1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo analisar instituto pouco utilizado e conhecido pelos operadores do Direito, a ata notarial, e demonstrar sua relevante aplicação prática na produção de provas preconcebidas, dotadas de presunção legal de veracidade e de legitimidade, uma vez que se trata de documento público, lavrado por quem goza de fé-pública notarial.
2. DESENVOLVIMENTO
A ata notarial é instrumento público lavrado exclusivamente por tabelião de notas, portanto, dotado de fé-pública e que tem por objeto a constatação sensorial de uma realidade ou da existência de um fato. Sua principal finalidade é a de ser um instrumento de prova em processo judicial.
A Lei n.º 8.935/94, lei que rege a atividade notarial e registral brasileira, enumera em seus artigos 6º e 7º as atividades a serem desenvolvidas pelos notários. In verbis:
Art. 6º Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos.(grifos do autor).
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais; (grifos do autor).
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias.
Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.
Como visto acima, é função do notário, mais especificamente do tabelião de notas, a autenticação de fatos em relação aos quais seja chamado pela parte interessada a constatar aquilo que vê, sente, ouve, redigindo o instrumento público pertinente, que no caso, é a ata notarial.
A principal função da ata notarial é a constituição de prova preconcebida, uma vez que trata de documento público, formalizado por agente que goza de fé-pública. Os artigos 332 e 364 do Código de Processo Civil tratam das provas, nos seguintes termos:
Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.
O supracitado artigo 364 do CPC prescreve a força probante dos documentos, demonstrando que o documento público comprova os fatos que ocorreram na frente do tabelião e por ele narrados. Ou seja, o documento público faz prova não só da sua formação, vai além, alcança aquilo que o tabelião ou escrivão sensorialmente perceberam ao seu redor.
Alberto Bittencourt Netto, apud Oscar Vallejo Yañez, tratou do poder certificante da ata notarial nos seguintes termos:
"O poder certificante do notário é uma faculdade que a lei lhe dá para, com sua intervenção, evitar o desaparecimento de um fato antes que as partes o possam utilizar em proveito de suas expectativas. A fé pública é, em todo o momento do negócio jurídico, o caminho mais efetivo para a evidência (...). Tudo se reduz à intervenção notarial que, com sua presença ou sua atuação, soleniza, formaliza e dá eficácia jurídica ao que ele manifesta ou exterioriza no instrumento público, seja este escriturado ou não. Isto se relaciona, também, com o poder certificante do notário, o que permite às partes em forma voluntária, escolher a forma e o modo de resolver seus negócios (...); neste caso, como afirma Gatán, a função notarial pode considerar-se como jurisdicional. O notário, dentro de sua ampla gama de faculdades, logrará, com sua intervenção, estabelecer a prova pré-constituída, que há de servir de pauta legal, no momento em que seja necessário solicitá-la".
A força probante da ata notarial decorre da fé-pública do notário, que é profissional do direito, agente em colaboração com o Estado, e goza de uma presunção dada pela lei, iuris tantum, é verdade, de que é verdade e legítimo tudo aquilo que ele lavra ou sobre todos os fatos que ele atestar terem ocorrido em sua presença.
3. OBJETO DA ATA NOTARIAL
O objeto da ata notarial é o ato ou fato que o tabelião de notas presencia ou percebe por meio de seus sentidos sensoriais, ou seja, ele atesta um fato existente, constatável por sua observação pessoal. A constatação pode ocorrer inclusive sobre fatos ilícitos, tais como injúria escrita por meio da internet, abuso de autoridade, lesões corporais, pois o papel fundamental da ata notarial é a autenticação de fatos, sejam eles lícitos ou não.
A autenticação decorre da já mencionada fé-pública notarial, e consiste em dar firmeza jurídica daquilo que se atesta. Ao contrário das testemunhas, o tabelião de protesto é agente dotado de presunção legal de veracidade do que atesta, pois é profissional do direito e agente em colaboração com o Estado, logo, suas palavras e atos regularmente produzidos se revestem desta dita firmeza jurídica.
