Resumo: No presente estudo, abordar-se-á o instituto da ação declaratória incidental, cuja introdução no ordenamento processual brasileiro ocorreu com o advento do Código de Processo Civil de 1973. Além da análise de seus pressupostos, pretende-se indicar o recurso adequado a ser manejado em face da decisão que rejeita a propositura de tal ação.
Palavras-chave: Ação declaratória incidental. Questão prejudicial. Mérito. Recurso.
Considerações iniciais.
O instituto da ação declaratória incidental foi introduzido em nosso ordenamento pelo Código de Processo Civil de 1973, estando previsto no artigo 325, que assim preceitua:
Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5o).
Segundo Ovídio Baptista da Silva, a ação declaratória estaria amparada em dois princípios fundamentais do processo civil brasileiro, o princípio da estabilidade da instância e o princípio da limitação da coisa julgada à parte dispositiva da sentença. Observe-se o escólio do eminente professor:
Ação declaratória incidental, introduzida em nosso sistema pelo Código de 1973, tem fundamento em dois princípios vetores do processo civil, amplamente aceitos pela lei processual brasileira: o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual são proibidas quaisquer modificações do pedido ou da causa de pedir a partir da citação do ré (art. 264), assim como não será lícito ao autor formular novos pedidos que poderiam ter sido cumulados na inicial, e não o foram (art. 294); e o princípio da limitação da coisa julgada apenas à parte dispositiva da sentença (art. 469 do CPC).[1]
Embora o artigo 325 do CPC disponha que cabe ao autor promover a ação incidente, também admite-se que o réu a promova, conforme entendimento doutrinário, sendo exemplo disso o posicionamento de Ovídio Baptista da Silva[2] e Luiz Guilherme Marinoni[3]. Quanto ao réu, verifica-se que este pode propor a ação declaratória no prazo para contestação, enquanto ao autor caberia propô-la no prazo de dez dias após a intimação acerca da contestação, consoante dispõe o artigo 325 do CPC. Cabe fazer a ressalva, contudo, no sentido de que a ação declaratória incidental pode ser proposta após os prazos supra referidos, quando a questão prejudicial restar evidenciada posteriormente a tais momentos, desde que seja antes da sentença. Nesse sentido é o entendimento de Marinoni[4], que utiliza por fundamentação o artigo 303 do CPC, o qual permite ao réu deduzir novas alegações após o prazo para contestação. Da mesma forma, se o réu deduzir mera defesa após o prazo para contestação, pode surgir ao autor interesse em propor a ação declaratória incidental.
1. Ação declaratória incidental: pressupostos
Dessas breves considerações já se pode perceber que a ação declaratória incidental visa alargar o conteúdo decisório da sentença, para que conste, no dispositivo desta, questão prejudicial que normalmente serviria como mero fundamento da decisão a quo (e desse modo não haveria tecnicamente coisa julgada sobre esta questão prejudicial).
Nesse sentido, vale trazer à colação o escólio de Luiz Guilherme Marinoni, que assim preleciona:
Precisamente esta é a função da ação declaratória incidental: provocar o juiz a “decidir” (e não apenas analisar como fundamento) tema que seria normalmente – em função da estrutura conferida à ação pelo autor na petição inicial – examinado tão-somente de maneira incidental (como fundamento da sentença) no pronunciamento judicial (e sobre o qual não recairia o selo da imutabilidade da coisa julgada).[5]
Nesse ponto, vale salientar que a propositura da ação declaratória incidental tem o condão de aumentar o judicium do juiz naquela relação processual, embora não lhe tenha aumentado a cognitio.
Portanto, do que foi explanado, extrai-se que condição necessária à ação declaratória incidental é a existência de uma questão prejudicial. Também denominada de relação jurídica incidental, a questão prejudicial constitui “antecedente lógico para exame do mérito da pretensão inicialmente deduzida”[6]. Frise-se que o escopo da propositura da ação incidental é tornar a questão incidente objeto da imutabilidade derivada do instituto da coisa julgada.
Além disso, são requisitos à ação declaratória incidental as condições da ação (legitimidade das partes, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido). Quanto à legitimidade, tem-se que apenas as partes envolvidas na demanda principal podem propô-la e respondê-la. Quanto à possibilidade jurídica do pedido, observa-se que a função de tal instituto é a declaração de uma relação jurídica, não se admitindo pedido condenatório, por exemplo. No que concerne ao interesse de agir, é interessante anotar que somente poderá haver a ação incidente, caso o resultado postulado não puder ser atingido por meio da demanda principal.[7]
Ainda, a necessidade de que a questão incidente surja em momento anterior à prolação da sentença constitui requisito da ação incidental, além do fato de que o juiz da ação principal seja competente também ao julgamento da ação incidental, bem como que o procedimento adotado admita a propositura de tal ação.
