Resumo: No Direito do Trabalho, tendo em vista o princípio da proteção, em regra, não se admite a terceirização de mão de obra. Entretanto, levando-se em consideração a globalização e a necessidade cada vez maior de as empresas se especializarem em sua atividade principal, o instituto passou a ser admitido em algumas situações, com restrições. O presente artigo visa esclarecer as hipóteses de admissibilidade e impossibilidade de terceirização, bem como as suas conseqüências.
Palavras-Chaves: Mao de obra, terceirização, atividade-meio, atividade-fim, conseqüências, Poder Público.
Abstract: In labor law, in view of the principle of protection, as a rule, does not admit the outsourcing of manpower. However, taking into account the globalization and the increasing need for companies to specialize in their main activity, the institute began to be admitted in some cases, with constraints. This article aims to clarify the assumptions of admissibility and impossibility of outsourcing, as well as their consequences.
Sumário: Resumo. Abstract. 1.Introdução. 2. Terceirização lícita. 3. Terceirização de atividade-fim. 3.1 impossibilidade e conseqüências. 3.2 Contrato de trabalho temporário – exceção à regra. 4. A Terceirização de mão de obra em atividades pelo Poder Público. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. Introdução – Noções Gerais
Um dos princípios basilares do trabalho é o princípio da proteção, uma vez que o empregado encontra-se em uma posição de vulnerabilidade perante o empregador. O propósito de tal princípio é “contrabalancear as relações materialmente desequilibradas” (MARTINEZ, 2010, p.79).
Assim, em vista do manto protetivo, no Brasil, em regra, é vedada a terceirização de mão de obra, visto que o vínculo empregatício deve ser formado diretamente entre o empregado e o empregador, verdadeiro beneficiário do labor.
Segundo Adriana Calvo “o direito do trabalho sempre criticou a terceirização sem limites, defendendo que a intermediação de mão de obra ligada à atividade fim da empresa deve ser obtida pela via comum, que é o contrato de emprego, pois não se pode admitir o aluguel de mão de obra” (CALVO, 2013, p. 91-92).
Entretanto, com a finalidade de se adequar a globalização e as necessidades do mercado, a terceirização passou a ser admitida em algumas hipóteses, mas com restrições.
A Súmula 331 do TST, de modo claro, dispõe sobre as situações em que se admite a terceirização no direito do trabalho, bem como as suas conseqüências. Em seus incisos menciona ainda sobre a responsabilidade do Poder Público.
Nesse diapasão, com o fito de esclarecer as controvérsias sobre o tema, no presente artigo serão tratadas as hipóteses em que a terceirização reputa-se lícita, as situações de inadmissibilidade, as suas conseqüências, bem como a responsabilidade do Poder Públicos nos casos de inadimplemento da contratada.
2. Terceirização lícita
De acordo com a Súmula 331 do TST, inciso III, é lícita a contratação por meio de empresa interposta de serviços de vigilância regidos pela Lei nº 7.102, de 20.06.1983, e de conservação e limpeza.
Ressalte-se também que é permitida a terceirização de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
Nessas situações, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta não se forma vínculo de emprego direto com o tomador, entretanto mesmo a terceirização sendo lícita, caso haja inadimplemento da contratada, ocorre a sua responsabilidade subsidiária automática sobre todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Para configuração da responsabilidade subsidiária é necessário que o tomador de serviços participe da relação processual e conste também do título executivo judicial.
3. Terceirização de atividade-fim
3.1 Impossibilidade e consequências
Não se admite terceirização de atividade fim. Maurício Godinho Delgado, da 3ª Turma do TST, no julgamento do ARR: 1174006920135130009, data de Julgamento: 11/06/2014, data de Publicação: DEJT 13/06/2014, conceitua atividade-fim da seguinte forma:
As atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.
Nesse contexto, atividades-fim são atividades preponderantes e principais da empresa, constituem a sua razão de existir, sem as quais não é possível a existência do empreendimento no mundo empresarial.
Dessa forma, levando-se em consideração a sua importância, se houver terceirização de atividade-fim, observados os requisitos da relação empregatícia, o vínculo será formado diretamente com o tomador de serviços.
