Resumo: Trata-se de estudo sobre a tutela cautelar, abordando-se as suas noções gerais, características e as tendências de alteração deste instituto por meio do Novo Código de Processo Civil que tramita no Congresso Nacional.
Palavras-chave: Tutela Cautelar; Ação cautelar; cautelaridade; novo Código de Processo Civil.
1. INTRODUÇÃO
A entrega da tutela jurisdicional definitiva ocorre após o trâmite regular de todas as etapas do processo, por meio de uma cognição exauriente, com análise profunda de todas as alegações e provas produzidas pelas partes. Porém, em alguns casos, essa tutela definitiva ocorre quando o resultado não é mais útil ao demandante, em razão da demora no pronunciamento final.
O presente texto aborda o estudo da tutela cautelar, que é o instrumento jurídico que permite afastar situações de risco que possam alterar o estado fático relativo a bens e pessoas vinculadas ao processo, assegurando a eficácia da ação principal.
Inicialmente, serão abordadas noções gerais do processo cautelar e da ação cautelar, os requisitos para concessão dessa medida e as suas características. Posteriormente, serão abordadas as tendências de alterações legislativas na disciplina deste instituto no Novo Código de Processo Civil que tramita no Congresso Nacional.
2. PROCESSO CAUTELAR E AÇÃO CAUTELAR
A tutela cautelar é, em regra, concedida no bojo de um processo próprio. Trata-se de um processo autônomo, porém dependente do principal, denominado de processo cautelar. É importante esclarecer que o processo cautelar é a forma de exercício da jurisdição, que é instaurado a partir da ação cautelar. Esta, por seu turno, pode ser definida como o exercício do direito subjetivo e abstrato da parte à tutela jurisdicional.
As ações cautelares não visam antecipar o provimento final para satisfação do direito material pleiteado, mas apenas afastar situações de risco que possam alterar o estado fático relativo a bens e pessoas vinculadas ao processo que poderiam reduzir a eficácia da ação principal. Consequentemente, não se pode buscar, por meio das ações cautelares, o mesmo objeto da sentença de mérito a ser prolatada no processo de conhecimento. Para tanto, deve ser utilizada a via da tutela antecipada. Analisando essa questão, Humberto Theodoro Júnior leciona que:
“Precisamente porque têm apenas caráter 'conservativo', as medidas atípicas não deverão ter conteúdo igual ao da prestação a que corresponde à realização do próprio direito subjetivo que se discute na lide." [1]
A ação cautelar é capaz de desencadear medidas para assegurar provas ou bens, ou para eliminar eventual ameaça de iminente e grave perigo de prejuízo ao interesse buscado no processo principal. Assim, por meio da ação cautelar é possível garantir que o litigante possa efetivamente atingir o resultado almejado, pois de nada adiantaria que a sentença, ao tempo da sua execução, não lhe fosse mais útil e eficaz.
É o caso, por exemplo, do provimento jurisdicional para entrega de uma coisa que pereceu ao longo da instrução do processo. Nesta situação, uma medida cautelar poderia ter assegurado a futura execução para entrega daquela coisa, por meio da apreensão do bem objeto do litígio no processo principal, garantindo a sua conservação e entrega ao vencedor da causa em bom estado.
Neste contexto, verifica-se que a ação cautelar possui fundamental importância para garantir a efetividade da tutela jurisdicional e a justa solução da lide.
3. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR
Para a concessão da tutela cautelar é necessária a presença cumulativa de dois requisitos essenciais: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
A expressão fumus boni iuris significa “fumaça do bom direito”, e corresponde à probabilidade da existência do direito alegado pelo autor. Considerando que a tutela cautelar é uma modalidade de tutela de urgência, não se exige a efetiva comprovação da existência do direito material em risco, cuja análise será feita no processo principal. Caso fosse exigida a certeza sobre o direito material, a tutela cautelar seria absolutamente inócua, pois se igualaria ao processo principal. Por esse motivo, o requisito para a concessão da tutela cautelar é a demonstração da plausibilidade do direito, capaz de ser verificada em análise perfunctória.
Já a expressão periculum in mora, significa “perigo da demora” e consiste no risco iminente de ineficácia do processo principal pelo decurso do tempo. Neste caso, o que está em risco de dano irreparável ou de difícil reparação não é o direito material alegado pelo demandante, e sim a efetividade do processo principal. Na hipótese do próprio direito material encontrar-se em risco, a tutela adequada seria a tutela antecipada, pois permite a sua imediata satisfação. Neste diapasão, o perigo da demora para concessão da tutela cautelar se refere ao fundado receio de dano iminente e grave para a efetividade do processo.
