Resumo: O presente artigo trata da representação judicial dos agentes públicos das autarquias e fundações públicas federais pela Procuradoria-Geral Federal.
Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos. 3. Requisitos. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.
Palavras chave: representação judicial, agente público, Procuradoria-Geral Federal.
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 representou um marco ao distinguir as funções institucionais da Advocacia Pública, do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Mediante esse delineamento constitucional, a Advocacia Pública foi inserida no quadro das Atividades Essenciais à Justiça, muito embora anteriormente já existisse no âmbito da União e dos Estados a atuação de advogados públicos e procuradores na defesa dos interesses da Fazenda Pública.
Nesse contexto concebeu-se a advocacia nos âmbitos privado e público, sendo esta decomposta em três segmentos distintos e bem identificáveis: (i) a advocacia da sociedade envolvendo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, realizada pelo Ministério Público; (ii) a advocacia dos necessitados, abrangendo não apenas a defesa, mas também a orientação jurídica a cargo da Defensoria Pública e; (iii) a advocacia de Estado, consistente na defesa dos interesses públicos, assim entendidos os estabelecidos em lei e cometidos ao Estado em seus desdobramentos políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)[1].
Trata-se de distinção constitucional precisa na medida em que delimita as competências funcionais atribuídas a cada uma das instituições incluídas no conjunto das funções essenciais à justiça[2].
No âmbito federal, coube exclusivamente à Advocacia-Geral da União diretamente ou através de órgão vinculado, a missão de representar judicial e extrajudicialmente a União, além de exercer a consultoria e assessoria jurídica ao Poder Executivo nos termos do art. 131 da Constituição Federal, o que veio a ocorrer efetivamente com a edição da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
No que cuida das autarquias e fundações públicas federais, a Lei nº 10.480 de 02 de julho de 2002 criou a Procuradoria-Geral Federal – PGF e lhe incumbiu de representá-las judicial e extrajudicial além da atribuição de realizar as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos.
A representação judicial efetiva-se na atuação contenciosa em defesa do ato administrativo ou das políticas públicas ao passo que a representação extrajudicial abrange diversas formas como v.g. a atuação em processos administrativos, a assinatura de Termo de Ajustamento de condutas, as manifestações ou tratativas de natureza negociais, etc. A consultoria por seu turno compreende a elaboração de manifestação jurídica voltada ao órgão e o assessoramento por sua vez envolve a orientação e a instrução aos agentes públicos[3].
Entretanto, a representação judicial da Procuradoria-Geral Federal não está adstrita às autarquias e fundações públicas federais, alcança também os agentes públicos quanto aos atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares e desde que presente o interesse público.
A representação judicial dos agentes públicos das autarquias e fundações públicas federais, tarefa atribuída à PGF, será analisado no presente trabalho.
2. Fundamentos
A representação judicial dos agentes públicos das autarquias e fundações públicas federais, à exceção do Banco Central do Brasil, está prevista na Lei nº 9.028/95, que ao dispor sobre o exercício das atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, estabeleceu em seu art. 22:
Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001).
§ 1o O disposto neste artigo aplica-se aos ex-titulares dos cargos ou funções referidos no caput, e ainda: (Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001).
I - aos designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, e nos Decretos-Leis nos 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e para a intervenção na concessão de serviço público de energia elétrica; (Redação dada pela Lei nº 12.767, de 2012).
II - aos militares das Forças Armadas e aos integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial.(Incluído pela Lei nº 9.649, de 1998)(Vide Medida Provisória nº 22.216-37, de 2001).
Inúmeros são os fundamentos para que a AGU-PGF assuma a defesa dos agentes públicos demandados em razão da função exercida, dentre eles estão o fato de que a defesa está adstrita aos agentes públicos que agiram no exercício das funções constitucionais, institucionais, legais e regulamentares e desde que presente o interesse público; as razões que justificam a defesa e manutenção do ato administrativo no mundo jurídico são as mesmas que levam a defesa do próprio agente público; a inexistência de defesa dos agentes prejudica o desenvolvimento da própria Administração Pública; a ausência de previsão legal de defesa judicial traria ao agente público a preocupação, além das suas atribuições, com a defesa dos processos e o custo de arcar com as despesas de contratar advogado particular; a defesa judicial confere em última análise a segurança necessária para o exercício das atribuições pelos agentes públicos; o art. 22 da Lei nº 9.028/95 não ampliou a competência da AGU-PGF, apenas e tão somente evidencia o que está implícito na atribuição de defender a União, suas autarquias e fundações públicas, o que alcança os seus agentes enquanto atuantes nessa qualidade.