Considerando-se que se trata de uma nova ação, esta deve ser veiculada por meio de uma petição inicial, que, por sua vez, deve observar aos preceitos dos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil. Admitida a ação declaratória incidental o réu desta ação deverá ser intimado para respondê-la. Nesse sentido, veja-se o escólio de Luiz Guilherme Marinoni:
[...] Efetuado o exame preambular da petição, e diante de juízo de admissibilidade positivo desta, deverá o “réu” dessa ação incidental ser citado para respondê-la. Ao contrário do que poderia sugerir a idéia de isonomia (que asseguraria ao réu da ação incidental prazo idêntico ao que o autor tem para sua propositura), terá o demandado prazo de quinze dias para responder à demanda incidente (art. 321, parte final, do CPC).[8]
Aspecto relevante acerca do instituto da ação declaratória incidental é o momento de seu julgamento. Cabe referir que a doutrina admite que o seu julgamento seja realizado antes da apreciação do pedido veiculado na ação principal, o que ensejaria na existência de duas decisões. Nesse norte é o entendimento de Ovídio Baptista da Silva, amparado nas lições de Barbosa Moreira, observe-se: “ao contrário do que ocorre com a reconvenção, a demanda declaratória incidental poderá ser decidida antes da demanda principal, através de uma sentença incidente (art. 325), como mostra Barbosa Moreira (O novo processo civil brasileiro, p. 146).[9]
Nesse ponto, merece ser frisado que a ação declaratória incidente deve ser julgada antes da demanda principal, pois como já referido, a ação declaratória trata de questão prejudicial à ação principal. Assim, se esta ação já estiver madura ao julgamento, mas a questão incidente ainda não, o juízo deverá aguardar para decidir as duas questões (principal e incidente) no mesmo momento (uma sentença apenas), sendo que a questão incidental deve ser julgada primeiramente.[10]
Destarte, caso haja apenas uma decisão, que encerra a prestação jurisdicional do juízo de primeira instância, julgando tanto a demanda principal quanto a incidental, haverá tecnicamente sentença, que é desafiada por meio do recurso de apelação. Caso a ação declaratória incidental seja julgada antes da demanda principal, tratar-se-á de decisão interlocutória, a qual é impugnada por meio do recurso de agravo. No mesmo sentido, verifique-se o escólio de Luiz Guilherme Marinoni:
Tendo sido apreciada a ação declaratória incidental ao mesmo tempo em que se analisa o pedido inicial, o ato judicial é indiscutivelmente sentença, comportando apelação. Ao contrário, se o exame da ação declaratória incidental se deu antes da análise do pedido inicial, permanece este ato judicial sendo caracterizado como decisão interlocutória – a despeito do que possa aparentar a interpretação literal do art. 162, c/c o art. 269, do CPC, em sua nova redação – admitindo recurso por meio de agravo.[11]
Em decorrência de tal entendimento, considero que o recurso cabível em face da decisão que rejeita liminarmente a ação declaratória incidental é o agravo de instrumento, isso porque tal decisão não se trata de sentença, mesmo que após o advento da Lei 11.232/2005, mas sim de decisão interlocutória, a qual deve ser impugnada por meio de agravo.
Seguindo a lição de Luiz Guilherme Marinoni, podemos afirmar que, a partir do advento da Lei 11.232/2005, existem decisões que apreciam o mérito, mas que não constituem sentenças, tratando-se de decisões interlocutórias, uma vez que não extinguem o processo. Assim, as decisões que apreciam as questões incidentais ao feito não podem ser qualificadas como sentença, razão pela qual a impugnação de tas decisões deve se dar por meio do recurso de agravo. Cabe trazer à colação breve excerto do ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni, que assim refere:
[...] a sistemática recursal do Código de Processo Civil permanece inalterada, cabendo apelação apenas dos atos que possam importar extinção do processo, acrescidos das sentenças condenatórias, mandamentais e executivas que encerram a fase de conhecimento. Quanto aos atos que apreciam o mérito no interior da fase de conhecimento e de execução. Continuam a ser caracterizados como decisões interlocutórias, desafiando recurso de agravo.[12]
Conclusão:
Destarte, sendo o ato que rejeita liminarmente a ação incidental uma decisão declaratória que não extingue o processo, resta evidenciado que tal ato se trata de uma decisão interlocutória, que é desafiada por meio do recurso de agravo.
Referências Bibliográficas
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[1] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 282-283.
[2] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 283.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 154.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 159.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 154.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 158.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 157.
[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 159.
[9] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 286-287.
[10] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 159.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 160.
[12] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 529.
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. Ação declaratória incidental e o recurso em face de sua rejeição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40525/acao-declaratoria-incidental-e-o-recurso-em-face-de-sua-rejeicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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