RESUMO: No presente artigo faremos um estudo acerca da possibilidade de se interpor simultaneamente, contra a mesma decisão, pela mesma parte, o recurso extraordinário, previsto constitucionalmente no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal (art.102, inciso III da CF/88), e os embargos divergência, cabíveis tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no STF, previstos na legislação processual (art. 496, inciso VIII, e art. 546 do CPC), e regulamentados pelos regimentos internos de ambas as Cortes supramencionadas.
PALAVRAS-CHAVE: Recurso. Extraordinário. Embargos. Divergência. Interposição. Simultânea.
1. INTRODUÇÃO
Os embargos de divergência constituem recurso cabível exclusivamente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o que torna o âmbito do seu cabimento extremamente restrito.
Além disso, a ausência de lei federal que o discipline limita ainda mais as possibilidades de interposição desse recurso.
Esse reduzido espectro de admissibilidade dos embargos de divergência pode ser observado na própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, da leitura, por exemplo, do enunciado das cinco súmulas existentes sobre o tema, apenas um trata de hipótese de cabimento desse recurso (Súmula 316), enquanto todas as outras fixam hipóteses de descabimento (Súmulas 158, 168, 316 e 420)[1].
Assim como não há normatização legal específica sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, também não há regramento normativo sobre o procedimento a ser adotado na interposição desse recurso quando o acórdão do qual se pretende recorrer também é passível de recurso extraordinário. Eis a razão pela qual dedicamos o presente estudo à análise dessa situação processual.
2. A NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA RECURSAL ORDINÁRIA COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Segundo a dicção do art. 102, inciso III da Constituição Federal, compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.
Na lição de Alexandre de Moraes
A Constituição Federal, ao prever o recurso extraordinário de causas decididas em única ou última instância, permite seu cabimento de decisões terminativas, definitivas ou interlocutórias, desde que presentes os requisitos constitucionais.
Além disso, a Constituição não exige que a decisão seja de algum tribunal, mas que tenha sido esgotada a via recursal ordinária, dessa forma cabível o recurso extraordinário das decisões de juiz singular (quando inexistir recurso ordinário) e das Turmas Recursais dos juizados Especiais Criminais e Cíveis[2].
A exaustão das instâncias recursais ordinárias, às quais compete o exame da matéria fática, constitui, portanto, um dos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, uma vez que ao STF, como guardião da Constituição, compete assegurar a supremacia das normas constitucionais.
A necessidade de exaurimento da instância inferior para a interposição do recurso extraordinário constitui entendimento sumulado no âmbito do Pretório Excelso (Súmula 281)[3].
3. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – MECANISMO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
O Código de Processo Civil, em seu art. 496, inciso VIII, bem como no art. 546, prevê o cabimento de embargos de divergência em recurso especial e extraordinário.
Por se tratar de recurso cabível exclusivamente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o legislador processual limitou-se a criar esse recurso, conferindo a ambas as Cortes liberdade para regulamentar o seu processamento.
O Regimento Interno do STJ estabelece que “das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção” (art. 266, caput). Complementa, ainda, o mesmo dispositivo, que o recurso será julgado pela Corte Especial quando a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a própria Corte Especial.
Já o RISTF prevê o cabimento de embargos de divergência contra “decisão da Turma que, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir de julgamento de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal” (art. 330).
Segundo José Carlos Barbosa Moreira (2009, p. 641), “os embargos de divergência visam afastar interpretação divergente do sentido das normas positivas, em tese, nos órgãos do STF e do STJ. Essa é a razão maior da sua existência em nosso sistema processual”[4].
Pode-se concluir, dessa forma, que os embargos de divergência pressupõem identidade de fato e solução normativa diferente[5], constituindo mecanismo de uniformização de jurisprudência, a fim de que o STJ e o Pretório Excelso mantenham a coerência dos seus julgados.
4. A INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO E EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PELA MESMA PARTE CONTRA A MESMA DECISÃO
Antes de se analisar a possibilidade de interposição simultânea do recurso extraordinário e dos embargos de divergência, mister se faz realizar um breve estudo a respeito do princípio da unirrecorribilidade, unicidade ou singularidade dos recursos.
Segundo Theotonio Negrão et al. (2013, p. 630), “de acordo com o princípio da unirrecorribilidade ou unicidade do recurso, contra a mesma decisão não se admite, salvo previsão expressa (v. art. 498), a interposição de mais de um recurso” (art. 496: nota 6)[6].
Leciona, ainda, o mesmo autor, que
nos casos em que uma decisão pode ser objeto de mais de um recurso, costuma haver previsão incentivando (art. 538-caput) ou impondo (art. 498-caput) a apresentação de um apenas depois do desfecho do outro, o que se faz mediante a interrupção (art. 538-caput) ou o sobrestamento do prazo para a interposição de um deles (art. 498-caput)[7].
