Resumo: O presente artigo aborda as diversas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica.
Palavras chave – desconsideração da personalidade jurídica, despersonificação, teoria maior da desconsideração, teoria menor da desconsideração, desconsideração inversa, desconsideração indireta, desconsideração expansiva, desconsideração pela Administração Pública.
SUMÁRIO – 1. Introdução; 2. Modalidades de desconsideração da personalidade jurídica; 3. Conclusões; 4. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A desconsideração da personalidade jurídica corresponde ao instrumento jurídico pelo qual o juiz ou a Administração Pública declara de forma pontual, a ineficácia da personificação societária ou da pessoa jurídica, descartando o princípio da autonomia patrimonial, para atribuir a responsabilidade de certos atos ao sócio, administrador ou demais membros, com o propósito de coibir o uso abusivo, fraudulento ou desvirtuado da personalidade jurídica.
Pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não se invalida ou desfaz o ato constitutivo da pessoa jurídica, apenas se afastam os efeitos da separação patrimonial e da limitação da responsabilidade.
Por conseguinte, não se deve confundir a desconsideração com a despersonificação. Enquanto aquela traduz a ineficácia do ato realizado pela pessoa jurídica para ser imputada a responsabilidade ao sócio, esta traz como consequência a extinção da pessoa jurídica por ausência original ou superveniente das suas condições de existência ou validade[1].
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem na jurisprudência inglesa e norte-americana, mais precisamente nos precedentes State vs. Standard Oil Co., julgado pela Suprema Corte do Estado de Ohio nos EUA em 1892 e Salomon vs. Salomon & Co., julgado pela Câmara de Londres no ano de 1897 na Inglaterra[2].
No Brasil, o precursor na abordagem dessa teoria foi o jurista e professor Rubens Requião, em conferência realizada na Faculdade do Paraná, apresentando em ulterior artigo intitulado “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, considerações a respeito do tema[3].
Contudo a positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro somente ocorreu em 1990 com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, artigo 28). Posteriormente diversos artigos trataram da matéria, a exemplo do artigo 18 da Lei 8.884/94 (Lei Antitruste), do artigo 4º da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), do artigo 27 da Lei nº 9.615/98 (Lei sobre o Desporto) e o artigo 50 do Código Civil vigente.
Nesse contexto, segundo o enunciado nº 51 do CJF, “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema”.
A despeito da expressa introdução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica pelo CDC, diversos diplomas legais anteriores trataram de exceções ao princípio da autonomia patrimonial mediante a responsabilização direta da figura de sócio ou administrador pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica, destacando-se dentre eles, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no artigo 2º, § 2º, o artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), os artigos 115, 116 e 177 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), o artigo 34 da Lei nº 4.595/64 (Lei do Sistema Financeiro Nacional), bem como dispositivos da Lei nº 4.137/62 (Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico), da Lei nº 4.729/65 (Lei de Sonegação Fiscal), o artigo 10 do Decreto nº 3.708/19 (Regulava as Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada) e o Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura), os quatro últimos textos já revogados[4].
2. Modalidades de desconsideração da personalidade jurídica
Inicialmente surgiram duas teorias acerca da desconsideração da personalidade jurídica: a teoria maior e a teoria menor[5].
A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é aplicável em caso de simples insolvência da pessoa jurídica, não se indagando acerca do eventual desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O fundamento para sua incidência reside no fato de que o risco pelo exercício da atividade deve ser suportado pelos sócios ou administradores e não transferido a terceiros.
A teoria menor foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor no art. 28, § 5º e pela Lei dos Crimes Ambientais no art. 4º.
Para a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, além da comprovação da insolvência, são exigidos mais dois requisitos: o desvio de finalidade ou a demonstração de confusão patrimonial.
Quando se exige a demonstração do desvio de finalidade manifestado pela fraude a terceiros mediante o uso abusivo da personalidade jurídica, aplicável a teoria maior subjetiva. Por outro lado, havendo demonstração inequívoca da confusão patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos seus sócios, faz incidir a teoria maior objetiva.
A teoria maior da desconsideração foi acolhida no Código Civil em seu art. 50.
A desconsideração inversa ocorre nos casos em que a pessoa jurídica é chamada a responder pelas obrigações pessoais contraídas pelo sócio ou administrador. É assim denominada, porque se dá ao reverso da desconsideração tradicional, na qual os bens da pessoa física são chamados a responder pelas obrigações da pessoa jurídica.