Entretanto, apesar da proibição, o que se percebe na prática é que há o desvio de finalidade do instituto, isso porque os trabalhadores são contratados para a realização de atividade meio e acabam realizando atividade fim.
Levando-se em consideração o princípio da primazia realidade fática em que prevalece a verdade real sobre a realidade formal, uma vez que a identificação da figura do empregado emerge dos elementos fáticos que efetivamente permearam a relação de emprego, provada a realização de atividade fim, não se pode obstar o vínculo empregatício diretamente com o tomador, eis que este é o beneficiário do labor.
Nesse diapasão, constatada a irregularidade, deve haver a aplicação do art. 9º da CLT que preceitua que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Atitudes ilegais devem ser reprimidas, não se pode admitir o desvirtuamento do instituto em flagrante ofensa as normas e princípios do direito do trabalho.
Verificada a intermediação fraudulenta de mão de obra, esta deve ser reprimida.
3.2 Contrato de trabalho temporário – exceção à regra
Como suso transcrito, é vedada a terceirização de atividade fim. Entretanto há na legislação uma situação permitida que é a contratação de trabalhador temporário disciplinado pela Lei nº 6.019, de 03.01.1974.
Consoante, art. 2º da Lei 6.019/74, “trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços.”
Assim, esse tipo de trabalho é permitido para atender situações peculiares que merecem uma atenção especial. Sua principal característica é a transitoriedade.
Nessa modalidade de contratação o contrato é eminentemente formal, pois “ o contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviço ou cliente deverá ser obrigatoriamente escrito e dele deverá constar expressamente o motivo justificador da demanda de trabalho temporário, assim como as modalidades de remuneração da prestação de serviço.” (art. 9º da Lei 6.019/74).
Também deve ser necessariamente escrito o contrato de trabalho celebrado entre empresa de trabalho temporário e cada um dos assalariados colocados à disposição de uma empresa tomadora (art. 11 da Lei 6.019/74).
Nesse contexto, admite-se a terceirização de atividade fim somente se houver expressamente o motivo justificador da demanda de trabalho temporário, qual seja: necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços. Além disso, a contratação não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego, conforme art. 10 do diploma legal.
Se houver contratação que não se enquadre em uma das hipóteses legais admitidas, reputar-se a ilegal o contrato realizado e formado o vínculo com o tomador.
4. A Terceirização de mão de obra em atividades pelo Poder Público
A Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) em seu art. 37, inciso II, consagrou o princípio da impessoalidade nas contratações de mão de obra do poder público, uma vez que o ingresso nos cargos e empregos públicos se dá mediante concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo as exceções constitucionais.
Desta feita, não observada a exigência constitucional, ocorrendo a contratação irregular do trabalhador, por intermédio de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988), consoante dicção legal exposta na Súmula 331, inciso II, do TST.
Em que pese o óbice intransponível é admitida a terceirização de atividade-meio.
Apesar de existir empecilho à formação do vínculo empregatício diretamente e do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 consignar expressamente que a inadimplência do contratado no que se refere aos encargos trabalhistas e fiscais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, o TST relativizou a norma e entendeu que os entes integrantes do Poder Público respondem subsidiariamente, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.
Vale ressaltar que a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, mas deve-se ficar efetivamente provada a culpa in eligendo e a culpa in vigilando, visto que o que está em jogo é o patrimônio público, fruto do trabalho de milhões de brasileiros.
Enquanto a responsabilidade subsidiária do empregador privado é automática, bastando que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial, a responsabilidade subsidiária do setor público depende de prova inequívoca da negligência.
Insta salientar que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública não resta definitivamente pacificada, uma vez que são constantes os debates em que se procura exclui - lá, pois o STF por meio da ADC 16 declarou a constitucionalidade do parágrafo 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 e o Estado quando realiza licitação não escolhe com quem contratar.
Entretanto aqui é necessário salientar que a declaração de constitucionalidade do parágrafo 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 pelo Supremo em nenhuma hipótese significa que o judiciário trabalhista não possa condenar o poder público ao pagamento das verbas daquele que lhe prestou serviço por meio de empresa interposta, máxime em função da proteção social do trabalhador. Ao revés, à luz do caso concreto, deve o julgador fazer a análise detida das provas dos fatos a fim de verificar o comportamento da Administração Pública desde o processo de licitação até a execução efetiva do contrato.
