RESUMO: No Brasil, o problema das provas ilícitas está caracterizado, hoje em dia, de acordo com o art. 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988, pela sua inadmissibilidade no processo, porém o rigor do presente dispositivo vem sendo atenuado pela aplicação do que se denominou “teoria da proporcionalidade” que será abordada no presente estudo.
Palavras-chave: Provas Ilícitas. Inadmissibilidade. Teoria da Proporcionalidade.
SUMÁRIO: Introdução. 1- Princípio da proporcionalidade. 1.1 - Princípio da proporcionalidade pro reo. 1.2 - Princípio da proporcionalidade pro societate. Conclusão. Referências Bibliográficas.
No ordenamento brasileiro o problema das provas ilícitas está caracterizado, atualmente, de acordo com o art. 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988, pela sua inadmissibilidade no processo. Diante disso, não há como negar a imperatividade da referida norma constitucional, e por isso, a prova ilícita não tem qualquer valor no processo, ainda que seu conteúdo traga algo verdadeiro.
Contudo sensato é o entendimento de Vicente Greco Filho (apud MENDES, 1999, pp. 172-174) quando diz que: “O texto constitucional não pode ser interpretado de forma rigorosa, pois sempre haverá situações, cujo valor e importância do bem jurídico envolvido, a ser alcançado com a obtenção irregular da prova, levarão os Tribunais a aceitá-la”.
Isso demonstra que a doutrina e a jurisprudência, em cada caso concreto, deverão saber lidar, mediante ponderação e equilíbrio, com o rigor do disposto no art. 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988, através do princípio da proporcionalidade, que é tema do presente artigo.
A teoria, hoje amplamente presente, da não admissão das provas colhidas com infringência às garantias constitucionais, tem sido atenuada por outra tendência, que adota o chamado critério da proporcionalidade, assim conhecido na Alemanha, e denominado princípio da razoabilidade nos Estados Unidos, pelo qual, em certos casos, pode-se admitir a prova obtida ilicitamente, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido.
A ideia de proporcionalidade pode ser encontrada no direito romano, quer nas regras aplicadas pelo pretor, quer na Lei de Talião, ou na própria balança do equilíbrio exibida pela deusa Themis.
Em face do princípio contido no inciso LVI, art. 5º, da Constituição Federal de 1988, observa o ilustre Doutor Celso Ribeiro Bastos (1993, p. 276) que: “deve ceder naquelas hipóteses que a sua observância intransigente levaria a lesão de um direito fundamental ainda mais valorado”.
A aplicação desse princípio permite trazer como premissa a ideia de que nenhum princípio ou direito é absoluto, já que pode sofrer ponderação diante do caso concreto e é justamente essa técnica de ponderação que a sua aplicação acarretará. A técnica da ponderação de interesses à luz do princípio da proporcionalidade consiste em sopesar no caso concreto interesses em conflito e fazer prevalecer aquele que ganha maior relevância, na exata medida da aplicação da norma. Segundo esse princípio não existe propriamente um conflito entre as garantias fundamentais. No caso de princípios constitucionais contrastantes, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização que submete o princípio de menor relevância ao de maior valor social.
Portanto para os adeptos do princípio da proporcionalidade, a proibição das provas obtidas por meios ilícitos é um princípio relativo, que, excepcionalmente, pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de maior relevância ou outro direito fundamental com ele contrastante.
A proporcionalidade não está prevista expressamente na Magna Carta, no entanto, este princípio está inserido na Constituição, juntamente com os demais princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais, de uma forma implícita.
Assim, a princípio da proporcionalidade é direito positivo e garantia de respeito aos direitos fundamentais, e estando certo Bonavides (apud MENDES, 1999, pp. 114 e 115) quando diz: “O princípio da proporcionalidade flui do art. 5º, § 2, da Constituição Federal de 1988, o qual abrange a parte não escrita e não expressa dos direitos e garantias fundamentais”.
Dentro desse quadro de aplicação do princípio da proporcionalidade admitindo excepcionalmente a prova ilícita, há aqueles que defendem a aplicação deste princípio somente quando a prova aparentemente ilícita for colhida pelo próprio acusado, porque, nesse caso, a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa.
Sobre o assunto Grinover (2001, p. 136) assevera:
“Aliás, não deixa de ser em ultima análise, manifestação do princípio da proporcionalidade, a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros”.
No mesmo sentido, Torquato Avolio, ao lembrar que “a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei, é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência” (Provas ilícitas, Revista dos Tribunais, p. 66).
