Resumo: O presente artigo analisa o controle de constitucionalidade das leis como mecanismo necessário para garantir a rigidez e a supremacia da Constituição.
Palavras chave: Constituição, controle de constitucionalidade, rigidez, supremacia.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Considerações sobre o controle de constitucionalidade. 3. Métodos de fiscalização da constitucionalidade. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O controle de constitucionalidade é o instrumento jurídico que possibilita a análise da compatibilidade formal e material das normas jurídicas editadas pelos legisladores perante os dispositivos da Constituição. Por isso, consoante o magistério de Alexandre de Moraes[1], como o controle de constitucionalidade destina-se a verificar a adequação vertical das normas infraconstitucionais e constitucionais editadas pelo Poder Constituinte Derivado com a Carta Magna, confere-se aplicabilidade e respeito ao sistema da hierarquia das normas constitucionais.
A fiscalização da constitucionalidade justifica-se em razão da rigidez da Constituição, que, nos termos do art. 60, da Constituição da República de 1988, somente pode ser alterada por meio de processo legislativo mais dificultoso e solene do que o processo de modificação das normas não incluídas no texto constitucional.
Assim, caso uma norma infraconstitucional, que é produzida por processo legislativo mais simples, atente contra as normas constitucionais, ela será inconstitucional, devendo ser excluída do ordenamento jurídico por meio do mecanismo do controle de constitucionalidade.
Além da rigidez, a Constituição é suprema e situa-se no topo da pirâmide normativa, razão pela qual é fundamento de validade para produção de todas as demais espécies normativas.
2. Considerações sobre o controle de constitucionalidade
Destinando-se à defesa das normas constitucionais, a fiscalização da constitucionalidade é um meio de tutela dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, que atua para afastar possíveis investidas arbitrárias dos poderes constituídos contra a Constituição. Desse modo, além de ser uma garantia da supremacia constitucional, a aferição da constitucionalidade é um valioso mecanismo de defesa dos direitos constitucionais.
Observa-se que nada adiantaria ter uma Constituição intitulada de cidadã, que contempla inúmeros direitos fundamentais, sem um eficiente mecanismo para manutenção de seus próprios dispositivos. Com efeito, o controle de constitucionalidade destina-se a evitar a supressão de direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional.
O controle de constitucionalidade é indiscutivelmente o instrumento mais eficaz que os Estados adotantes de Constituições rígidas possuem para garantir o respeito à supremacia das normas constitucionais, pois é por meio dele que se pode averiguar e corrigir eventuais lesões provocadas pelas normas ordinárias e, até mesmo, constitucionais (aquelas editadas por meio de emendas constitucionais) às normas inseridas na Constituição, que são as normas fundamentais de qualquer Estado[2].
Nessa alheta, são esclarecedores os ensinamentos de Zeno Veloso[3], in verbis:
Nos Estados em que a Constituição é rígida, como vimos acima, para efeito de garantir a compatibilidade vertical, a adequação das normas jurídicas à Lex Fundamentalis, e resguardar o princípio da hierarquia, observada a supremacia da Constituição, há necessidade de ser estabelecido um mecanismo de controle da constitucionalidade. Eduardo García de Enterría expõe que uma Constituição, sem um Tribunal Constitucional que imponha sua interpretação e a efetividade da mesma nos casos questionados, é uma Constituição ferida de morte, que liga a sua sorte à do partido que estiver no poder, o qual impõe, nesses casos, por simples maioria fática, a interpretação que, neste momento, a ele convém.
(...)
O controle da constitucionalidade das leis está intimamente relacionado com o princípio da hierarquia normativa, da supremacia da Constituição. Onde a Constituição não é rígida, mas flexível, não se exigindo nenhum requisito especial para a sua reforma, podendo o Legislativo alterá-la ou emendá-la com a mesma facilidade e da mesma forma com que se fazem ou revogam as leis ordinárias, não se pode falar de controle da constitucionalidade, pela simples razão de não haver gradação entre a norma constitucional e a lei ordinária, e o exemplo expressivo é a Inglaterra, onde o sentimento que empolga é o da supremacia do Parlamento, não havendo lugar para uma fiscalização de constitucionalidade.
Destarte, é evidente que o controle da constitucionalidade é uma necessidade permanente dos Estados em que vigoram a sistemática das Constituições rígidas, que são dotadas de hierarquia constitucional, servindo como escudo protetor das normas fundamentais.
Haverá necessidade de atuação do controle de constitucionalidade toda vez que forem editadas normas ordinárias e emendas constitucionais confrontantes com os dispositivos da Carta Magna. Logo, nos Estados em que inexistir a possibilidade de instaurar-se o controle de constitucionalidade das normas, mesmo que as Constituições sejam formalmente denominadas de rígidas, na prática, elas são flexíveis, porque o legislador possuirá amplos poderes para modificá-las aos seus bel-prazeres, sem necessidade de respeitar as proibições e os limites previstos.
Contudo, embora a fiscalização da constitucionalidade seja umbilicalmente ligada à ideia de Constituições rígidas, nada impede que referido controle tenha plena existência nas Constituições flexíveis.
