Resumo: O tema da razoável duração do processo é de fundamental importância no sistema de justiça contemporâneo, cada vez mais preocupado com a efetividade da tutela jurisdicional. O jurisdicionado pretende justiça de forma razoavelmente célere. É a natureza e a complexidade da lide, as características e a conduta das partes envolvidas, o comportamento do juízo e de outras autoridades chamadas a contribuir, em síntese, que auxiliarão a conferir significado à expressão “razoável duração do processo”.
Palavras-chave: Efetividade. Celeridade. Justiça. Emenda Constituiconal nº 45. Razoável duração do processo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os valores da efetividade, da celeridade e da justiça 3. O Direito processual civil brasileiro e a busca pela celeridade e pela efetividade. 4. A Emenda Constitucional 45/04 e a previsão da duração razoável do processo. 5. A garantia da duração razoável do processo no âmbito penal: análise de acórdão do STF. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1. Introdução
O tema da razoável duração do processo tem atraído cada vez mais as atenções de juristas do mundo inteiro. Pretende-se não somente um processo justo, mas igualmente um processo célere, até porque de nada adianta a realização da justiça com o reconhecimento de um direito quando isso ocorre tarde demais.
A celeridade na entrega da prestação jurisdicional, invocando as palavras de Adroaldo Furtado Fabrício, corresponde a um dos mais insistentes e ardorosos “reclamos dos processualistas e dos profissionais do direito em nossos dias, como valor geral a ser perseguido em toda a atividade judiciária. A preocupação com a brevidade é universal e quase obsessiva.”[1]
Alguns chegam inclusive a afirmar que a longa duração dos processos é o problema por excelência da Justiça, do que decorre a tendência generalizada de “sobrepor a necessidade de acelerar a prestação jurisdicional à de aprimorar-lhe a qualidade”. [2]
Na verdade, a morosidade da tramitação dos processos é apenas um dos tantos problemas que assolam o sistema judicial. Além disso, como bem afirma Barbosa Moreira, é falsa a idéia de que “quanto mais célere o processo, melhor é”. Primeiramente, nem todos os jurisdicionados clamam por rapidez na solução dos litígios. No mínimo, um dos litigantes pretende que o feito se prolongue indefinitivamente. A par disso, há uma demora fisiológica, inerente ao sistema processual moderno informado pelo princípio do devido processo legal. E mais: vislumbra-se um verdadeiro hiperdimensionamento da malignidade da lentidão. Rapidez é um dos valores, mas não o único, nem mesmo o valor por excelência. Nessa perspectiva:
se uma justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem. Mas não a qualquer preço.[3]
2. Os valores da efetividade, da celeridade e da justiça
As linhas acima permitem concluir que lidar com o tema da duração razoável do processo implica levar em conta o fator “celeridade”. Mas não só. Tal valor encontra-se umbilicalmente relacionado a outro valor de fundamental relevância no mundo moderno: a efetividade. Aliás, poder-se-ia dizer que a celeridade é um dos pressupostos da própria efetividade da justiça. Consoante o ensinamento de Marinoni,
a demora para a obtenção da tutela jurisdicional obviamente repercute sobre a efetividade da ação. Isso significa que a ação não pode se desligar da dimensão temporal do processo ou do problema para a obtenção daquilo que através dela se almeja.[4]
Em determinadas situações, é possível afirmar inclusive que o provimento judicial só será efetivo se for rápido, ao passo que, em outras, a celeridade é devida em razão da singeleza do litígio, que “dispensa e até desaconselha o caminho longo e talvez tortuoso do trâmite mais solene”[5].
Acelerar a marcha processual, todavia, é questão marcada por vários tormentos. Conferir agilidade ao instrumento processual provoca sérios reflexos no tocante a outros valores igualmente relevantes para o ordenamento jurídico, a iniciar pelo valor “justiça”.
Quando o juiz, suponhamos, concede a antecipação de tutela, está privilegiando a urgência em detrimento de qualquer outro interesse, sem “precisar cogitar da maior ou menor probabilidade de ter razão o requerente” [6]. A cognição apenas sumária dos elementos trazidos aos autos realizada pelo juízo para conferir ou não a tutela prevista no art. 273 do diploma civil pode eventualmente provocar danos à parte adversa. Tal hipótese se daria, por exemplo, em caso de improcedência do pleito do autor, proferido somente após todo o tramitar do processo, com o conhecimento pleno da matéria posta em juízo. É por isso que se exige muita cautela do magistrado ao atender aos reclames por celeridade e efetividade, pois talvez em nome deles poderá estar causando injustiça à parte contrária.
