RESUMO: Este estudo tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica acerca das medidas antecipatórias da sentença de mérito, especificamente, as antecipatórias, tendo em vista diversos princípios, explícitos e implícitos, insertos na Magna Carta de 1988, tais como o devido processo legal, inafastabilidade da jurisdição, ordem jurídica justa, acesso à justiça, segurança jurídica, efetividade, dentre outros. Em vista disso, almeja-se fazer uma abordagem da evolução histórica e legislativa dos institutos citados, incluindo as alterações legislativas operadas no art. 273 do CPC, ressaltando a inclusão do § 7º ao referido dispositivo. Isto, partindo da tutela sumária satisfativa no direito processual civil brasileiro, que antecipa os efeitos da futura sentença de mérito, conferindo maior efetividade ao processo, celeridade e rapidez na entrega do bem da vida, de maneira imediata, ainda que provisória, sem desatender a segurança jurídica.
Palavras-Chave: Tutelas de Urgência, Artigo 273 do Código de Processo Civil, Antecipação dos Efeitos da Tutela, Justiça Justa.
ABSTRACT: This study aims to review literature about the proactive measures of sentence mérito specifically, anticipatory, considering several principles, explicit and implicit, inserts on the Magna Carta of 1988, such as due process, the jurisdiction inafastabilidade , fair legal system, access to justice, legal certainty, effectiveness, among others. In view of this, we aim to make an approach to the historical and legislative developments of institutes cited, including legislative changes operated in art. 273 of the CPC, emphasizing the inclusion of § 7 to said device. This, based on the summary satisfativa tutelage in the Brazilian civil procedural law, anticipating the effects of future judgment on the merits, giving the process greater effectiveness, speed and speed in delivery of the goods of life, immediately, albeit provisional, without neglecting the legal certainty.
Keywords: Emergency Guardianship, Article 273 of the Code of Civil Procedure, Anticipating the Effects of Guardianship, Justice Fair.
Sumário: Introdução. Evolução Histórica. Da Antecipação Dos Efeitos Da Tutela. Da Provisoriedade dos Efeitos Antecipáveis. Hipóteses de Antecipação. Pressupostos Concorrentes. Reversibilidade da Decisão. Conclusão. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A evolução do direito nem sempre consegue acompanhar o mesmo ritmo da sociedade que regula, e o modelo de prestação jurisdicional que era satisfatório no passado, já não consegue suprir as necessidades da sociedade moderna, que tem outras aspirações, outras necessidades, outras demandas.
O sistema de tutela de direitos que antes se preocupava apenas com o privado, o qual tinha na segurança jurídica seu pilar máximo, hoje, deve ceder lugar à efetividade, visto que a sociedade atual exige a predominância do interesse social, dos direitos coletivos, transindividuais, que interessam a toda a coletividade, em detrimento do interesse apenas particular. A forma deve ser substituída pela efetividade, posto que um processo que perdura por longo período transforma-se em um castigo a quem tem razão, uma ameaça nas mãos daquele que retarda por vontade própria o cumprimento do que lhe é cabido.
E é devido ao rápido evoluir da sociedade, que o modelo de tutela jurisdicional deve ser diuturnamente aperfeiçoado, com a adoção de novas técnicas, que permitam ao processo realizar seus objetivos e melhor servir à sociedade, dando efetividade a seus provimentos.
Assim, foi com esse espírito que o legislador inseriu no sistema processual brasileiro as tutelas de urgência, verdadeiros instrumentos colocados à disposição das partes contra a demora do processo, destinando-se a adiantar os efeitos da sentença final, no caso das medidas satisfativas e resguardar o resultado útil do processo, no das cautelares.
Referidas técnicas permitem ao julgador, através de cognição sumária, provisória, baseando-se em juízo de verossimilhança, adiantar aquilo que a parte viria a conseguir somente no final do procedimento cognitivo normal, bem como asseguram o resultado útil do processo, resguardando provas, pessoas ou coisas, por meio das medidas cautelares.