A aceitação do princípio da proporcionalidade pro reo de fato não apresenta maiores dificuldades, como bem retrata Fernando Capez (2012, p. 369):
“A aceitação do princípio da proporcionalidade ‘pro reo’ não apresenta maiores dificuldades, pois o princípio que veda as provas obtidas por meios ilícitos não pode ser usado como um escudo destinado a perpetuar condenações injustas. Entre aceitar uma prova vedada, apresentada como único meio de comprovar a inocência de um acusado, e permitir que alguém, sem nenhuma responsabilidade pelo ato imputado, seja privado injustamente de sua liberdade, a primeira opção é, sem dúvida, a mais consentânea com o Estado Democrático de Direito e a proteção da dignidade humana”.
Se, de um lado, doutrina e jurisprudência são uníssonas em apontar a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado mesmo quando ilícita, do outro há intensa controvérsia quanto a sua adoção em favor da sociedade, ou seja, é extremamente delicada, a questão da adoção do princípio da proporcionalidade pro societate.
Como bem retrata Capez (2012, p.370):
“Aqui, não se cuida de um conflito entre o direito ao sigilo e o direito da acusação à prova. Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal. Quando o conflito se estabelecer entre a garantia do sigilo e a necessidade de se tutelar a vida, o patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz, utilizando seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos. Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, que seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não”.
Embora seja essa teoria bastante defendida por grande parte dos doutrinadores, como a melhor solução para os problemas acerca da admissibilidade ou não das provas obtidas por meios ilícitos, a jurisprudência a adota com restrições.
De fato, a leitura da jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios não autoriza conclusão afirmativa quanto à tese de admissibilidade das provas ilícitas pro societate com base no princípio da proporcionalidade, prevalecendo entendimento de que admitir-se a possibilidade de o direito à prova prevalecer sobre as liberdades públicas, indiscriminadamente, é criar um perigoso precedente em detrimento da preservação de direitos e garantias individuais.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de entender inadequada a aplicação do princípio da proporcionalidade à ordem constitucional brasileira, como norteador a produção de provas ilícitas, no HC 80949/RJ, julgado em 30/10/2001, pois refletiria na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo. Em que pese esse posicionamento, a Corte já aplicou referido princípio em interessante acórdão:
“A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, pode, excepcionalmente, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas” (STF, HC 70.814-5, rel. Min. Celso de Mello, DJU, 24 jun. 1994, p. 16649).
Dentro desse panorama, portanto, é necessário dizer que em razão do princípio que veda a produção de provas ilícitas proteger interesses representados pelas liberdades públicas, tal princípio deve ser respeitado, e somente excepcionalmente, à luz do princípio da proporcionalidade, ser mitigado.
Apesar da Constituição Federal de 1988 vedar em seu artigo 5º, LVI, a admissão das provas obtidas por meios ilícitos, há uma tese que adotando o equilíbrio e a proporcionalidade na avaliação do caso concreto vem mitigado o disposto no referido dispositivo.
Esta teoria da proporcionalidade parece ser a mais sábia e a menos injusta, pois visa atribuir valor às provas, sendo que na medida em que se garante um direito, muitas vezes é preciso restringir outro. Este princípio permite uma ponderação entre direitos e bens violados e assegurados, pois, mediante ele, é que se pode obter um direito verdadeiramente justo.
É importante lembrar que muitos doutrinadores constitucionalistas ensinam que os direitos individuais não são absolutos e quando existir um maior interesse que se contrapõe ao individual este prevalecerá sobre aquele. No entanto, não pode haver uma banalização na aplicação do princípio da proporcionalidade, cabendo ao julgador, sempre colocar na balança os benefícios que a aceitabilidade da prova ilícita (que a princípio deve ser refutada), trará para que seja feito no caso concreto o maior grau de justiça possível.
Em outras palavras, segundo a teoria da proporcionalidade, as provas ilícitas devem ser aceitas quando o bem jurídico alcançado for maior que o direito violado.
Resumindo, a regra é que a prova ilícita em favor da sociedade permaneça vedada, mas a proporcionalidade permita sua admissão excepcionalmente, enquanto que no caso de existência de prova ilícita em favor do réu, esta deva ser admitida em regra.
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
BASTOS, Celso Ribeiro de. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1993.
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CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MENDES, Maria Gilmaíse de Oliveira. Direito à intimidade e interceptação telefônica. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.
____. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br >. Acessado em: 08 jun. 2014.
Funcionária Pública Pertencente a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Habilitada no Exame de Ordem 2006. Formada em Ciências com Habilitação Plena em Matemática pela "Faculdades Integradas Rui Barbosa de Andradina/SP", Ano 1992; Bacharel em Direito pela "Faculdades Integradas Toledo Araçatuba/SP", Ano 2003; Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia em convênio com o Instituto UVB em 2007; Direito Processual: grandes transformações pela Universidade do Sul de Santa Catarina em 2008; Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp em 2012.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZORZAN, Gilcinéia. O princípio da proporcionalidade e as provas ilícitas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40866/o-principio-da-proporcionalidade-e-as-provas-ilicitas. Acesso em: 22 dez 2024.
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