O modelo legal que atribui a representação judicial dos agentes públicos pelas Advocacias Públicas e Procuradorias de Estado não é exclusivo do ordenamento jurídico nacional, está presente na Itália ao competir referida função à Avvocatura dello Stato conforme anota a doutrina:
“A Advocacia do Estado italiana representa e defende os órgãos constitucionais (Presidente da República, Câmara, Senado, Governo, Corte Constitucional, Corte de Contas, dentre outros), os órgãos judiciários (Corte de Cassação, Corte de Apelo etc.) e todas as Administrações do Estado...
Existe, ademais, a possibilidade de a Advocacia do Estado assumir a representação e a defesa dos agentes públicos em processos civis ou penais, nos termos do art. 44 do RD de 30 de outubro de 1933, n. 1.611. Tal defesa abrange não somente agentes do Estado, mas também dos entes cuja representação possa ser assumida pela Advocacia do Estado”[4].
O artigo 22 da Lei 9.028/95 foi regulamento no âmbito federal pela Portaria nº 408, de 23 de março de 2009, editada pelo Advogado-Geral da União, que fixou os requisitos cumulativos a serem observados para assunção da representação judicial e que se referem aos aspectos pessoal, funcional, legal e de relevância do ato[5].
3. Requisitos
Para deferimento do pedido, o agente público deve figurar no quadro das pessoas que possam ser representadas e que integre qualquer uma das autarquias e fundações públicas federais, observando-se em relação aos ex-titulares de cargos ou funções descritos no art. 22 da Lei 9.028/95, a possibilidade de representação, desde que demandados por atos praticados no exercício de atribuições, na defesa do interesse público e enquanto ocupavam os cargos ou funções ali previstos. Trata-se do requisito pessoal[6].
Além disso, é necessário que o agente público pratique o ato no exercício da função pública, isto é, no contexto das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares – requisito funcional (art. 2º).
Outro aspecto a ser analisado compreende o requisito legal do ato praticado, de sorte que o pedido não será atendido se o agente público executar o ato com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou correção (art. 6º, V).
Por fim, haverá de estar presente o interesse público na defesa da legitimidade do ato administrativo. Em outras palavras, as razões que justificam a defesa e manutenção do ato administrativo no mundo jurídico são as mesmas que levam a defesa do próprio agente público. Trata-se do requisito da relevância do ato.
Nesse cenário, a análise do pedido envolve um juízo de valor no caso concreto, inserindo-se em ato discricionário da AGU - PGF[7].
A despeito da discricionariedade da representação judicial, o art. 6º da Portaria nº 408/2009 é taxativo ao vedar a representação judicial nas hipóteses de não terem sido os atos praticados no estrito exercício das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares; não ter havido a prévia análise do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, nas hipóteses em que a legislação assim o exige; ter sido o ato impugnado praticado em dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo; incompatibilidade com o interesse público no caso concreto; conduta com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou correição; que a autoria, materialidade ou responsabilidade do requerente tenha feito coisa julgada na esfera cível ou penal; ter sido levado a juízo por requerimento da União, autarquia ou fundação pública federal, inclusive por força de intervenção de terceiros ou litisconsórcio necessário; que se trata de pedido de representação, como parte autora, em ações de indenizações por danos materiais ou morais, em proveito próprio do requerente; não ter o requerimento atendido os requisitos mínimos exigidos pelo art. 4º; ou o patrocínio concomitante por advogado privado.
Por último, vale anotar que havendo incompatibilidade com os requisitos mencionados, mesmo que posterior à assunção da representação judicial, a PGF poderá abster-se da atribuição.
4. Conclusões
A representação judicial, tema que ainda traz discussões quanto a sua constitucionalidade e legalidade[8], longe de representar um privilégio pessoal ao agente público, destina-se em última análise a conferir a necessária legitimidade e segurança jurídica aos atos praticados, sendo conferida estritamente quanto o agente público figurar no quadro das pessoas que possam ser representadas, que o ato praticado compreenda as atribuições constitucionais, legais ou regulamentares e que esteja presente o interesse público. Ausentes qualquer um dos requisitos, não há espaço para o instituto da representação judicial.