Assim, que o presente trabalho pretende tecer considerações acerca das primeiras medidas citadas – tutelas antecipatórias – as quais visam a adiantar os efeitos do resultado final do processo.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
No período clássico, as funções desempenhadas pelo juiz eram rigidamente delineadas. O julgador apenas aplicava o que estava prescrito na lei, ou seja, sua margem de interpretação era bastante limitada. Tal fato se devia à circunstância de que os juízes eram oriundos da antiga nobreza, o que acarretava certa desconfiança por parte dos legisladores.[1]
Arruda Alvim, estudando a evolução das medidas de urgência, assinala que as constituições se preocupavam em proteger o indivíduo contra o Estado, daí o nome Estado Polícia. A burguesia – enquanto classe revolucionária idealizadora desse modelo de Estado e de sua filosofia – carecia de segurança jurídica para consolidar os desígnios liberais trazidos pela revolução liberal.[2]
Para atingir tais propósitos, o referencial era a lei, a qual, em fins do século XVIII e início do XIX, era insuscetível de qualquer interpretação, ainda que literal, a qual passou a ser admitida, aproximadamente, na terceira década do século XIX.[3]
Nesse período, o tecido legislativo era formado de textos normativos minuciosos, com elementos que definiam situações e suas condutas, de tal modo que essa técnica legislativa estabelecia condições de previsibilidade para o maior controle sobre as ações dos juízes, i.e., preponderância radical da mens legislatoris. O juiz era tido como ser inanimado e não deveria “ser senão a boca da lei”.[4]
Na seara do direito privado, a idéia de segurança se fez presente na natureza absoluta e individualista do direito de propriedade, nas regras que regiam os contratos, na supremacia estrita da vontade. A era da codificação, impulsionada pelo Código Napoleônico, refletia essa mentalidade burguesa em todos os sentidos. A idéia da codificação exprimia os ideais de segurança proporcionados pela regulamentação exaustiva e organizada dos direitos.[5]
Paralelamente, foram desenvolvidas normas processuais correspondentes aos paradigmas daquele momento histórico, amparados na premissa de que as soluções jurisdicionais deveriam declarar o direito com o mais elevado grau de certeza possível.
A estruturação do Código de Processo Civil brasileiro foi herdada desse período que, filiado ao modelo europeu, previu segmentos estanques, cada qual com funções próprias: conhecimento, execução e cautelar.
A função da cognição declarava o direito, a cautelar procurava assegurar a eficácia do provimento advindo da sentença final, quando procedente a ação, que excluía a possibilidade de execução ou realização do direito simultaneamente à fase de conhecimento. A execução propriamente dita era necessariamente posterior à fase de conhecimento, tudo isto com vista a garantir a segurança jurídica, onde a coisa julgada era manifestação desse valor máximo, herança do Estado Liberal.
No ordenamento civil brasileiro, o Código de 1973, mesmo que ainda pautado no modelo clássico herdado do liberalismo, previu expressamente a utilização de um poder geral de cautela pelo juiz (art. 798 do CPC), a depender da verificação de critérios cuja apreciação deveria ser feita in concreto. Esse poder geral abriu caminho para a utilização difundida do processo cautelar com vistas a conceder ao requerente medidas mais que assecuratórias, verdadeira garantia do próprio direito material. Daí, o desenvolvimento das diversas modalidades das tutelas de urgência no direito brasileiro.[6]
Em sede constitucional, a Magna Carta de 1988 trouxe em seu bojo uma gama de preceitos com o intuito de garantir amplo acesso à justiça, à efetividade da jurisdição, à celeridade processual, à prevenção do ilícito, tudo com intenção nitidamente de proteção da dignidade social, onde o privado deveria ceder lugar ao interesse público.
Para exemplificar, o artigo 5º, inciso II, do texto constitucional preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Já o inciso XXXV, do mesmo dispositivo, preceitua que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[7].
Ou seja, toda lesão ou ameaça pode e deve ser levada à apreciação judicial, que é quem detém o poder exclusivo de pacificação dos litígios. É no dizer de Carnelutti, o Estado tem o dever de dar “a justa composição da lide”[8]. Justiça que deve ser dada em tempo hábil e de forma eficaz.
3. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Conforme sabemos, o processo é um conjunto de atos encadeados para a obtenção do “bem da vida”. Entretanto, o decurso do tempo entre o pedido e a sentença pode resultar na perda da utilidade do processo, trazendo ao titular da pretensão prejuízos irreparáveis.
Marinoni, tecendo comentários a esse respeito, foi esclarecedor:
Se o Estado proibiu a autotutela privada é correto afirmar que ele está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a cada conflito de interesses. Nessa perspectiva, então, deve surgir a resposta intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva significa a própria negação da tutela a que o Estado se obrigou no momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição, já que o processo nada mais é do que a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela[9].
Partindo dessa premissa, a antecipação dos efeitos da tutela é um dos meios utilizados para resguardar a utilidade do processo, antecipando, antes da sentença final, as consequências que seriam advindas com o provimento final.