Ora, a inconstitucionalidade pode ser material ou formal. Aquela ocorre nos casos de incompatibilidade entre o conteúdo de uma norma com a Constituição, e esta nos casos em que a norma é elaborada em desobediência às regras constitucionalmente estabelecidas para o processo legislativo.
Assim, se nos Estados em que vigoram Constituições flexíveis for elaborada alguma norma que desobedeça ao processo legislativo ordinário, é perfeitamente possível o controle de constitucionalidade para afastar do ordenamento jurídico essa norma formalmente inconstitucional.
Na oportunidade, confira o valioso entendimento:
Não seria impensável, todavia, a existência da referida fiscalização nos Estados regulados por Constituições flexíveis. Com efeito, se a inconstitucionalidade material é dependente da rigidez constitucional (incompatibilidade entre o conteúdo da lei ordinária e o da Constituição), a inconstitucionalidade formal pode perfeitamente manifestar-se ainda que em face de uma Constituição flexível. Porque, estabelecido, embora, em normativa constitucional despida de rigidez, determinado procedimento para a elaboração das leis, qualquer violação desse procedimento consistirá em inconstitucionalidade. O mesmo ocorre quanto à violação da norma que dispõe sobre o órgão competente para a produção da lei. A alteração do procedimento ou do órgão competente dependerá de lei criada de acordo com o procedimento e a norma de competência criticados. Como se vê, a Constituição flexível possibilita a emergência de inconstitucionalidade formal, mas jamais de inconstitucionalidade material. A rigidez constitucional, ao contrário, no caso de incompatibilidade, é determinante da emergência das duas espécies de inconstitucionalidade.[4]
A instauração do controle de constitucionalidade para combater as normas elaboradas em afronta aos preceitos do processo legislativo é justificável em razão da previsão, em sede constitucional, de todas as etapas para criação das espécies normativas. Por isso, a violação de dispositivos do processo legislativo também configura violação à própria Constituição, que merece ser corrigida para evitar a ocorrência de manifesto vício de inconstitucionalidade formal.
3. Métodos de fiscalização da constitucionalidade
Não será objeto desse tópico exaurir todos os métodos (tipos) de controle de constitucionalidade existentes nos mais diferentes ordenamentos jurídicos, ficando o estudo limitado à análise dos aspectos subjetivo e formal do controle jurisdicional de constitucionalidade.
Antes, porém, é necessário estabelecer a distinção entre os controles político e jurisdicional de constitucionalidade. A característica marcante do controle político de constitucionalidade é o seu desempenho por um órgão estranho ao Poder Judiciário e aos demais Poderes existentes nos Estados, tal qual ocorre na França. Nesse país, o exame da constitucionalidade das normas é atribuído a um órgão de nítida natureza política, que na grande maioria dos casos é distinto dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em outro sentido, no controle jurisdicional a verificação da compatibilidade das normas editadas pelo legislador infraconstitucional com a Constituição é confiada ao próprio Poder Judiciário.
Voltando ao estudo da verificação dos tipos de controle de constitucionalidade, com relação ao aspecto subjetivo, ou seja, tendo em vista os órgãos judiciários incumbidos da fiscalização da constitucionalidade, ele divide-se nas formas difusa e concentrada.
Pelo meio difuso todos os juízes integrantes do Poder Judiciário podem efetuar a investigação da constitucionalidade das leis, desde que isso seja levado ao crivo do magistrado como questão incidental, inerente à causa de pedir e necessária à decisão do pedido. Haverá controle incidental de constitucionalidade toda vez que o justo e escorreito deslinde de uma demanda depender da análise da constitucionalidade das normas em discussão.
Urge destacar que, na Áustria, a fiscalização difusa de constitucionalidade somente pode ser exercida por juízes integrantes dos tribunais de segunda instância, ao passo que no Brasil mencionada atribuição está difundida entre todos os juízes, inclusive entre os membros de primeira instância.
Noutra vertente, no sistema concentrado o poder de controlar a constitucionalidade das normas restringe-se a um único órgão do Poder Judiciário, a exemplo do que ocorre no Brasil com o julgamento das ações diretas[5] pelo Supremo Tribunal Federal.
Sob o aspecto formal, que é aquele que traduz o modo como a constitucionalidade das leis pode ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário, existem os meios incidental (exercitável por via de defesa) e principal (via de ação direta).
No meio incidental, a questão referente à constitucionalidade das normas é exercitável de modo secundário a uma ação qualquer, cujo objeto principal é a satisfação de um interesse individual, próprio de uma pessoa ou de uma coletividade. A discussão incidente sobre a constitucionalidade das normas é apenas e tão somente a causa de pedir (fundamento) da lide principal.
Na via principal, o objeto da ação é a própria declaração da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo abstrato, ou seja, o pedido limita-se ao reconhecimento da inconstitucionalidade, inexistindo uma situação de fato a ser decidida.
Nesse passo, no método incidente, o controle da constitucionalidade é uma questão acessória, sendo exercido de forma incidental a uma questão de mérito e, no meio principal, o controle é desenvolvido via ação principal, porque seu objeto é justamente a verificação em tese da compatibilidade das normas ordinária e constitucional.