Como já dito acima, a ata notarial se mostra de grande valia para a verificação de atos ocorridos na rede mundial de computadores (Internet), sendo que nesta modalidade, o tabelião, a pedido da parte interessada, acessa o endereço virtual, ou sítio eletrônico, e autentica tudo aquilo que presenciou, ou seja, certifica com firmeza jurídica o conteúdo ali existente, assim como a data e horário de acesso, cristalizando um fato que muitas vezes poderá ser facilmente apagado ou modificado, dada à natural fluidez e efemeridade dos conteúdos postados na internet.
Como se verá a seguir, ao contrário da escritura pública, não há aqui a formalização de um ato de vontade da parte, assim, a ata notarial deverá ser assinada somente pelo tabelião de notas.
4. A ATA NOTARIAL E SUA INFUNGIBILIDADE EM REAÇÃO À ESCRITURA PÚBLICA
A escritura pública, diferentemente da ata notarial, é documento público autêntico que contém a manifestação de vontade e uma ou mais partes, perfazendo-se, assim, um negócio jurídico. É através da escritura pública que o tabelião de notas irá formalizar a vontade das partes, ou seja, amoldá-las ao ordenamento jurídico vigente, observando a capacidade das partes, a forma jurídica válida, e o objeto do negócio jurídico.
A escritura pública se mostra, ao lado da ata notarial, importante instrumento de prevenção de litígios, uma vez que a firmeza jurídica conferida ao negócio jurídico subjacente atua ativamente no combate a dúvidas e equívocos passíveis de posterior análise judicial.
O objeto do presente trabalho não nos permite fazer análises mais aprofundadas da escritura pública, entretanto, vale ressaltar, ainda, que no desempenho da lavratura da ata notarial, é vedado ao notário emitir juízo de valor, opinar, sugerir, devendo cumprir com objetividade a narração dos fatos por ele presenciados.
4. OUTROS ASPECTOS SOBRE A ATA NOTARIAL
Calha registrar, ainda, que ao solicitante da ata notarial é proibida a intervenção na narração dos fatos. Como já dito, o notário é profissional do direito, desempenhando seu ministério com absoluta independência e imparcialidade, portanto, não podendo admitir ingerência do interessado, mesmo porque não se trata de lavratura de um negócio jurídico, como ocorre na escritura pública.
Para a lavratura da ata notarial não se exige a capacidade da parte solicitante, uma vez que esta não está realizando qualquer negócio jurídico, assim como não há necessidade de subscrição de testemunhas.
Luiz Guilherme Loureiro (2011. p. 553) aduz que, na lavratura da ata notarial não prevalece o princípio da unicidade do ato, ao contrário do que ocorre na lavratura de escrituras públicas e testamentos públicos. Ressalta ainda que muitas vezes os fatos narrados não são instantâneos, e sim sucessivos e prolongados, podendo ocorrer em locais diversos.
A utilização da ata notarial como prova preconcebida se mostra verdadeiro instrumento de persecução da verdade real, podendo ser largamente utilizada, inclusive, como substituição ao depoimento de testemunhas que se encontram em iminente risco de vida e que possam vir a falecer antes do ajuizamento de ação competente. Pode-se ainda comprovar situação de abandono de emprego, deliberações em assembleias de condomínios ou sociedades ou associações.
Vale registrar que a fé-pública registral tem fundamento no Texto Constitucional, que em seu artigo 19, inciso II, prescreve, in litteris:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - recusar fé aos documentos públicos;
Assim, conclui-se que a ata notarial se mostra como precioso instrumento de produção probatória de fatos muitas vezes efêmeros, altamente suscetíveis a modificações, devendo seu uso ser cada vez mais popularizado devido à velocidade das mudanças do mundo moderno.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: RT, 1998.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registro Públicos – Teoria e Prática. 1ª ed. São Paulo: Método, 2011.
REVISTA NOTARIAL. Vol. 808, 1973, p. 639 e ss. Órgão do Colégio de Escrivães da Província de Buenos Aires. In Anais do 3º Congresso Notarial Brasileiro. p. 69 e ss.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Pós-Graduado em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp<br>Procurador Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SECCO, Henrique de Melo. A Ata Notarial e a prova preconcebida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40839/a-ata-notarial-e-a-prova-preconcebida. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: JOALIS SILVA DOS SANTOS
Por: Caio Henrique Lopes dos Santos
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