Acerca do surgimento da tutela antecipada, salientamos que a instituição da tutela antecipatória faz parte da primeira pequena reforma implementada nos primeiros anos da década de noventa, que teve como mudanças mais significativas a introdução da antecipação de tutela pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, e a adoção da ação monitória por meio da Lei nº 9.079, de 14 de julho de 1995.
Mais recentemente, as regras do referido instituto foram aperfeiçoadas pela Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, autorizando o julgamento parcial e definitivo do mérito quando existentes fatos constitutivos incontroversos, estabelecendo, também, a fungibilidade entre os pedidos cautelares e antecipatórios.
A fim de ressaltar os efeitos da tutela antecipatória, Marinoni acentua que:
A tutela antecipada produz o efeito que somente poderia ser produzido ao final. Um efeito que, por óbvio, não descende de uma eficácia que tem a mesma qualidade da eficácia da sentença. A tutela antecipatória permite que sejam realizadas antecipadamente conseqüências concretas da sentença de mérito. Essas conseqüências concretas podem ser identificadas com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos que operam fora do processo e no âmbito das relações de direito material[10].
Assim, a tutela antecipada nasce como instrumento que visa à obtenção, por intermédio de técnica de cognição sumária, daquilo que a parte viria a conseguir somente no final do procedimento cognitivo normal. A tutela antecipatória irá trazer à parte os efeitos da sentença de mérito perseguida, através de um exame aprofundado sobre a verossimilhança do pedido, a sua reversibilidade e a existência de perigo de dano ou abuso do direito de defesa.[11]
É uma tutela superficial, menos aprofundada em relação à tutela definitiva, de cognição exauriente. A tutela provisória guarda uma vinculação com aquela, quando prestada no mesmo processo, se a tutela provisória tiver natureza antecipatória; ou em outro, na ação autônoma, se a tutela se a tutela for proferida em ação autônoma.
3.1 Da Provisoriedade dos Efeitos Antecipáveis
A provisoriedade da antecipação dos efeitos da tutela está inserta no § 4º do art. 273, o qual preceitua que “A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”.
Trata-se, portanto, de solução de caráter não definitivo e, por isso, passível de revogação ou modificação, nos termos do dispositivo citado, sempre por meio de decisão fundamentada.
A nota de provisoriedade do referido instituto se dá pelo fato de que o mesmo é formado à base de cognição sumária. Enquanto na tutela definitiva a cognição é exauriente, formada com base no juízo de certeza, aqui a tutela jurisdicional é formada com base em juízo de verossimilhança.[12]
Enquanto na cognição exauriente se busca a certeza da convicção, porque o valor por ela privilegiado é o da segurança jurídica, na cognição sumária, a própria tutela é provisória, vez que concedida sob juízo de verossimilhança, de aparência, de fumus boni iuris, visando a salvaguardar a efetividade da tutela jurisdicional.[13]
E, como bem acentua Teori, outra característica fundamental a se compreender na antecipação da tutela, decorrente de sua provisoriedade, é sua dependência do provimento final. Segundo o doutrinador:
Não se pode compreender inteiramente o signo da temporariedade sem ter presente outra característica das medidas provisórias, antes já referidas: a da sua necessária vinculação a uma tutela definitiva, cujos efeitos elas antecipam provisoriamente (medidas antecipatórias) ou cuja execução elas garantem (medidas cautelares stricto sensu). Por isso mesmo, é a tutela definitiva, com a qual mantém elo de referência, que dá à tutela provisória sua razão de ser[14].
Acerca da natureza provisória da decisão concessiva da antecipação dos efeitos da tutela, apresenta-se adiante entendimento jurisprudencial do e. STJ, exemplificado por decisão da Quinta Turma daquele e. Tribunal Superior. Veja-se:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO. PENSÃO POR MORTE. NOVO ENTENDIMENTO DO STF. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DO DESCONTO. RECURSO PROVIDO.
Embora possibilite a fruição imediata do direito material, a tutela antecipada não perde a sua característica de provimento provisório e precário, daí porque a sua futura revogação acarreta a restituição dos valores recebidos em decorrência dela [...][15]
Com efeito, ainda tendo em vista a sua provisoriedade, ressalta-se que há um limite temporal fixado, visto seu caráter acessório, posto ter por escopo afastar ou superar os obstáculos eventualmente opostos à efetividade da prestação jurisdicional, sendo seu limite temporal a concretização de seu objetivo com a prolação do provimento final.