Portanto, para a concessão da tutela cautelar é fundamental a verificação da probabilidade da existência do direito alegado (fumus boni iuris) e do perigo de dano iminente à eficácia do processo principal (periculum in mora).
4. CARACTERÍSTICAS
As principais características da tutela cautelar são a instrumentalidade, a autonomia, a referibilidade, a temporariedade e a revogabilidade.
Considerando que a finalidade do processo cautelar é proteger o processo principal, a primeira característica que se extrai é a instrumentalidade, uma vez que é o instrumento para garantir a efetividade do processo principal onde se busca a satisfação do direito. Como o processo principal também é um instrumento para o exercício da jurisdição, a doutrina se refere ao processo cautelar como instrumento do instrumento, ou, na lição do jurista italiano Piero Calamandrei[2], um instrumento ao quadrado.
A partir do artigo 796 do Código de Processo Civil[3], observa-se que o processo cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e que é sempre dependente daquele. Verifica-se, assim, que há uma autonomia de procedimento e de objeto entre processo cautelar e processo principal, motivo pelo qual a autonomia é apontada como característica do processo cautelar. Em virtude da mencionada dependência do processo principal, surge a característica da referibilidade, ou seja, o processo cautelar está sempre ligado a outro processo, já que visa a adoção de medidas preservativas para a utilidade do processo principal. Sobre esse aspecto, Luiz Guilherme Marinoni leciona que “há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou direito referido não há direito acautelado."[4].
Para alguns doutrinadores, a tutela cautelar seria provisória, pois sua duração está subordinada à do processo principal, ou seja, o provimento cautelar será substituído ou absorvido por outro provimento definitivo. Isso seria decorrência do art. 800, inciso III, do diploma processual civil, que determina que cessa a eficácia da medida cautelar com a extinção do processo principal, com ou sem julgamento do mérito.
Porém, para importante parte da doutrina, a característica do processo cautelar não seria a provisoriedade, e sim a temporariedade. Ovídio Baptista da Silva[5] leciona que o provisório é algo que será substituído pelo definitivo e que o temporário já é definitivo, pois nada virá em seu lugar, mas seus efeitos são limitados no tempo e predispostos à cessação. Assim, para Ovídio Baptista, a tutela cautelar é temporária, cujos efeitos têm duração limitada no tempo e não está sujeita à substituição por algo definitivo.
Logo, o provimento cautelar deve durar o tempo em que permanecer o estado de perigo para a efetividade do processo principal, e não até a sua substituição por outra medida. Na esteira deste raciocínio, verifica-se que a provisoriedade é o traço característico da tutela antecipada e não da tutela cautelar, pois aquela é que será necessariamente substituída por outra medida, ao passo que a tutela cautelar é temporária, com duração transitória. Neste sentido, a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “a eficácia da tutela cautelar se liga ao perigo de dano, tendo com ele uma relação de temporariedade, e não com a sentença de mérito, com a qual teria uma relação de provisoriedade"[6].
Por fim, a revogabilidade está ligada à possibilidade da medida cautelar ser revogada ou modificada a qualquer tempo, conforme previsto no caput do art. 807 do Código de Processo Civil. A medida cautelar observa a cláusula rebus sic stantibus, ou seja, é alterada conforme a alteração do estado fático que a originou. Isso decorre da própria natureza do provimento cautelar, já que desaparecendo o perigo à efetividade do processo, cessa a razão da medida protetiva. Em razão disso, no processo cautelar não há formação de coisa julgada material, pois não examina a pretensão de direito material formulada pelo requerente. O que ocorre é tão somente o reconhecimento da existência da situação de perigo e a determinação de providências para impedir o dano.
5. A EXTINÇÃO DAS CAUTELARES NOMINADAS E A UNIFICAÇÃO PROCEDIMENTAL DAS TUTELAS DE URGÊNCIA
O Projeto de Lei nº 8046/2010[7], que trata do Novo Código de Processo Civil, aprovado na sessão plenária da Câmara dos Deputados em 26 de março de 2014 e atualmente pendente de apreciação pelo Senado Federal, traz importantes alterações na disciplina da tutela cautelar.
As principais inovações sobre a tutela cautelar nesse projeto são: a extinção do Livro do Processo Cautelar, a extinção das cautelares em espécie e a unificação procedimental entre a tutela cautelar e a tutela antecipada.
