O Federalismo surgiu nos Estados Unidos após a Revolução de 1776.
Inicialmente, as antigas colônias britânicas mantiverem soberania própria, reunindo-se por meio de uma confederação originada por um tratado internacional.
Todavia, as confederações possuem limitações próprias, sendo que os Estados integrantes mantém sua individualidade e o direito de secessão. Além disso, as medidas tomadas pela Confederação necessitam ser internalizadas nos Estados participantes por leis próprias para se tornarem exigíveis, na medida em que a Confederação não pode legislar para os cidadãos, mas apenas para os Estados.
Isso acarretava o enfraquecimento do pacto entre as antigas colônias, na medida em que as deliberações dos Estados tomadas no seio da Confederação nem sempre eram respeitadas. Existia, ainda, dificuldades para obter recursos financeiros e humanos, agravado pelo fato de a Confederação não possuir renda própria, dependendo do aporte financeiro dos Estados integrantes. Assim, as resoluções da Confederação não possuíam força normativa, não indo além de mera recomendação.
A partir do reconhecimento que a criação de um governo comum, capaz de gerir com eficiência um vasto território, mais bem resguardaria os interesses dos Estados estes se unem, dando origem a um único país, na Convenção da Filadélfia e na Constituição de 1787 criam a forma de Estado denominada Federação.
Com a criação da Federação, os antigos Estados integrantes da Confederação abriram mão da soberania que possuíam, resguardando apenas autonomia. Dessa forma, entregam a um ente central, que denominaram União, poderes necessários ao desempenho das tarefas relativas ao bem comum dos Estados reunidos.
Por outro lado, criaram instrumento por meio do qual poderiam influenciar na formação da vontade da União, com a instituição de representantes dos Estados (Senadores) no Poder Legislativo Federal, o que permite a ingerência dos Estados-membros na legislação federal.
Há que se destacar que a partir da experiência americana, diversos Estados passaram a adotar a forma federativa de Estado, ajustando-a às respectivas necessidades e peculiaridades, de modo que não se pode falar na existência de modelo federativo único. No caso do Brasil, a título ilustrativo, há um terceiro nível de repartição de poder, na medida em que os Municípios (além do Distrito Federal, com envergadura de Estado-membro) integram o federalismo brasileiro.
Todavia, algumas características devem estar presentes para que se reconheça a forma federativa de Estado.
A ideia central é de que na forma Federativa de Estado apenas a União possui soberania, esta definida por José Afonso da Silva como poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação[1]. Essa característica acarreta efeitos profundos tanto plano interno do Estado, quanto no plano do Direito Internacional.
Nesse sentido, leciona o mesmo autor que Estado federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público Internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas do Estado[2] (...)”.
Nota-se, portanto, que a soberania é atributo exclusivo do Estado Federal, sendo que todos os demais entes componentes, incluindo a União, são dotados apenas de autonomia. O que ocorre é que a União, por representar a República Federativa do Brasil no âmbito internacional, exerce (e não possui) a soberania nesse plano.
Alexandre de Moraes diz melhor ao destacar que A União é a entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros e municípios, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado brasileiro. Não se confundindo com o Estado Federal, este sim pessoa jurídica de Direito Internacional e formado pelo conjunto de União, estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Ressalte-se, porém, que a União poderá agir em nome próprio, ou em nome de toda a Federação, quando, nesse último caso, relaciona-se internacionalmente com os demais países[3].
A autonomia no plano interno significa que ambas possuem igualdade jurídica, retirando sua existência, validade e competências do mesmo fundamento legal, na medida em que todos o desenho federativo é insculpido pela Constituição.
Todo Estado é criado a partir de uma Constituição , surgindo no mesmo momento em que esta passa a produzir efeitos. Assim, o Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público externo criado a partir da outorga da Constituição de 1967/1969 é juridicamente diverso daquele surgido a partir da Constituição de 1988.
Dessa forma, todos os entes federativos retiram seu plano de existência e validade da Constituição, que ao criar o Estado promove a repartição de competências, atribuições, bens e rendas entre os entes federativos.
A autonomia significa a descentralização do Poder. Descentralização que vai além da esfera administrativa (que pode ocorrer também no Estado unitário) para atingir também a esfera política. Os Estados e Municípios não apenas executam leis, mas as editam dentro da esfera da competência legislativa que lhe atribuiu a Constituição.
Como decorrência do fato de a União ser autônoma e não soberana em relação aos demais entes federativos tem-se a inexistência de superioridade hierárquica entre leis federais e leis estaduais. O que existe são campos de competência legislativa atribuídos pela Constituição aos entes federados, de forma que no choque entre leis de entes federados diversos deve ser perquirido acerca de quem possui competência para legislar acerca da matéria.
Assim, no Federalismo há mais de uma esfera de poder normativo sobre o mesmo território, cada um exercendo as competências e atribuições que lhe foram outorgadas pela Constituição.