3.2 Hipóteses de Antecipação
Segundo Humberto Theodoro Junior, no artigo 273 do CPC o legislador ordinário procura definir quando se considera em desprestígio o direito fundamental à justa e efetiva tutela jurisdicional. E, em assim agindo, aponta situações excepcionais em que não se poderia, razoavelmente, exigir da parte que aguardasse o longo desenrolar normal do procedimento.
As situações apontadas são nos casos em que: a) estiver configurado “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”; ou b) quando estiver evidenciado o “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu” (art. 273, incisos I, II).[16]
O artigo 273 do CPC traz em seu bojo situações ensejadoras da antecipação dos efeitos da sentença de mérito, buscando assegurar o direito em diversas situações, tais como risco da sua impossibilidade de fruição imediata; risco de comprometimento de suas bases materiais, bem como o risco inerente à regular prestação da tutela jurisdicional, pela indevida oposição de embaraços pelo réu.
Prevê o artigo 273 do CPC, que:
Art. 273 – O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu
Para Teori, na primeira hipótese, pode-se denominar “antecipação assecuratória: antecipa-se por segurança. Adianta-se provisoriamente a tutela pretendida pelo autor como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou danificação do direito afirmado”.[17]
A outra hipótese decorre de “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu” (art. 273, II), seria a antecipação punitiva, embora não se trate de verdadeira punição, nos termos preceituados no código, mas decorre de atitudes do demandado, com o intuito de atrapalhar o normal desenrolar do processo.
Calmon de Passos acentua que o inciso I do artigo 273 do CPC trata, na verdade, da “tutela de urgência, que é adequada quando a demora na entrega da prestação jurisdicional cria o risco de sua inutilidade prática no término do processo, ou de sua reduzida efetividade”. Sobre essa condição básica para a concessão da tutela antecipada, o citado doutrinador, com maestria observa que[18]:
[...] Na antecipação, o juiz analisa a necessidade de ser executada, de logo, provisoriamente, a decisão de mérito, que proferiu ou vai proferir, em condições normais sem aptidão para constituir-se título legitimador de execução provisória do julgado. Por isso mesmo, a cautelar requer exista ato da parte e dele derive o risco de dano, ao passo que, na antecipação, isso é de todo irrelevante, devendo o magistrado considerar apenas a necessidade de antecipação da eficácia do julgado porque, se não deferida, haverá risco de ocorrerem, para o autor, danos que serão eliminados, se antecipação houver. Risco objetivo, sem se considerar o comportamento do réu, sua culpa, seu dolo, sua contribuição para que os danos venham a existir. Analisa-se a situação do autor e exclusivamente ela, para, em razão de fatores objetivos, se concluir pela necessidade ou não da antecipação e essa necessidade só se verificará quando houver o fundado receio de que os danos ocorrerão.
O “abuso do direito de defesa”, segundo Humberto Theodoro, “ocorre quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor, totalmente infundada ou contra direito expresso e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa”.[19]
Já o § 6º do art. 273 do CPC aduz que ”a tutela antecipada pode ser concedida quando um ou mais dos pedidos, ou parcela deles, mostrarem-se incontroversos”. É manifestação do direito evidente. Está claro nesse dispositivo que o legislador pretendeu dar maior celeridade aos feitos, não retardando, desnecessariamente, a entrega da prestação jurisdicional do direito incontroverso.
A antecipação, nessa hipótese, se dá em face da evidência do direito, reveste-se de natureza peculiar. Diferentemente das demais possibilidades, em que a tutela antecipada tem a função de estabelecer condições de convivência entre os princípios da segurança jurídica e da efetividade do processo, a nova espécie de antecipação, representa simplesmente uma ação do judiciário em benefício do princípio constitucional da efetividade e segurança jurídica, já que acerca desse direito ou parcela dele não há controvérsia.
3.3 Pressupostos Concorrentes
Para a doutrina, a presença de prova inequívoca e verossimilhança da alegação são pressupostos concorrentes da antecipação dos efeitos da tutela. São seus requisitos genéricos.