O objeto das ações diretas é realizar um exame rigoroso da adequação vertical, sob os aspectos formal e material, da norma guerreada com a Constituição, não existindo um caso concreto que fundamente seus ajuizamentos. Por consequência, a discussão a ser deduzida nas ações do controle abstrato de constitucionalidade ficará limitada ao cotejo da norma com a Constituição, excluída a análise de um determinado caso concreto.
Assim, como o objeto das ações diretas é somente examinar a compatibilidade das normas com a Constituição, inexiste uma lide intersubjetiva que fundamente o controle abstrato, motivo pelo qual não há partes litigantes, sendo o processo de índole marcadamente objetiva.
Nesse passo, confira:
Como sabemos, a ação direta de inconstitucionalidade é um processo objetivo, sem partes, no significado técnico-jurídico-processual de “partes”, que pode ser instaurado sem uma contenda intersubjetiva, ou seja, sem a necessidade de demonstrar um interesse jurídico específico. O controle abstrato, como sustentou pioneiramente no Excelso Pretório o Ministro Moreira Alves, é ato político. O pedido de informações segue o modelo alemão, no qual é assegurado direito de manifestação aos órgãos que participaram da elaboração do ato normativo impugnado (cf. Art. 77 da Lei do Bundesverfassungsgericht). Portanto, a autoridade da qual emanou o ato, bem como o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, conforme o caso, têm a possibilidade de se manifestar, defendendo, se quiserem, a lei ou ato normativo objeto da ação. Essa manifestação, de qualquer modo, confere um mínimo de contraditório ao processo.
(...)
Vale insistir que nosso controle abstrato, via ação direta, é um processo objetivo, em que se analisa a questão abstratamente. Apura-se a matéria em tese, verificando-se, basicamente, a controvérsia constitucional, ou seja, o antagonismo ou a pertinência, a desarmonia ou a adequação da lei ou do ato normativo federal ou estadual com a Lei Suprema.
A ação direta de inconstitucionalidade tem por objetivo defender a ordem jurídica como um todo, fazer prevalecer o princípio da supremacia constitucional. Suscita-se uma questão de direito. O que se pretende é verificar a compatibilidade da própria norma legal, cotejando-a com a regra ou o princípio constitucional. Efetua-se, afinal, um juízo de conformidade, adequação ou harmonia da lei ou ato normativo com o paradigma, que é o Texto Magno.
Os requerentes, a rigor, não estão defendendo um interesse próprio, ou procurando tutelar direitos subjetivos, como já dissemos, sendo o seu escopo o de proteger a Constituição, preservar sua dignidade, garantir sua supremacia, em nome da segurança do ordenamento jurídico[6]. Grifo nosso
Dessarte, o controle abstrato de constitucionalidade, que se destina à proteção das próprias regras e princípios constantes do texto constitucional, na petição inicial de suas ações não se demonstrará a existência de lesão a direitos próprios ou alheios, mas apenas a incompatibilidade formal e/ou material do dispositivo legal com a Constituição, possuindo o processo natureza objetiva.
Noutro viés, no controle incidental de constitucionalidade, o feito é de natureza subjetiva, porquanto existem partes, interesse intersubjetivo e uma lide concreta a ser decidida em juízo.
4. Conclusões
Em razão da rigidez, a Constituição somente pode ser alterada mediante processo legislativo mais dificultoso e solene do que aquele previsto para edição das normas infraconstitucionais, o que faz com que eventuais investidas de normas ordinárias contra o texto constitucional devam ser retiradas do ordenamento jurídico por meio do controle de constitucionalidade.
Além disso, devido à supremacia constitucional, a Constituição está alocada no cume do sistema jurídico, sendo o fundamento de validade para todos os outros atos normativos, motivo pelo qual qualquer desrespeito às suas prescrições por parte de normas infraconstitucionais não possuem validade, devendo, por conseguinte, serem excluídas do ordenamento jurídico pelo controle de constitucionalidade.
Assim, como o controle de constitucionalidade, que pode ser exercido como questão principal ou incidental, objetiva a preservação da Constituição, é valioso instrumento de defesa dos direitos e garantias fundamentais, pois impede quaisquer lesões às suas prescrições.
5. Referências bibliográficas
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das constituições rígidas. 2. ed. São Paulo: José Buschatsky Editor, 1980.
BARBI, Celso Agrícola. Evolução do Contrôle da Constitucionalidade das Leis no Brasil. Revista de Direito Público, São Paulo, nº 1, p. 34-43, v. 1, 1968.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 de maio de 2014.
BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis. Atualizado por José Aguiar Dias. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução: Aroldo Plínio Gonçalves; 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[1] Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[3] Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[4] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
[5] No presente artigo, a expressão ações diretas refere-se à ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade interventiva e arguição de descumprimento de preceito fundamental.
[6] VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especializando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Luís Henrique Assis. A fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos como garantia da supremacia da Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41055/a-fiscalizacao-da-constitucionalidade-dos-atos-normativos-como-garantia-da-supremacia-da-constituicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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