Recentemente, revendo posição rotineiramente repetida em inúmeros julgados da Corte, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento, a meu ver irretocável, no sentido de que para a utilização da prova emprestada, no âmbito do processo civil, deve se exigir apenas a efetivação do contraditório no curso do processo em que se deseja utilizar a prova de natureza documental.
No julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 617.428/SP (j. 04.06.2014), de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deixou de aplicar o entendimento, ainda majoritário na doutrina, no sentido de que a prova emprestada deveria se restringir a processos em que figurassem partes idênticas.
A meu ver, a solução idealizada pela Ministra Relatora, apesar da pouca aceitação doutrinária, merece efusivos aplausos, não só pelo fato de enfrentar paradigma jurisprudencial consolidado e rotineiramente aplicado pelos Tribunais Pátrios, mas, principalmente, pela constatação de que, ao afastar a desnecessária identidade de partes, haverá uma significativa ampliação do conteúdo probatório à disposição do órgão julgador, sem trazer, em contrapartida, prejuízos às partes litigantes no caso concreto.
É de se destacar que o entendimento firmado no julgamento do EREsp 617.428/SP representa uma quebra do paradigma jurisprudencial consolidado não só no próprio Superior Tribunal de Justiça, mas, também, em todos os cinco Tribunais Regionais Federais do país.
Como exemplo, cite-se julgado do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região que retrata a prevalência do entendimento acima identificado, sintetizado no enunciado construído nos seguintes termos: “(...) orientação jurisprudencial de nossos tribunais sedimentou-se no sentido de que é valida a prova emprestada produzida no bojo de outra ação judicial, entre as mesmas partes e idênticos objeto e causa de pedir, respeitado o princípio do contraditório, como no caso”. (AC 0014607-62.2005.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.1194 de 22/08/2012)
No entanto, apesar do inevitável reconhecimento de que a jurisprudência majoritária entende que é mesmo necessária a identidade de partes para a utilização da prova emprestada, pontuam-se julgados das Cortes Superiores que já admitiram a utilização desse mecanismo de produção probatória em demandas em que não há exata coincidência de partes.
Neste sentido, cabe destaque ao julgamento da Apelação Cível nº 0018197-87.2010.4.01.4300[1] pelo E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (j. 14.09.2012), em que o ilustre Desembargador Tourinho Neto, relator do acórdão, identifica a necessidade de utilização da prova de natureza técnica produzida em outro processo, mesmo que não haja exata identidade de partes:
“(...) Em primeiro lugar, entendo que a prova documental carreada pelo Parquet é admissível de modo excepcional, pois é prova emprestada de natureza técnica, e, não, testemunhal, de modo que não se aplica o entendimento de que a prova emprestada só é admissível na demanda integrada pelos mesmos litigantes. Ademais, essa prova está sujeita ao contraditório postergado, não violando, assim, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório” (trecho do voto do ilustre Desembargador Relator).
É relevante compreender que a necessidade de identidade de partes não traz qualquer benefício ao sistema processual adotado, servido tão-somente como barreira – injustificável – a ampla e eficaz produção probatória, servindo como causa de postergação do cumprimento do dever jurisdicional.
Neste sentido, não custa lembrar também que “(...) a admissibilidade da prova emprestada encontra amparo na garantia constitucional da duração razoável do processo, conforme estabelece o artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, porquanto se trata de medida que visa dar maior celeridade à prestação jurisdicional”. (APELREEX 200581010004950, Desembargador Federal Francisco Barros Dias, TRF5 - Segunda Turma, 10/02/2011).
No mais, a necessidade de realização do contraditório no processo em que se pretende provar o fato é suficiente para afastar qualquer tipo de prejuízo que pudesse afetar os litigantes. Justamente por isso, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que independente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial (e único) para o aproveitamento da prova emprestada no Processo Civil.
Feitas essas considerações, transcrevem-se os fundamentos nucleares expostos pela Ministra Nancy Andrighi no relevantíssimo julgamento do EREsp 617.428/SP:
“52. É inegável que a grande valia da prova emprestada reside na economia processual que proporciona, tendo em vista que se evita a repetição desnecessária da produção de prova de idêntico conteúdo, a qual tende a ser demasiado lenta e dispendiosa, notadamente em se tratando de provas pericias na realidade do Poder Judiciário brasileiro.
53. Nesse norte, a economia processual decorrente da utilização da prova também importa em incremento de eficiência, na medida em que garante a obtenção do mesmo resultado útil, em menor período de tempo, em consonância com a garantia constitucional da duração razoável do processo, inserida na Carta Magna pela EC 45 ⁄04.
54. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. No entanto, ao contrário do que pretendem os embargantes, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto.
55. Ora, independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada. Portanto, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo”.
Como fundamento doutrinário, a eminente Ministra cita trecho do estudo dos eminentes processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
“Por fim, cabe imaginar a situação em que se busca emprestar prova de um processo, em que litigaram A e B, para um processo entre A e C, ou para um processo entre C e D. Nessas hipóteses, ou apenas uma das partes é identificada com a do processo em que a prova foi produzida, ou nenhuma das partes é idêntica. Em tais situações, como o contraditório das partes não foi garantido na produção da prova, será necessário examinar se é possível cumprir com tal garantia no processo para o qual se pretende exportar a prova. Sempre que for possível garantir o contraditório – com a mesma eficácia que se teria caso o contraditório houvesse sido observado no processo primitivo – o empréstimo da prova será admissível. Caso contrário, em princípio, a prova emprestada será inviável. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil: Processo de conhecimento, v. 2. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pp. 289-290)
Neste sentido, é fundamental compreender que a identidade de partes não traz qualquer tipo de garantia aos litigantes. A proteção processual é efetivada com a concretização do contraditório, com a mesma eficácia que se teria caso o contraditório houvesse sido observado no processo primitivo.
No meu modo de vista, o grande acerto do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp 617.428/SP é reconhecer que o risco de prejuízo à parte que não participa do processo primitivo, efusivamente sustentado pela doutrina ainda majoritária, deve sucumbir à necessidade de se efetivar a prestação jurisdicional com justeza, celeridade e eficiência.
Não há nenhuma dúvida que na maioria irrefutável dos casos, a repetição na construção do mesmo conjunto probatório representará medida desnecessária, lenta e dispendiosa. Ora, provar aquilo que já se encontra devidamente documentado representa desperdício da energia necessária à efetivação célere e econômica da prestação jurisdicional.
A questão é ainda mais sensível quando se trata de prova técnica, construída no processo primitivo através de conhecimentos específicos e especializados, produzida, na maioria das vezes, com o auxílio de profissional estranho aos quadros do Judiciário. Nesses casos, a ordem de repetição representa, na mais simples das hipóteses, a necessidade de custeio de nova perícia, nomeação de assistentes técnicos, quesitos, impugnações. Além do tempo na solução da demanda, a determinação judicial de reprodução da prova encarece a atividade jurisdicional, afastando-se ainda mais dos estímulos à celeridade e eficiência emanados pelos diversos órgãos centrais do Poder Judiciário.
Nos processos coletivos, e nas chamadas demandas de massa (ou repetitivas), a necessidade de exata identidade de partes é ainda mais insustentável, tendo em vista a similaridade fática constante naquele grande grupo de pessoas, bem como, a presença do efeito multiplicador dessas demandas. Em situações extremas, a exigência poderia até mesmo onerar a tutela de interesses de grupos sociais hipossuficientes. Ora, a prova produzida por determinada associação em processo coletivo contra grupo econômico não poderia ser utilizada por associação de outra região contra outro grupo econômico que sobre ela efetivasse a mesma prática abusiva?
Ante o exposto, verifica-se que o entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EREsp 617.428/SP merece mesmo aplausos, pois, a um só tempo, demonstra a preocupação com a presteza da atividade jurisdicional e com a eficiência dos instrumentos probatórios postos à disposição dos órgãos julgadores.
[1] PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVOS RETIDOS. NULIDADES AFASTADAS. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO. PROVAS INSUFICIENTES DO DANO AO ERÁRIO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A prova documental emprestada é admissível de modo excepcional, pois é prova de natureza técnica, e não, testemunhal, de modo que não se aplica o entendimento de que a prova emprestada só é admissível na demanda integrada pelos mesmos litigantes. Essa prova está sujeita ao contraditório postergado, não violando, assim, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 2[. O autor sustenta sua acusação em provas indiciárias, as quais não foram corroboradas durante a instrução processual, eis que não foram produzidos outros elementos que confirmassem as informações colhidas no inquérito policial. O ônus da prova dos fatos é incumbência do Ministério Público Federal, não podendo haver condenação com base em mera presunção ou ilação. (AC 0018197-87.2010.4.01.4300 / TO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.379 de 14/09/2012)
Procurador do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Federal. Graduado pela Universidade Católica do Estado de Pernambuco.<br>Recife/PE<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARINHO, Jaime Travassos. Da desnecessidade de exata identidade de partes para a utilização da prova emprestada no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40881/da-desnecessidade-de-exata-identidade-de-partes-para-a-utilizacao-da-prova-emprestada-no-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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