RESUMO: O presente artigo traz à discussão um dos princípios mais caros em qualquer sistema jurídico, bem como um dos valores que ocuparam a mentes brilhantes ao decorrer da história. Com uma relação estreita com a legalidade, o princípio da igualdade tem levado aos juristas a empreender esforços em busca de sua adequada utilização - especialmente em virtude de ser um dos princípios mais abstratos e complexos de operacionalização. Não bastam mais declarações de liberdades formais, em que pese tais conquistas sejam merecedoras de celebração, os esforços devem voltar à conquista de uma igualdade material extraída à luz da equidade, como meio de se atingir uma verdadeira sociedade justa, livre e solidária. Para o desenvolvimento deste artigo, utilizou-se da clássica obra de Celso Antônio Bandeira de Mello – O conteúdo jurídico do princípio da igualdade.
Palavras-chave: Princípios. Igualdade. Isonomia.
1. Considerações preliminares
A igualdade é uma das maiores conquistas das sociedades modernas em face ao poder absolutório das monarquias que vigoraram por longos períodos. A máxima do monarca francês Luís XIV de Bourbon - L´État c`est moi, em português o Estado sou eu - perdurou por séculos, viu termo somente com a queda do Ancien Régime com a Revolução Francesa de 1789, depois de longos embates e revoluções registradas na história, inspirando outras nações lutarem pelos mesmos ideais: combater tiranias e lutar por direitos fundamentais.
O resultado da revolução foi a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, documento composto por dezessete artigos que, já em seu primeiro dispositivo, primeira parte, previa: os homens nascem e são livres e iguais em direitos.
Tal documento de relevante expressão política, foi influente mais adiante na história para proclamação de outro documento de similar porte: a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948, proclamada no âmbito global de tutela dos direitos humanos das Nações Unidas, veio como resposta as graves violações da dignidade da pessoa humana nas guerras mundiais. Da maneira similar, esta declaração prevê no primeiro dispositivo: todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Tais documentos eminentemente políticos exerceram papel fundamental na estruturação dos estados, seus fundamentos e princípios, impregnando as constituições modernas com seus valores.
2. Constituição Federal de 1988, igualdade formal e igualdade material
No contexto nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não foi diferente, logo no caput do artigo 5o referente ao título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, prevê: todos são iguais perante a lei.
Já no título III, da Organização do Estado, no artigo 19, veda os entes políticos de criarem distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Portanto, a Carta Maior proclama como direito ao cidadão o preceito magno da igualdade, bem como impõe a mesma forma de proceder para o Estado. Assim, oportuno é aprofundar o entendimento de tal preceito e definir de que formas e como se manifestará na órbita jurídica e na formulação de políticas públicas.
É sabido que há entendimentos diversos de igualdade, pois se darmos o tratamento equiparado entre atores diferentes, o resultado seria agravar a desigualdade. Assim, contemporaneamente tem se convencionado em distinguir a igualdade entre formal e material.
De um lado, a igualdade formal refere-se àquela em que todos são iguais perante a lei, estando intimamente ligada aos princípios universais demandados pelos Iluministas, impondo verdadeiras obrigações negativas ou de abstenção do poder estatal, em prol das liberdades políticas e econômicas.
Por outro lado, a igualdade material não teve sua origem nas revoluções clássicas, mas sim no âmbito do movimento socialista, ao passo que tem como escopo reduzir as desigualdades sociais, por isso se trata daquela interpretação extraída à luz da equidade.
Neste último entendimento de igualdade, aplica-se o aforismo Aristotélico: tratar os iguais de forma igual e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Tal máxima foi reproduzida entre nós através de Rui Barbosa, em Oração aos Moços.
Apesar de merecer louvor tal pensamento, o mesmo é destituído de qualquer aplicabilidade prática se não exister aportes teóricos sólidos para sua operacionalização. Neste sentido, surgem perguntas que afloram o espírito: a final de contas, quem são os iguais e quem são os desiguais? O que permite eleger certo indivíduo ou grupo e apontá-los como desiguais e a quem incumbe fazer tal escolha sem violar o preceito isonômico?
3. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade em Celso Antônio Bandeira de Mello
Tem isso em mente, Celso Antônio Bandeira de Mello[i] pretende emprestar ao princípio isonômico um aprofundamento que o possibilite gozar de operacionalidade segura, convertendo a proclamação de um direito em instrumento prático para interpretação constitucional.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, em apertada síntese, deve-se evitar privilégios injustificados e perseguições injustas na atividade legiferante. Para isso, existem algumas condições para que a norma ou política pública não venham afrontar o principio da igualdade, a saber:
3.1 A norma deve abranger categoria de pessoas ou uma pessoa futura e indeterminada;
Ou seja, a norma ou política pública que vem a singularizar um único destinatário absolutamente, atual ou futuro, evidentemente não passa pelo crivo do princípio ora em questão. Deve haver possibilidade de outros indivíduos a terem a chance de enquadrar-se no tipo legal.