Essa mesma situação também pode ficar evidenciada no caso de indeferimento da produção de alguma prova requerida pelo jurisdicionado sob a justificativa de se tratar de diligência inútil ou meramente protelatória. Sabe-se que ao juízo cabe, em prol da economia processual, negar a produção de material probatório que nada sirva ao processo, com base no art. 130 do CPC. Todavia, o exercício dessa faculdade deve vir fundamentado, até para que se possa efetivamente controlar a razoabilidade do decisum e verificar se porventura a não produção da prova pretendida pela parte – e o conseqüente encurtamento da jornada processual – prejudicará ou não a busca da verdade e da justiça da decisão.
Ao manejo da ponderação entre a celeridade e a justiça também se encontra adstrito o órgão legislativo. Basta pensar à legislação que determinou a sumarização do rito, reduzindo-se o trâmite processual a uma ou no máximo duas audiências, ao cabo da qual é prolatada a sentença, o que vem aliado à vedação da produção de prova pericial. É o que ocorre nos juizados especiais cíveis, introduzidos no ordenamento jurídico pela Constituição de 1998. O intuito do legislador foi justamente o de ampliar o acesso à justiça e abreviar a jornada processual para aquelas lides consideradas de menor complexidade. Evidentemente, quanto maior for o grau de rapidez imprimido ao processamento da lide, maior também será a possibilidade de se cometer alguma injustiça para com alguma das partes. Afinal, o juízo dispõe de pouco tempo para avaliar a matéria; as partes, por sua vez, devem produzir suas provas em uma única audiência, como regra, tomando ciência e pronunciando-se sobre o material probatório trazido pela parte adversária também nessa mesma oportunidade. Se isso redunda em celeridade, nem sempre propicia a tomada de uma decisão bem ponderada e suficientemente fundamentada.
O que justifica o procedimento supra mencionado é justamente a natureza da matéria em discussão. Isso porque, nos casos de menor complexidade, é compreensível que o legislador prime pela celeridade.
É possível concluir, nessa linha de raciocínio, que a questão da duração razoável do processo está intimamente relacionada com os princípios da celeridade, efetividade e justiça. Se não parece razoável que uma causa bastante singela leve anos para ser decidida, da mesma forma não é adequado imprimir ritmo demasiadamente acelerado a uma lide de natureza complexa. Estar-se-ia, nessa última hipótese, atentando sem necessidade contra o valor “justiça”, pois, nesse caso, o princípio da razoável duração do processo estará sendo atendido mesmo com a dilação (mais ou menos profunda) probatória.
3. O Direito processual civil brasileiro e a busca pela celeridade e pela efetividade
O Código de Processo Civil, editado em 1973 com base em projeto elaborado pelo Professor Alfredo Buzaid, já professava o compromisso com a celeridade, como se verifica da previsão, por exemplo, dentre os deveres do juiz, o de velar pela rápida solução do litígio (art. 125, II) e o de denegar toda diligência inútil ou meramente protelatória (art. 130)[7]. Porém, como bem afirma Humberto Theodoro Junior, “sem embargo de todos esses propósitos e mecanismos do CPC de 1973, o ideal de celeridade processual continuou inatingido”. [8]
Em razão disso, nas últimas décadas o legislador introduziu no ordenamento jurídico pátrio várias inovações com vistas à maior celeridade na solução dos litígios, o que, por sua vez, redundaria no acréscimo de efetividade da prestação da tutela jurisdicional.
Poder-se-ia mencionar, nessa linha de raciocínio, o elastecimento da tutela de emergência, garantido-se a antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo jurisdicionado logo no início da ação. Esse mecanismo propicia, para além da redistribuição do ônus do tempo do processo, a eficácia do provimento jurisdicional a ser proferido ao final da ação. Nada satisfaz, por exemplo, o reconhecimento pelo juízo de que o autor tinha razão ao postular a cessação da prática de um ilícito que estava prestes a lhe causar danos quando tal reconhecimento advém em momento em que o efeito danoso já foi produzido. A antecipação dos efeitos da prestação jurisdicional serve justamente a evitar situações como a apenas descrita.