5. Referências bibliográficas
ARAUJO, Nadja. Defesa eleitoral de agente público pelas Advocacias de Estado. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=96270>. Acesso em: 25.ago.2014.
GRANZOTTO, Claudio Geoffroy. Representação judicial do agente público elaborada por membro da AGU – garantia para consecução do interesse público relevante. Revista Virtual da AGU, Ano XI, nº 115, agosto de 2011.
GUEDES, Jefferson Carús , HAUSCHILD, Mauro Luciano. Nos limites da história: a construção da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos. Brasília, UNIP, UNAFE, 2009.
MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. São Paulo: Ltr. 2008.
MACHADO, José Roberto. Defesa de agentes públicos pela Advocacia- Geral da União: Direito subjetivo do agente ou discricionariedade da AGU. Disponível em http://blog.ebeji.com.br/defesa-de-agentes-publicos-pela-advocacia-geral-da-uniao-direito-subjetivo-do-agente-ou-discricionariedade-da-agu/. Acesso em: 25.ago.2014.
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as procuraturas constitucionais. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº 45, 1992.
[1] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. As funções essenciais à justiça e as procuraturas constitucionais. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº 45, p. 41-57, 1992.
[2] ARAUJO, Nadja. Defesa eleitoral de agente público pelas Advocacias de Estado. Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, jan./jun. 2013. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=96270>. Acesso em: 25.ago.2014.
[3] GUEDES, Jefferson Carús, HAUSCHILD, Mauro Luciano. Nos limites da história: a construção da Advocacia-Geral da União: livro comemorativo aos 15 anos. Brasília, UNIP, UNAFE, 2009. p. 88-89.
[4] MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. São Paulo: Ltr. 2008. p. 66.
[5] GRANZOTTO, Claudio Geoffroy. Representação judicial do agente público elaborada por membro da AGU – garantia para consecução do interesse público relevante. Revista Virtual da AGU, Ano XI, nº 115, agosto de 2011.
[6] Art. 3º A AGU e a PGF poderão representar em juízo, observadas suas competências e o disposto no art. 4º, os agentes públicos a seguir relacionados: I - o Presidente da República; II - o Vice-Presidente da República; III - os Membros dos Poderes Judiciário e Legislativo da União; IV - os Ministros de Estado; V - os Membros do Ministério Público da União; VI - os Membros da Advocacia-Geral da União; VII - os Membros da Procuradoria-Geral Federal;VIII - os Membros da Defensoria Pública da União; IX - os titulares dos Órgãos da Presidência da República;X - os titulares de autarquias e fundações federais; XI - os titulares de cargos de natureza especial da Administração Federal; XII - os titulares de cargos em comissão de direção e assessoramento superiores da Administração Federal; XIII - os titulares de cargos efetivos da Administração Federal; XIV - os designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, nos Decretos-Lei nºs 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987; XV - os militares das Forças Armadas e os integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial; XVI - os policiais militares mobilizados para operações da Força Nacional de Segurança; e XVII - os ex-titulares dos cargos e funções referidos nos incisos anteriores.
[7] MACHADO, José Roberto. Defesa de agentes públicos pela Advocacia- Geral da União: Direito subjetivo do agente ou discricionariedade da AGU. Disponível em http://blog.ebeji.com.br/defesa-de-agentes-publicos-pela-advocacia-geral-da-uniao-direito-subjetivo-do-agente-ou-discricionariedade-da-agu/. Acesso em: 25.ago.2014.
[8] A respeito do tema v. ADI 2888/DF e Revista Jurídica Consulex, ano 5, n. 103, p. 22-27, 30.abr.2001. Medida Provisória n. 2.143-31/2001: Advogado-Geral da União e destacados juristas analisam a constitucionalidade e o conflito de interesses.
Procurador Federal, Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais, Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERVO, Fernando Antonio Sacchetim. Representação judicial dos agentes públicos das autarquias e fundações públicas federais pela Procuradoria-Geral Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40844/representacao-judicial-dos-agentes-publicos-das-autarquias-e-fundacoes-publicas-federais-pela-procuradoria-geral-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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