‘Parquet’ poderá propor ação penal com esteio em outros documentos, entretanto, revela-se como importante instrumento para a convicção do órgão acusador para a persecução penal, e serve de fundamento para a grande maioria das denúncias oferecidas pelo Ministério Público.
REFERÊNCIAS
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FEITOZA, Denilson. Direito processual penal, teoria crítica e práxis. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal. São Paulo: Método, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 3ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
PÂNCARO AVENA, Norberto Cláudio. Processo penal, série cursos e concursos. 2ª edição. São Paulo: Método, 2006.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar A. R. C. de. Curso de direito processual penal. 2ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2008.
Advogada. Administradora. Especialização em Gestão Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas e Direito Material e Processual do Trabalho, pela Escola Superior da Magistratura do Trabalho.<br><br> <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONDIM, Cassandra Costa. Investigação criminal: inquérito policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40505/investigacao-criminal-inquerito-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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