Dignas de registro também as modificações legislativas que romperam com o princípio da tipicidade das medidas executivas e as concentraram já no processo de conhecimento[9]. Evidentemente, o propósito dessas reformas introduzidas no sistema processual brasileiro centrou-se na necessidade de se conferir maior poder ao juiz para a efetiva tutela dos direitos. Nessa linha de raciocínio, não se poderia deixar de mencionar a doutrina de Luiz Marinoni, segundo a qual “a obrigação de compreender as normas processuais a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional e, assim, considerando as várias necessidades de direito substancial, dá ao juiz o poder-dever de encontrar a técnica processual idônea à proteção (ou à tutela) do direito material”.[10]
Há outros dispositivos previstos no diploma processual civil visando garantir o valor “celeridade”, tais como: a audiência de conciliação prevista no art. 331, a citação postal, o julgamento de improcedência de plano, a litigância de má-fé, a ampliação dos títulos executivos extrajudiciais, dentre outras.
Vale referir também que as recentes reformas do Código de Processo Civil revelam a nítida intenção legislativa em conferir eficiência à tramitação dos feitos e evitar a morosidade[11]. A lei 11.187/05, por exemplo, estabeleceu a interposição do agravo retido como regra com o intuito de reduzir os recursos na esfera dos Tribunais, trazendo celeridade ao processo. A lei 11.212/05 simplificou o processo de liquidação de sentença e da execução de títulos judiciais, transformando a execução da sentença condenatória de entrega de quantia pecuniária em apenas uma fase do processo de conhecimento. Extinguiu, pois, a execução de título judicial.
A lei 11.276/06 também instituiu modificações no sistema recursal, ao passo que a lei 11.277/06 teve por objetivo reduzir o tempo de tramitação do processo no primeiro grau de jurisdição nas ações de massa, viabilizando ao juiz proferir de plano sentença de improcedência em casos idênticos àqueles em que já houver se manifestado nesse sentido, dispensando a própria citação, desde que a matéria sub judice seja exclusivamente de direito. A lei 11.280/06, por sua vez, propiciou ao julgador o reconhecimento de ofício da nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, declinando a competência para o juízo de domicílio do réu.
Importante referir ainda a significativa alteração da sistemática relativa à execução dos títulos executivos extrajudiciais provocada pela lei 11.382/06. A norma em questão é responsável por garantir celeridade ao trâmite do processo executivo, prevendo mecanismos hábeis à entrega do bem da vida pretendido pelo exeqüente em momento muito anterior ao previsto na normativa revogada.
Não se poderia deixar de mencionar, evidentemente, que a aceleração do ritmo processual também se fez sentir diante do legislador constituinte. Segundo Barbosa Moreira, a aceleração do ritmo processual representou a prioridade da Emenda Constitucional n. 45[12].
Segundo o renomado autor, algumas inovações da referida EC podem exercer influência benéfica na duração dos processos, tais como as medidas
“tendentes a evitar hiatos no exercício das funções de juízos e tribunais: proibição de férias coletivas (art. 93, XII), obrigatoriedade da distribuição imediata de processos, em todos os graus de jurisdição (art. 93, XV). Na mesma ordem de idéias, merece referência a disposição do art. 93, II, e, onde se nega a possibilidade de promoção ao juiz ‘que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal’, embora a eficiência prática de regras desse tipo costume sofrer a erosão da complacência tantas vezes manifestada pelos órgãos fiscalizadores. Mas a maior aposta da EC 45/2004, em tema de desobstrução dos canais judiciais, e por conseguinte de agilização processual, é sem sombra de dúvida a chamada ‘súmula vinculante’. Simples o raciocínio subjacente: convencendo-se os potenciais litigantes (ou melhor, seus advogados) de que não vale a pena postular em sentido contrário ao adotado na súmula, dada a enorme improbabilidade de vitória, muitas ações deixarão de ser propostas, e muitos recursos de ser interpostos. Consideravelmente aligeirada a carga de trabalho, juízes e tribunais poderão dar conta de suas tarefas com maior celeridade”. [13]
Cumpre referir, ainda seguindo o magistério de Barbosa Moreira, os possíveis inconvenientes das reformas supramencionadas, uma vez que realizadas com base no “argumento empírico sem base empírica”[14]. Em outras palavras, o jurista critica a ausência de dados estatísticos colhidos com boa técnica que possam efetivamente apontar a adequação das mudanças legislativas operadas em solo brasileiro. Prefere-se alterar a legislação e, posteriormente, verificar se atingiu ou não os objetivos planejados, cujos resultados foram previstos apenas de forma intuitiva.