3.2 A norma adotar como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento inerente a pessoa, fato ou situação;
Nesse sentido, o fator a ser eleito para diferenciação não pode ser externo a pessoa, fato ou situação. Assim, o que justifica a mulher aposentar-se mais cedo que o homem no ordenamento pátrio, por exemplo, é sua vulnerabilidade física em relação ao homem e não porque o seu trabalho é mais produtivo, pois tal critério seria externo a sua pessoa.
3.3 A norma deve guardar pertinência lógica e racional entre o tratamento jurídico diferenciado com a disparidade do regime outorgado;
Além do critério escolhido para diferenciar estar contido na pessoa, fato ou situação, deve trazer fundamento racional e apresente coerência entre fato gerador e consequência. Ao formular uma lei, o legislador deve ater-se em observar com atenção se existe, de fato, uma correlação lógica que possibilite produzir tal diferenciação.
Não poderia o legislador produzir norma que privilegie afrodescendentes com bolsas estudantis com argumento que os mesmos, ao não terem estudo, invariavelmente irão delinquir. Não há, no exemplo, pertinência lógica e com dados concretos entre a causa e o efeito, logo, a norma violaria de forma pungente o preceito da igualdade.
3.4 A norma deve conter pertinência lógica em abstrato e estar de acordo com os valores adotados pela constituição;
Também, além da pertinência lógica e nexo plausível racional entre fato gerador e consequência, o regime jurídico adotado deve estar em sintonia com valores resguardados pelo sistema constitucional.
Assim, criar norma que favoreça a divisão dos royalties do petróleo para o ente federado mais avantajado economicamente desta República, com o argumento que o mesmo poderá utilizar melhor os recursos e investindo-os em infraestrutura, possibilitaria o aumento considerável no PIB nacional.
Apesar de possuir um nexo plausível entre fato gerador e consequência - aparte das controvérsias das teorias econômicas que advogam em contrário - tal pertinência não está recepcionada pela Carta Maior.
Vê-se, no artigo 3º da Carta Maior, que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais. Tal previsão tem amparo no princípio do federalismo assimétrico, que possibilita um tratamento diferenciado com o intuito de promover regiões menos favorecidas.
Logo, apesar do nexo plausível presente, tal norma afrontaria o princípio isonômico por não possuir tal valor sob tutela do sistema constitucional.
3.5 A interpretação da norma deve estar professadamente assumida por ela de modo claro, ainda que por via implícita, sem criar distinções que não foram a intenção do legislador
Não se pode, por meio ardilosos e vis, dar interpretação a norma que a mesma não quis criar. Apesar da dificuldade que se tem em prever todos os efeitos de uma norma ou política, pois, qualquer ação traz consigo consequências não intencionais. Ou seja, intenções não são resultados.
Trata-se de um dos maiores desafios dos formuladores de política pública e produção normativa, por exemplo: ao criar uma política específica que tem o intuito de proteger animais em extinção, define-se que qualquer propriedade que possua tais animais é suscetível de tornar-se uma unidade de conservação de proteção integral (refúgio de vida silvestre, por exemplo). Essa é a intenção do legislador. Mas, para evitar isso, os proprietários acabam matando os referidos animais para não terem suas propriedades limitadas e, consequentemente desvalorizadas. Os animais entram mais rapidamente em extinção, é a consequência não intencional da norma ou política.
Para evitar tais consequências, às vezes inevitáveis, o legislador deve equipar-se de informações que mitiguem os possíveis efeitos não intencionais, já os aplicadores da lei, não devem admitir diferenciações que o espírito da norma não deixou claro.
Caso a norma ou a política seja formulada levando em consideração tais diretrizes apontadas pelo autor, haverá grandes chances de tais comandos aproximarem-se do preceito magno da igualdade. Valor ético-político-social tão relevante para o alcance do ideal de justiça, tão caro para o Direito.
4. Considerações finais
O artigo 5, caput, da Constituição de República Federativa de 1988, encerra uma direto fundamental demasiadamente mais complexo do que a terminologia pode sugerir. Como visto alhures, sem a intenção de reproduzir o conteúdo abordado, sob pena de redundância, a igualdade formal distancia-se, entre abismos, da igualdade material.
Não se pode simplesmente conferir tratamento idêntico a todos os indivíduos, sujeitando aumentar as desigualdades já existentes. A igualdade na vertente material - considerada a virtude soberana para Ronald Dworkin – não se resume em conferir um tratamento idêntico a todos os membros da comunidade, mas sim criar um ambiente para expansão das liberdades reais[ii] – entendidas como o exercício tantos dos direitos civis e políticos, mas também dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Em havendo uma conjugação e o exercício entre esses direitos – de primeira e segunda dimensão, ou direitos de liberdades e direitos de igualdade – haverá maiores condições para que a igualdade material seja conquistada no plano fático. Deste modo, estaríamos de uma igualdade constitucionalmente adequada, àquela em que o próprio poder constituinte originário preconizou quando promulgou a Constituição Cidadã de 1988.
Notas
[i] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. atual. 11ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003.
[ii] SEN. Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Acadêmico de Direito da Universidade do Vale do Itajaí -UNIVALI<br> Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2014). Graduado em Administração Pública pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC (2013).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: POPINHAK, Cesar Augusto. Análise do Princípio da Igualdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40529/analise-do-principio-da-igualdade. Acesso em: 23 dez 2024.
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