Aqui se chama atenção para as decisões dos magistrados trabalhistas pelo país afora, que têm aplicado a seu talante Súmula 331 do TST, negando vigência ao parágrafo 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 em confronto ao já decidido pelo Supremo.
Fato é que, após decisão da Corte Maior na ADC 16, é necessária uma maior investigação do Juiz do Trabalho, atentando-se para a busca da verdade real, verificando a distribuição de ônus probatório, jamais se conformando com a mera presunção de que a Administração Pública não exerceu o seu papel vigilante e fiscalizador do contrato administrativo por ela realizado com a empresa prestadora de serviço.
Neste contexto, em linhas sintéticas, apenas se a Administração Pública deu causa ao inadimplemento da obrigação trabalhista por meio de sua omissão ou até mesmo comissão, é que deve ser condenada subsidiariamente.
Se é regra nuclear que todo aquele que, por ato ilícito, causar dano a outro, tem o dever de repará-lo, não seria diferente com o Estado causador do dano se este não exerceu, como manda a lei, o seu papel fiscalizador do contrato administrativo em prol do trabalhador hipossuficiente. Este, por sua vez, lesado pela omissão do Estado, desse pode cobrar subsidiariamente, consoante Súmula 331 do TST.
Portanto, para que o Estado livre-se de condenações trabalhistas em contratos de terceirização, mister se faz uma atuação conjunta e eficaz entre sua procuradoria e demais órgãos públicos. Estes, prestando informações ágeis sobre a fiscalização contratual ao represente judicial do Estado. Aquela, comprovando no processo que de fato houve fiscalização Estatal, apresentando prova documental de certidão de regularidade fiscal e trabalhista da empresa terceirizada, documentação de prova fiscalização mensal da quitação das verbas trabalhistas, notificação da empresa em caso de inadimplemento de tais verbas e medida de bloqueio de verbas em caso de inadimplemento reiterado.
Caso a Administração Pública não se desincumba de seu ônus de prova, necessário ponderar a aplicação do parágrafo 1º do art. 71 da Lei 8.666/93, a fim de que seja aplicado normas constitucionais e legais de responsabilidade previstas, respectivamente, no art. 37, XXI, da Constituição da República; art. 27, IV, 58, III e 67 da Lei de Licitações e Contratos e 186, do Código Civil.
5. Conclusão
No Brasil, apesar de ser admitida a terceirização em algumas situações, o que se verifica na prática é que ocorre o desvirtuamento do instituto, pois são inúmeros os casos em que o trabalhador é contratado para a realização de atividade-meio e acaba realizando atividade-fim, em flagrante ofensa as normas e princípios do direito do trabalho.
Nesse contexto, em vista da vulnerabilidade do empregado, cabe ao Poder Público adotar políticas efetivas de fiscalização do contrato de trabalho para impedir a intermediação fraudulenta de mão de obra.
Quanto à responsabilidade do Poder Público, esta ainda não resta pacificada, sendo objeto de constantes debates entre os operadores do direito, principalmente porque, mesmo após julgamento da ADC 16, ainda condena-se subsidiariamente o Poder Público sem análise detida do conjunto fático-probatório de cada caso concreto.
6. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 de setembro de 2014.
BRASIL. Decreto-Lei N.º 5.452, DE 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. > Acesso em 10 de setembro de 2014.
BRASIL. Lei No 6.019, DE 3 de Janeiro de 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l6019.htm> Acesso em 08 de setembro de 2014.
BRASIL. Superior Tribunal do Trabalho. Súmula 331. Contrato de prestação de serviços. Legalidade. DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html > Acesso em 11 de setembro de 2014.
CALVO, Adriana. Manual de Direito do Trabalho. São Paulo (SP): Saraiva, 2013.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo (SP): Saraiva, 2013.
MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo (SP): Saraiva, 2010.
Procurador Federal, pós graduado em Direito e Processo Civil pela UNICOC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Armstron da Silva Cedrim. Terceirização no Direito do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41050/terceirizacao-no-direito-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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