5. A Emenda Constitucional 45/04 e a previsão da duração razoável do processo
A Emenda Constitucional n. 45 foi responsável por agregar ao art. 5º o inciso LXXVIII, que instituiu o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que garantem a celeridade de sua tramitação.
Em realidade, a garantia já integrava o ordenamento jurídico pátrio desde 1992, ano em foram incorporados ao sistema jurídico pátrio o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.
Mesmo sem fazer alusão ao direito internacional, já era possível reconhecer antes do advento da EC 45 a existência do princípio da duração razoável do processo. Isso porque o direito à tempestividade da tutela jurisdicional decorre da própria garantia do devido processo legal e do acesso à justiça. Segundo Luiz Marinoni, o art. 5º, XXXV, da Carta Maior, embora afirme apenas que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, garante a proteção judicial tempestiva[15]. Afinal, de nada adianta garantir acesso ao foro se o reconhecimento do direito postulado pela parte restar pronunciado tarde demais, não lhe trazendo proveito algum. Esse direito fundamental, além de ser dirigido ao Executivo e ao Legislativo, “incide sobre o Judiciário, obrigando-o a organizar adequadamente a distribuição da justiça, a equipar de modo efetivo os órgãos judiciários, a compreender e a adotar as técnicas processuais idealizadas para permitir a tempestividade da tutela jurisdicional, além de não poder praticar ato.” [16]
5. A garantia da duração razoável do processo no âmbito penal: análise de acórdão do STF
A Emenda Constitucional n. 45, ao estabelecer a razoável duração do processo, não fez nenhuma diferenciação entre âmbito civil e penal. Aplica-se, portanto, a ambas as esferas.
Se no âmbito cível parece perfeitamente adequado que o processo seja conduzido em tempo razoável, como já salientando nos capítulos acima, com maior vigor ainda tal assertiva faz-se sentir no ambiente criminal, em que o bem jurídico em jogo é a liberdade de locomoção do indivíduo.
Importa referir, dentro dessa linha, que o prazo razoável estende-se tanto ao acusado preso, como àquele que se encontra em liberdade. Afinal, o próprio tramitar do processo já representa uma espécie de “pena”, ou seja, um verdadeiro fardo para o acusado. Assim, mesmo o réu solto tem o direito de obter uma decisão sobre sua culpabilidade em período razoável.[17] Porém, “é inegável que o direito ao julgamento em um prazo razoável é mais premente para aquele que se encontra preso” [18].
A jurisprudência nacional firmou entendimento de que o prazo máximo para a prisão preventiva, no procedimento ordinário, é de 81 dias. Esse prazo, porém, computa-se somente até o encerramento da instrução acusatória. Ademais, segundo o teor da Súmula nº 21 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez pronunciado o acusado, superado estará o excesso de prazo para efeito de alegação de constrangimento ilegal.
Todavia, em certos casos, o Supremo Tribunal de Justiça vem concedendo hábeas corpus a pacientes presos cautelarmente, em hipóteses em que resta evidenciada lesão aos princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, ofendendo também o direito do réu a um julgamento sem dilações indevidas. Nesse sentido, vale referir a decisão proferida em sede de Hábeas Corpus, de nº 88024/ES, proferida pelo Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 13.06.06 e publicada no Diário Oficial em 16.02.07, cuja ementa vem transcrita abaixo, in verbis:
"HABEAS CORPUS" - ADITAMENTO DA DENÚNCIA - ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA - PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO ART. 384, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP - INAPLICABILIDADE - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A FORMALIZAR NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS QUE FORAM DESCRITOS, COM CLAREZA, NA DENÚNCIA - HIPÓTESE DE SIMPLES "EMENDATIO LIBELLI" - POSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ART. 383 DO CPP - PRISÃO PROCESSUAL - EXCESSO DE PRAZO EM SUA DURAÇÃO - PACIENTES PRESOS, CAUTELARMENTE, HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS - INADMISSIBILIDADE - DESRESPEITO AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - OFENSA AO DIREITO DO RÉU A JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS (CF, ART. 5º, LXXVIII) - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. DENÚNCIA QUE DESCREVE, DE MODO PRECISO, OS "ESSENTIALIA DELICTI" - IRRELEVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA - ADITAMENTO QUE SE LIMITA A CORRIGIR A CAPITULAÇÃO LEGAL DOS DELITOS - "EMENDATIO LIBELLI".