Humberto Theodoro preceitua que, “por se tratar de medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, a lei a condiciona a certas condições de ordem preparatória”. Assim, mais que a simples aparência do direito, exige-se prova inequívoca.[20]
A jurisprudência pátria se posiciona no seguinte sentido:
Só a existência de prova inequívoca, que convença verossimilhança das alegações do autor, é que autoriza o provimento antecipatório da tutela jurisdicional em processo de conhecimento [...]”[21]
Ou ainda:
A antecipação de tutela pressupõe uma pretensão guarnecida por prova inequívoca, suficiente a demonstrar a verossimilhança da alegação, art. 273 – CPC [...]”[22]
Para Teori, o conceito de urgência que enseja a tutela provisória deve ser entendido em sentido amplo, mais amplo que o sentido pelo qual é geralmente adotado, ou seja, de representar situação apta a gerar dano irreparável. A urgência, no sentido que aqui se utiliza, está presente em qualquer situação fática de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição.[23]
Nas lições do citado doutrinador, três são, essencialmente, as situações de risco à efetividade da prestação da tutela definitiva. Esclarecendo, preceitua que:
Há situações em que a certificação do direito material é que está em risco, já que a prova de sua existência encontra-se ameaçada em face da demora de sua coleta pelos meios ordinários. Quando ocorrerem, será urgente para antecipar a produção da prova, que, todavia, não importa qualquer antecipação de efeitos da futura sentença. Por outro lado, há situações em que o perigo ameaça não a certificação mas a futura execução forçada do direito certificado, com a dissipação das suas indispensáveis bases materiais. Nestes casos, urgente será medida para garantir a execução, o que, igualmente, não significa antecipar efeitos da tutela definitiva. Mas, finalmente, há situações em que a certificação do direito pode não estar sob risco, como podem não estar sob risco de dissipação os bens destinados à execução do direito certificado: o perigo de dano ao direito decorre, unicamente, da demora na sua efetiva fruição.[24]
Por verossimilhança e prova inequívoca, tomamos emprestado os conceitos fornecidos por Rosemiro Pereira Leal, o qual com clareza vestibular preceitua que:
O vocábulo verossimilhança, em PROCESSO, há de ser conteúdo instantâneo da alegação (meio lógico-jurídico) pelo nexo material do elemento e do instrumento de prova já existentes nos autos e perpassados pelo contraditório (art. 301, CPC) (24), não sendo a verossimilhança mera cogitação de possibilidade ou probabilidade pela qual o julgador compatibilizasse alegações de fatos e a lei, porque, como se discorreu, a sua caracterização é induzida da base empírica precógnita, ou seja, pela já existência, nos autos do processo, do instrumento pré-constituído da prova. Pretensão de antecipação de tutela sem prova instrumentária descaracteriza a necessária verossimilhança da alegação exigida em lei. [...]
Inequivocidade seria a presença lógico-jurídica do elemento de prova (fato, ato, coisa, pessoa) articulada pelo meio legal de prova (alegações ensejadas em lei) e expresso no instrumento (documento formal) de prova. Se tal ocorresse, pelos conteúdos técnico-estruturais da prova, esta seria inequívoca, não porque insuscetível de induzir o julgador a erro quanto à realidade extraprocessual, mas pela univocidade (presença induvidosa das bases morfológicas) da teorização do instituto da prova. A existência de prova inequívoca (§1º, art. 273) é fundamento legal e antecedente lógico-jurídico da verossimilhança, de vez que, inexistente prova inequívoca, estaria impossibilitado o convencimento pela verossimilhança: assim está na lei brasileira[25].
Portanto, como pressupostos concorrentes à concessão da tutela antecipatória, imprescindíveis: a) prova inequívoca e b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar especialmente qualificado. Exige-se que os fatos possam, de acordo com as provas, serem tidos como certos. Ou seja, a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento do direito, que decorre de relativa certeza quanto à verdade dos fatos.[26]
O fundamento legal do citado preceito está no ápice do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, disciplina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação[27].
3.4 Reversibilidade da Decisão
Levando-se em conta que o § 2º do artigo 273 do CPC preceitua que “Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”, nesse sentido, para Marinoni, não seria preciso dizer que “irreversibilidade do provimento” e “irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento” são coisas que não se misturam. A provisoriedade deve ser entendida como a sua incapacidade de definir a controvérsia, por sua falta de idoneidade para a declaração ou, em outros termos, para a produção de coisa julgada material.[28]
Ainda segundo Marinoni, o Artigo 273 veda, quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, são determinadas declarações e constituições provisórias. Citando Ovídio Baptista da Silva, assinala, como exemplo, que “O juiz não poderá, por certo, decretar provisoriamente o divórcio do casal, na hipótese dos arts. 35 e 36 da Lei 6.515, de 26.12.77, enquanto o pedido de conversão se processa, bem como não poderá decretar a antecipação da constituição de uma relação de filiação ou a destituição de um casamento, antes do provimento final de mérito, sob pena de declarar-se situação de fato, totalmente irreversível nos seus efeitos fáticos.[29]
Deste modo, sempre que houver um confronto entre o risco de dano irreparável ao direito do autor e o risco de irreversibilidade da medida antecipatória, deverá o juiz formular a devida ponderação entre os bens jurídicos em confronto, para o que levará em consideração a relevância dos fundamentos que cada um deles dá suporte, fazendo prevalecer a posição com maior chance de vir a ser, ao final, consagrada vencedora.[30]
4. CONCLUSÃO
Assim, analisando todas as transformações operadas no sistema processual brasileiro, chegamos à conclusão de que o intuito do legislador foi guiado pela preocupação de proteger o direito tutelado, contra os entraves oferecidos pelo desenrolar ordinário do processo, que percorre um longo caminho entre o pedido e a entrega da prestação jurisdicional.