Em razão da autonomia, os Estados-membros possuem o poder de autocomposição e normatização, com constituição própria, respeitados os balizamentos impostos pela Constituição da República consistentes nos princípios constitucionais sensíveis, nos princípios federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos;
Além disso, os Estados possuem autogoverno e autoadministração, com a constituição de Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário próprios e tributos cuja renda lhe são destinadas, inclusive com participação na renda da União por meio dos fundos que mais do que mera concessão de renda dada pelo poder central, lhe pertencem por expresso desenho constitucional.
José Afonso da Silva sustenta que A autonomia federativa assenta-se em dois elementos básicos: (a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que não seja ridiculamente reduzido[4].
Paulo Gustavo Gonet Branco destaca que a existência de mais de uma ordem jurídica vigente sobre o mesmo território demanda a adoção de mecanismos tendentes a evitar conflitos e desperdícios de esforços e recursos, sendo a repartição de competências a atribuição pela Constituição de matérias que sejam próprias a cada ente federativo.
Leciona o mencionado autor que O modo como se repartem as competências indica que tipo de federalismo é adotado em cada país. A concentração de competências no ente central aponta para um modelo centralizador (também chamado centrípeto); uma opção pela distribuição mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros configura um modelo descentralizador (ou centrífugo). Havendo uma dosagem contrabalançada de competências, fala-se em federalismo de equilíbrio[5].
No federalismo clássico, os poderes atribuídos à União eram taxativamente enumerados, na medida em que tais poderes foram cedidos à União pelos estados soberanos, que ao se tornarem autônomos resguardaram todos os demais poderes e demais prerrogativas não atribuídas ao poder central.
Atualmente, todavia, seja por necessidades de defesa externa, seja pela mudança de feição do Estado, que passou a atuar de forma interventiva e dirigente, nota-se uma maior centralização de poderes na União, além da instituição de competências comuns ou concorrentes, na qual tanto a União, quanto os Estados-membros podem atuar.
De forma correlata à repartição de competências, deve haver um sistema de repartição das receitas tributárias que possibilite aos entes federativos renda própria para fazer frente à respectiva competência que lhe foi atribuída. Nesse sentido, fala-se em federalismo fiscal, vedando-se interferência de um ente federativo na competência tributária de outro, bem como se vedando a chamada guerra fiscal.
Outra característica do federalismo é a possibilidade excepcional e taxativa de intervenção federal nos Estados-membros objetivando a manutenção do equilíbrio federativo.
No Brasil, as hipóteses de intervenção federal encontram-se elencadas no artigo 34 da Constituição da República[6]. Já as hipóteses de intervenção dos Estados-membros nos Municípios são previstas no artigo 35, também de forma exaustiva[7].
A intervenção somente poderá ocorrer com o intuito de manter a integridade dos princípios basilares da Constituição. Diante das situações previstas nos artigos mencionados, a União poderá intervir nos Estados e Distrito Federal (na medida em que atualmente na há territórios federais) e os Estado-membros poderão intervir nos Municípios que estejam em seu território.
Há na intervenção a supressão temporária da autonomia política do ente no qual ocorre a supressão, tendo por finalidade, em última análise, resguardar a unidade e harmonia da própria Federação. No caso da intervenção federal, está ocorrerá sob o controle político do Congresso Nacional.
Nesse ponto deve ser lembrado que na Federação, ao contrário do que ocorre na Confederação, não é conferido ao Estado-membro o direito de secessão, sendo a mera tentativa do Estado-membro de apartar-se da Federação hipótese passível de intervenção federal.
Da característica da indissolubilidade do vínculo federativo (no federalismo brasileiro a indissolubilidade é prevista logo no artigo 1° da Constituição da República) decorre a necessidade da existência de um Tribunal (ou mais) de magnitude nacional com competência para julgar as causas decorrentes de conflitos entre os diversos estados-membros ou entre estes e a União, como medida tendente à manutenção da paz e da unidade do território.
Diante das características acima expostas, revela-se possível a adoção de um conceito abrangente de Estado Federal, nos termos propostos por Paulo Gustavo Gonet Branco: É correto afirmar que o Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa, quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estado federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma Suprema Corte com jurisdição nacional e é previsto um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da identidade jurídica da Federação[8].
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Malheiro Editores: São Paulo, 1999. pp. 104.
[2] Idem.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas: São Paulo, 2005. pp 248.
[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Malheiro Editores: São Paulo, 1999. pp. 104
[5] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Bonet Branco. 9ª. ed. São Paulo:Saraiva, 2014. pp. 804.
[6] Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
[7] Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Bonet Branco. 9ª. ed. São Paulo:Saraiva, 2014. pp. 806.
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Aspectos Gerais do Federalismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41043/aspectos-gerais-do-federalismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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