(...) O EXCESSO DE PRAZO, NA DURAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), IMPÕE, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, A IMEDIATA CONCESSÃO DE LIBERDADE AO INDICIADO OU AO RÉU. –
No corpo do acórdão, o Ministro enfatiza que nada justifica a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado está o excesso desarrazoado no tempo de sua segregação cautelar. A excepcionalidade da prisão preventiva inviabiliza a custódia cautelar por tempo excessivo, mesmo em se tratando de crime hediondo ou de delito a este equiparado.
O excesso de prazo, nesse sentido, caso seja exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando de qualquer fato procrastinatório atribuível ao réu - compromete a efetividade do processo. Mas, mais do que isso, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII).
O nobre Relator também enfatiza que a permanência do réu em estabelecimento prisional durante o tramitar da ação penal por tempo demasiado frustra “as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei”.
A prisão cautelar, vale referir, qualquer que seja a modalidade, não pode se transformar em meio de antecipar a execução da própria sanção criminal. Até porque, em caso de improcedência da ação penal, pode ocorrer que sequer o direito à indenização será reconhecido pelo juízo. Ademais, cumpre lembrar que o instrumento de tutela cautelar penal somente se legitima caso se comprove devidamente a sua real necessidade, extraída essa do art. 312 do Código de Processo Penal.
Dessa forma, mesmo não havendo prazo previsto no ordenamento jurídico pátrio limitando o tempo de prisão cautelar, nem por isso o sistema viabiliza que a custódia se dê por tempo indefinido. Isso porque a Constituição determina a razoabilidade da duração do processo, e conseqüentemente, da prisão provisória. Se, porventura, alguém permanece sob julgamento por mais de quatro anos, o que foi o caso na jurisprudência supra apontada, evidentemente que não parece razoável, permanecendo preso por todo esse tempo, continue nessa situação até que o feito atinja sua extinção. Aqui, além de se estar lesando o princípio da razoável duração do processo, estar-se-á lesando também, como bem expresso no acórdão, a própria dignidade da pessoa humana.
Com relação ao tempo da investigação criminal, não há nenhuma prazo previsto na normativa para o seu encerramento. Há, por certo, a previsão do art. 10 do Código de Processo Penal, que determina que o inquérito seja concluído em dez dias caso o indiciado estiver preso, ou trinta, se solto. Porém, como bem lembra José Rogério Cruz e Tucci,
“certo é que, nesses caos, não pode o indiciado continuar sofrendo uma constrição à liberdade e, se não oferecida a inicial acusatória dentro do prazo aludido, deverá ser posto solto. Mas isto em hipótese alguma significa que a investigação será encerrada ao final do termo mencionado, ao contrário, ela se estenderá para que o legitimado ativo possa formar sua convicção.”[19]
6. Conclusão
Do exposto, conclui-se que o tema da razoável duração do processo é de fundamental importância no sistema de justiça contemporâneo, cada vez mais preocupado com a efetividade da tutela jurisdiciona. O que o jurisdicionado pretende, ao provocar o Judiciário, é a devida proteção do direito alegado. Caso esse direito venha reconhecido por meio de decisão judicial, de nada adianta a mera declaração; é necessário que se determinem os meios e técnicas necessárias para garantir-lhe efetividade.
Mas isso não basta. Não há justiça que se sustente quando chega tarde demais. O processo deve tramitar de modo razoavelmente célere. É claro, como já enfatizado ao longo desse trabalho, que haverá casos em que demasiada rapidez redundaria em iniqüidade. Nesse caso, razoável que o trâmite processual se alongue de maneira suficiente a permitir que o juízo forme sua convicção. Em outras hipóteses, não é razoável o prolongamento da jornada processual de modo a permitir rigorosa dilação probatória. É a natureza e a complexidade da lide, as características e a conduta das partes envolvidas, o comportamento do juízo e de outras autoridades chamadas a contribuir, em síntese, que auxiliarão a conferir significado à expressão “razoável duração do processo.[20]
8. Bibliografia
BARBOSA MORERIA, José Carlos. O problema da duração dos processos: premissas para uma discussão séria. In: Revista Magister de Direito Civil e Processo Civil, ano II, n. 12, mai-jun/06.