Frente à necessidade de oferecer efetividade ao processo e evitar que o procedimento ordinário ponha em risco o direito eventual da parte, o legislador do CPC de 1973 valeu-se do processo cautelar, inserto no Livro III. Posteriormente, com a Lei n. 8.952/94, introduziu a tutela antecipada, que sofreu profundas e importantes modificações em 2002 com a introdução no ordenamento jurídico da Lei n. 10.444/2002.
Em suma, pode-se concluir que o sistema legal pátrio procurou munir os operadores do direito de condições para enfrentar situações que coloquem em risco os objetos, pessoas ou provas do processo. Em razão disso, vem aperfeiçoando as medidas de urgência, de forma que o “bem da vida” esteja resguardado e o provimento final chegue no tempo e na forma devidos.
E, tendo em vista que "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito", o Estado tem obrigação de garantir ao jurisdicionado a adequada, justa e eficaz tutela jurisdicional a cada caso concreto, razão por que deve realizar a cognição da lide em um menor espaço de tempo possível, proporcionando ao jurisdicionado o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual, por decorrência lógica do Estado Democrático de Direito.
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[1] ALVIM, Arruda. A evolução do direito e a tutela de urgência. Revista Forense, Rio de Janeiro : Vol. 402 (março/abril), Rio de Janeiro : 2009, p. 24-45.
[2] Ibid., p. 24
[3] Id. p. 24
[4] Id. p. 25
[5] ALVIM, Ibid, p. 25
[6] Id. p. 37
[7]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (Constituição 1988), 37. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2005.
[8]CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil, trad. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1973, v. I, p. 43.
[9] Id. p.132
[10]Id. p. 44
[11] Id. p. 60
[12]ZAVASCKI, Ibid. p. 32
[13] Id. p. 33
[14] Id. p. 36
[15] Proc. REsp 996850 / RS RECURSO ESPECIAL 2007/0239827-3, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128), órgão julgador: T5 - QUINTA TURMA, data do julgamento: 27/03/2008. Publ/fonte DJe 12/05/2008 RJPTP vol. 18 p. 130
[16]THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Execução e Processo Cautelar, v. 7, 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 610
[17] ZAVASCKI, ibid. p. 77
[18] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Inovações no código de processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
[19] THEODORO JÚNIOR, ibid. p. 613
[20]Ibid. p. 611
[21] (Ac. Un. Da 6ª Câm. Do TJRJ de 25.06.1996, no Ag. 596.085.753, rel. Des. Osvaldo Stefanello; RJTJRS 179/251).
[22] (Ac. Un. Da 3ª T. do TRF da 1ª R., de 17.12.1996, no Ag. 96.01.06769-8/DF, rel. Juiz Olindo Menezes; DJ de 07.03.1997; Adcoas, de 10.06.1997, n. 8.154.270; JSTJ/TRFs 96/374).
[23] ZAVASCKI, ibid. p. 29
[24] Id. p. 49
[25]LEAL, Rosemiro Pereira. Verossimilhança e inequivocidade na tutela antecipada em processo civil. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=874 , Acesso em 20 Maio. 2010.
[26] Ibid. p. 79-80
[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (Constituição 1988), 37. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2005.
[28] MARINONI, Ibid. p.193
[29] Id. p.194
[30] ZAVASCKI, ibid. p. 102-103
Procuradora Federal/AGU. Especialista em Direito Público - Universidade de Brasília - UNB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Cleide Siqueira. Medidas Antecipatórias dos Efeitos da Sentença de Mérito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40742/medidas-antecipatorias-dos-efeitos-da-sentenca-de-merito. Acesso em: 23 dez 2024.
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