Na hipótese tratada no presente estudo, embora seja possível interposição de recurso extraordinário e embargos de divergência contra um mesmo acórdão do STJ, não há na lei nem na regulamentação específica, previsão expressa acerca da admissibilidade da interposição simultânea. Igualmente, não há previsão normativa no sentido de que a interposição de um dos dois recursos possa interromper ou suspender o prazo para apresentação do outro, o que tem ocasionado, na prática, a interposição simultânea de recurso extraordinário e embargos de divergência, contra acórdãos do STJ, ainda que se espere que o julgamento de ambos os recursos seja sucessivo.
Esse procedimento tem sido adotado por alguns advogados, provavelmente, com o objetivo de garantir a tempestividade daqueles recursos, uma vez que a ausência de regulamentação acerca da interrupção ou suspensão do prazo decorrente da apresentação de um deles pode gerar receio de perda do prazo para interposição do outro.
Todavia, da análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, conclui-se pela inadmissibilidade da apresentação concomitante dos recursos ora tratados, sendo utilizados pelas referidas Cortes três fundamentos: a aplicação do princípio da singularidade dos recursos, preclusão consumativa ocorrida a partir do protocolo do primeiro recurso e necessidade de se exaurir a instância inferior para a interposição do recurso extraordinário.
PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA E DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA.
1. O princípio da unirrecorribilidade, vigente no sistema processual civil brasileiro, veda, em regra, a interposição simultânea de vários recursos contra a mesma decisão judicial.
2. Assim, a interposição simultânea, contra o acórdão que julgou o recurso especial, de embargos de divergência e recurso extraordinário, acarreta a inadmissibilidade do recurso que foi protocolado por último, ante a preclusão consumativa.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg nos EREsp 511234 / DF)[8]
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA UNICIDADE DOS RECURSOS. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA E DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Interposição simultânea de mais de um recurso contra sentença ou acórdão. Não-cabimento. Princípio da unirrecorribilidade expressamente previsto no Código de Processo Civil de 1939 e implicitamente acolhido pela legislação processual vigente, em razão da sistemática por ela inaugurada e da cogente observância à regra da adequação dos recursos.
2. Embargos de divergência e recurso extraordinário. Interposição simultânea. Impossibilidade. Enquanto não apreciados os embargos opostos pela parte interessada, não se pode afirmar tenha o juízo 'a quo' esgotado a prestação jurisdicional, nem que se cuida de decisão de única ou última instância, pressuposto constitucional de cabimento do extraordinário.
3. Distinção entre o caso 'sub examine' e a hipótese de simultaneidade de embargos infringentes e recurso especial e/ou extraordinário que, quer se entenda ou não como exceção legal à regra da unicidade, não mais subsiste em face da superveniência da Lei 10352/01.
Agravo regimental não provido.
(STF, RE 355.497 AgR/SP)[9]
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o Ministro Celso de Mello, em recentíssima decisão monocrática proferida nos autos do ARE 638.106/PE, asseverou ser incabível a interposição simultânea de embargos de divergência e recurso extraordinário, sob o fundamento de que o prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui, tecnicamente, um dos pressupostos específicos e peculiares ao recurso extraordinário. Asseverou, ainda, o Ministro prolator da decisão
(...) o comportamento processual consistente na utilização concomitante de embargos de divergência e de recurso extraordinário interpostos pela mesma parte e contra a mesma decisão – além de encontrar óbice na Súmula nº 281/STF – importa em evidente transgressão ao postulado da unirrecorribilidade ou da singularidade dos recursos, segundo o qual, “para cada ato judicial recorrível há um único recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a interposição simultânea ou cumulativa de mais outro visando a impugnação do mesmo ato judicial” (NELSON NERY JUNIOR, “Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos”, p. 93, item n. 2.4, 5ª ed., 2000, RT)[10].
5. CONCLUSÃO
Pelo exposto, a despeito da ausência de regulamentação específica das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, bem como da inexistência de previsão normativa no sentido de que a interposição desse recurso possa interromper ou suspender o prazo para apresentação de recurso extraordinário, a jurisprudência do STJ e do STF está consolidada no sentido da impossibilidade de interposição simultânea desses dois recursos.
[1] STJ, Súmula 316: Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial. Súmula 158: Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada. Súmula 168: Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. Súmula 315: Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial. Súmula 420: Incabível, em embargos de divergência, discutir o valor de indenização por danos morais.
[2] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 1.410
[3] STF, Súmula 281: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.
[4] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 641
[5] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 944
[6] NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 45ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 630
[7] Ob. cit. p. 630
[8] STJ, AgRg nos EREsp 511.234/DF, relator Ministro Luiz Fux, Corte Especial, j. 4.8.2004, DJ 20.9.2004, p. 176
[9] STF, RE 355497 AgR/SP, relator Ministro Maurício Corrêa, Segunda Turma, j. 25.3. 2003, DJ 25.4.2003, p. 60)
[10] STF, ARE 638.106/PE, Ministro Celso de Mello, decisão proferida em 10.3.2014, DJe 18.3.2014
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. É cabível a interposição simultânea de Recurso Extraordinário e Embargos de Divergência? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41030/e-cabivel-a-interposicao-simultanea-de-recurso-extraordinario-e-embargos-de-divergencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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