_________. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo. In: Revista do Processo, ano 30, n. 130, dez.05.
_________. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano VI, n. 35, mai.-jun./05.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: Revista Jurídica, ano 48, n. 277, nov. 2000.
FALLETTI, Elena. Dibattito sulla ragionevole durata del processo tra la Corte Europea dei Diritti dell’uomo e lo Stato italiano. In: Revista da Ajuris, ano XXXIII, n. 101, mar.06.
FURTADO FABRÍCIO, Adroaldo. Breves Notas sobre Provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. In: Revista da Ajuris, v. 23, n. 66, mar./06.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
_________. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. In: Revista da Escola Nacional da Magistratura. Brasília, ano I, n. 01, 2006.
SILVA, Jaqueline Mielke e XAVIER, José Tadeu Neves. Reformas do Processo Civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. In: Revista de Processo, ano 30, n. 125, jul.05.
[1] FURTADO FABRÍCIO, Adroaldo. Breves Notas sobre Provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. In: Revista da Ajuris, v. 23, n. 66, mar./06, p. 19.
[2] BARBOSA MORERIA, José Carlos. O problema da duração dos processos: premissas para uma discussão séria. In: Revista Magister de Direito Civil e Processo Civil, ano II, n. 12, mai-jun]06, p. 27.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: alguns mitos, op. cit., p. 10.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo, v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 224.
[5] FURTADO FABRÍCIO, A., op. cit., p. 19.
[6] FURTADO FABRÍCIO, A., op. cit., p. 20.
[7] THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. In: Revista de Processo, ano 30, n. 125, jul.05, p. 66.
[8] THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. In: Revista de Processo, ano 30, n. 125, jul.05, p. 67.
[9] A exemplo da lei 8.952/94 que deu nova redação ao art. 273 e ao art. 461, acrescentando ou alterando o teor dos parágrafos desses dispositivos e da lei 10.444/02 que acrescentou o art. 461-A. Vale referir ainda as recentes reformas operadas no diploma processual brasileiro, voltadas sobretudo a conferir celeridade e eficiência à tramitação dos feitos (lei 11.187/05, lei 11.232/05, lei 11.276/06, lei 11.277/06, lei 11.280/06).
[10] Marinoni, Luiz Guilherme. A legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. In: Revista da Escola Nacional da Magistratura. Brasília, ano I, n. 01, 2006. Consultar também, do mesmo autor, dentre outras, a obra Técnica Processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
[11] Um breve resumo das reformas legislativas pode ser encontrado na obra Reformas do Processo Civil, da autoria de Jaqueline Mielke Silva e José Tadeu Neves Xavier. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 17-23.
[12] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo.In: Revista do Processo, ano 30, n. 130, dez.05, p. 245.
[13] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo.In: Revista do Processo, ano 30, n. 130, dez.05, p. 245.
[14] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano VI, n. 35, mai.-jun./05, p. 12.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 221.
[16] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 221.
[17] ZAPPALA, Amália Gomes. A garantia da duração razoável do processo e o pronunciado preso. In: Revista IBCCRIM, ano 14, n. 167, out./06, p. 13.
[18] ZAPPALA, Amália Gomes. A garantia da duração razoável do processo e o pronunciado preso. In: Revista IBCCRIM, ano 14, n. 167, out./06, p. 13.
[19] CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia do processo sem dilações indevidas. In: Revista Jurídica, ano 48, n. 277, nov. 2000, p. 19.
[20] FALLETTI, Elena. Dibattito sulla ragionevole durata del processo tra la Corte Europea dei Diritti dell’uomo e lo Stato italiano. In: Revista da Ajuris, ano XXXIII, n. 101, mar.06, p. 342. A autora menciona que a jurisprudência da Corte de Estrasburgo vem determinando o significado de razoável duração do processo com base nesses critérios.
Procuradora Federal. Mestre em Direito pela PUC/RS.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCHINI, Nicole Mazzoleni. A problemática da razoável duração do processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41095/a-problematica-da-razoavel-duracao-do-processo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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