As extinções do livro autônomo sobre o processo cautelar e das cautelares em espécie não implicam na eliminação da tutela cautelar do processo civil. Pelo contrário, a tutela cautelar subsiste, porém disciplinada na parte geral do Código. Na verdade, o que se pretende é a unificação do procedimento para todas as tutelas de urgência, nelas incluídas as cautelares, com intuito de promover a simplificação procedimental.
A tutela cautelar não será disciplinada de forma autônoma como no atual Código, mas sim em conjunto com a tutela antecipada no título referente à tutela de urgência e tutela da evidência. Confira-se a redação do artigo 277 do referido projeto:
“Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.”
Essa alteração promove uma unificação procedimental entre essas medidas. Na verdade, desde a alteração promovida pela Lei nº 10.444, que introduziu o §7º no art. 273 do Código de Processo Civil[8], houve enfraquecimento do processo cautelar autônomo. Isso porque passou a ser possível a concessão de medida cautelar no bojo do próprio processo principal, por meio da fungibilidade entre tutela cautelar e tutela antecipada. Assim, tornou-se desnecessária a instauração de um prévio processo autônomo para obter medida que pode ser deferida diretamente no processo principal.
No entanto, é necessário frisar que, caso seja definitivamente aprovado este projeto de Código de Processo Civil, não haverá unificação das tutelas cautelar e antecipada, mas apenas a unificação de procedimentos. Com efeito, não haverá alteração na natureza da tutela cautelar e da tutela antecipada, que permanecerão como instrumentos distintos, que devem ser utilizados distintamente em cada caso concreto, conforme a natureza do risco de malefícios do tempo sobre o direito ou sobre a efetividade do processo.
Por fim, a extinção das cautelares em espécie significa o rompimento definitivo com o paradigma da tipicidade das medidas cautelares, que já era atenuado diante da previsão das cautelares inominadas nos artigos 798 e 799 do atual Código de Processo Civil. A ausência de indicação das espécies de tutela cautelar reflete a constatação de que não é possível prever concretamente todas as necessidades de concessão de tutela cautelar. Por outro lado, a previsão genérica da tutela cautelar permite que seja utilizada adequadamente para proteger o direito diante das peculiaridades do caso concreto, evitando-se o seu perecimento diante da insuficiência dos instrumentos legalmente estabelecidos. Dessa forma, é conferida maior importância à efetividade do processo, por meio de uma tutela cautelar adequada, em detrimento de uma prévia definição das formas.
6. CONCLUSÃO
Pelo exposto, conclui-se que a tutela cautelar possui caráter assecuratório da futura eficácia da tutela definitiva, na medida em que assegura a viabilidade da realização do direito pleiteado. Desse modo, configura um importante instrumento da realização do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.
Os requisitos para a concessão da medida cautelar são a probabilidade da existência do direito alegado (fumus boni iuris) e o perigo de dano iminente à eficácia do processo principal (periculum in mora).
Atualmente, pode-se apontar como características da tutela cautelar a instrumentalidade, a autonomia, a referibilidade, a temporariedade e a revogabilidade.
Contudo, verifica-se que há uma forte tendência de alteração deste instituto no novo Código de Processo Civil, cujo projeto tramita no Congresso Nacional. Neste projeto, exclui-se a previsão das cautelares em espécie e suprime-se a disciplina do processo cautelar em livro autônomo. Em decorrência, a tutela cautelar passa a ser disciplinada juntamente com a tutela antecipada, promovendo-se uma unificação procedimental, tornando desnecessário o processo cautelar autônomo.
Nesse cenário, revela-se um novo caminho de simplificação da tutela cautelar, em prol de maior celeridade e efetividade processual.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil – v. III – processo cautelar e procedimentos especiais – 12. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 2. 4.ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – v. 4 – processo cautelar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. t. 1. Campinas: Bookseller, 1998.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. rev., ampl. São Paulo: RT, 2006.
SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3 ed. rev e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil – processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urgência – v. II – 41. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2007
[1] Curso de Direito Processual Civil, v. II, Rio de Janeiro, Forense, 1992, pgs. 377/379
[2] CALAMANDREI, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares. Campinas: Servanda, 2000. p. 41.
[3] Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme in Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória, Ed. RT, pág. 79.
[5] SILVA, Ovídio A. Batista. Processo Cautelar. 3ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 86.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. v. 4. – processo cautelar – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 31.
[7] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267
[8] § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. Tutela Cautelar: noções gerais e tendências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41041/tutela-cautelar-nocoes-gerais-e-tendencias. Acesso em: 23 dez 2024.
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