Nesse sentido, estabelece o enunciado 283 do CJF “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
A chamada desconsideração indireta ocorre nos casos de sociedades controladoras, controladas e coligadas (arts. 1.097 a 1.101 do CC) em que uma delas se vale da condição dominante para fraudar seus credores. A desconsideração se aplica a toda e qualquer das sociedades que se encontre inserida no mesmo grupo econômico, a fim de alcançar a efetiva fraudadora que está sendo encobertada pelas coligadas[6].
A desconsideração expansiva tem por finalidade responsabilizar o sócio oculto de determinada sociedade que se acoberta através do chamado “laranja, testa de ferro, homem de palha ou boneco de gelo”. Segundo essa teoria, é possível atingir o patrimônio do sócio que se utiliza de uma sociedade que está em nome de terceiro, mas que ele, sócio oculto, detém o poder de controle.
Nessa modalidade de desconsideração, o sócio oculto se esconde atrás de um terceiro para não ser responsabilizado por eventual inadimplemento da sociedade, preservando seu patrimônio[7].
Por fim, cabe menção à desconsideração da personalidade jurídica exercida pela Administração Pública, prevista do art. 14 da Lei nº 12.846/2013, que dispõe acerca da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira.
De acordo com o referido artigo “a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa”. Eliminou-se de vez a controvérsia quanto à admissibilidade de utilização desse expediente pela Administração Pública.
3. Conclusões
A desconsideração da personalidade jurídica compreende o instrumento jurídico pelo qual o juiz ou a Administração Pública declara a ineficácia da personificação societária ou da pessoa jurídica, atribuindo a responsabilidade de certos atos ao sócio, administrador ou demais membros, com o propósito de coibir o uso abusivo, fraudulento ou desvirtuado da personalidade jurídica.
Na aplicação desse instrumento não se invalida ou desfaz o ato constitutivo da pessoa jurídica, apenas se afastam de forma pontual os efeitos da separação patrimonial e da limitação da responsabilidade.
A princípio desenvolveram-se as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica. A matéria evoluiu, explicitando a doutrina a existência das modalidades inversa, indireta, expansiva e a exercida pela Administração Pública.
4. Referências bibliográficas.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 970.635-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10.11.2009. Dje. 01.12.2009.
CAMILLO, Fábio de Oliveira, A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Brasileiro; disponível em http://www.ccradvocacia.com.br/pdf_artigos/artigo03.pdf.
COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
CORRÊA, Mariana Rocha. A Eficácia da Desconsideração Expansiva da Personalidade Jurídica no Sistema Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro. 2011. Disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/MarianaRochaCorrea.pdf.
FARIA, Juliano Junqueira de. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 199, 21 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4768>.
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (Disregard Doctrine). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 410, nº 58, dez. 1969.
[1] COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 283.
[2] ANDRIGH, Fátima Nancy. Desconsideração da personalidade jurídica. Brasília, DF, 2004, p. 2. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/673>. Acesso em 09.08.2014.
[3] REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (Disregard Doctrine). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 410, nº 58, p. 13-24, dez. 1969.
[4] Acerca da divergência quanto à consagração da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, vide: AMARO, Luciano. Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Ajuris, v. 20, n. 58, p. 69-84, julho, 1993, p. 73-74; GAINO, Itamar. Responsabilidade dos Sócios na Sociedade Limitada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 117; CASILO, João. Desconsideração da Pessoa Jurídica. Revista dos Tribunais, v. 528, p. 24-40, outubro, 1979. KRIGER FILHO, Domingos Afonso Aspectos da Desconsideração da Personalidade Societária na Lei do Consumidor. Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 13, p. 78-86, jan/mar, 1995. FARIA, Juliano Junqueira de. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 199, 21 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4768>. Acesso em: 09.08.2014; CAMILLO, Fábio de Oliveira, A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Brasileiro; disponível em http://www.ccradvocacia.com.br/pdf_artigos/artigo03.pdf. Acesso em 09.08.2014.
[5] A respeito dos pressupostos de incidência da teoria maior ou da teoria menor da desconsideração, vide o voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 970.635-SP, Terceira Turma, j. 10.11.2009, Dje. 01.12.2009.
[7] CORRÊA, Mariana Rocha. A Eficácia Da Desconsideração Expansiva Da Personalidade Jurídica No Sistema Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro. 2011. Disponível em http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2011/trabalhos_12011/MarianaRochaCorrea.pdf. Acesso em 09.08.2014.
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Comentários às modalidades de desconsideração da personalidade jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40528/comentarios-as-modalidades-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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