Logo em seu artigo 1°, a Constituição Federal revela a adoção pelo Estado brasileiro da forma de governo republicana.
O princípio republicano vem sendo consagrado no direito pátrio desde a Constituição de 1891, que superou a Monarquia adotada pela Constituição de 1824.
A despeito de não mais constar no núcleo duro da Constituição, não ostentando na atual Carta Política de 1988 a natureza de cláusula pétrea, a forma republicana de governo é considerado princípio sensível da Constituição, podendo ensejar, inclusive, intervenção em ente da federação, em caso de ato que venha atentar contra seus fundamentos.
Geraldo Ataliba entende mesmo que não conste expressamente como cláusula pétrea, o fato de se obstar a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais, faz com que a adoção da república integre o núcleo duro, e virtude da preservação de seus elementos essenciais.
O mesmo autor vai além para sustentar a adoção da república (e da forma federativa de Estado) afeta e permeia todos os institutos jurídicos e influencia o modo como se interpreta todos os demais princípios e regras constitucionais, tamanha sua importância.
A noção de República, enquanto forma de governo, encontra-se atrelada às ideias de res publica (coisa pública) e de igualdade e tem por características a eletividade dos governantes, a temporariedade dos mandatos, a obrigação dos governantes de prestar contas de seus atos e a responsabilidade pela gestão da coisa pública.
Aristóteles entendia possíveis três formas de governo: a monarquia, que seria o governo de um só; a aristocracia, em que o governo seria exercido por mais de um e a democracia, em que o povo seria responsável pela gestão de seus interesses, embora admitindo que as três formas de governo fossem suscetíveis a desvirtuamentos.
Maquiavel volta a tratar do tema, dando à classificação roupagem mais consentânea com as formas do Estado Moderno e entendendo que as formas de governo seriam cíclicas, passando da anarquia para a monarquia, desta para a aristocracia, posteriormente para a democracia e por fim, retornando ao início do ciclo, sendo que o fim de cada fase ocorria pelo desvirtuamento da forma de governo adotada.[1]
Montesquieu, por sua vez, sustentou a existência de três formas de governo: o republicano, o monárquico e o despótico. O governo republicano é aquele em que o povo, como um todo, ou somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a monarquia é aquele em que um só governa, mas de acordo com leis fixas e estabelecidas, enquanto no governo despótico, uma sópessoa, sem obedecer leis e regras, realiza tudo por sua vontade ou seus caprichos.
Como se vê, classicamente, o termo República tem sido empregado como forma de governo contraposta à monarquia[2], na qual o governante ascende ao cargo em virtude de hereditariedade, exerce-o de forma vitalícia, sem prestar contas a representantes populares e sem ser responsabilizado pelos atos de sua gestão.
O advento do ideal republicano e seu desenvolvimento surgiu em decorrência das lutas contra as monarquias absolutistas. Sobretudo a partir do século XVIII intensificaram-se as críticas à forma de governo monárquico, surgindo a república como expressão democracia de governo.
Jose Afonso da Silva, todavia, vislumbra no termo república algo além da mera contraposição à monarquia. Afirma que na acepção com que empregado, o termo República deve ser entendido como forma institucional de Estado que traz ínsita a noção de coletividade política com característica de coisa pública (do povo e para o povo), a ser contraposto não à monarquia, mas sim à tirania.
Assim, tem-se muito claro que a forma de governo diz respeito ao modo como ocorre a investidura no poder, a maneira como o poder é exercido e de que forma se dá a relação entre governantes e governados.
Mais do que a mera tripartição de poderes, a adoção da república como forma de governo exige que a ascensão ao cargo de Chefe do Poder Executivo nas três esferas da federação seja amparada pela legitimação popular, obtida por meio de eleições diretas majoritárias. Não se admite que o cargo seja ocupado por hereditariedade ou por qualquer outra forma de provimento que afaste o povo do processo de escolha.
Além disso, como decorrência corolário do princípio republicano, resulta que o preenchimento dos cargos públicos, salvo exceções constitucionalmente previstas de livre nomeação, não decorre de indicação ou mera vontade do governante. Exige-se para a posse em cargo público a realização concurso, no qual se possibilite a qualquer cidadão interessado, desde que satisfaça as exigências, candidatar-se ao cargo e submeter-se ao processo de seleção.
Na forma republicana o Chefe de Governo possui mandato com prazo certo, com termos de início e fim previamente definidos. Mais do que isso, veda-se a possibilidade de reiteradas reeleições, com o fim específico de evitar que se crie paralelo com a monarquia.
É preciso notar que o princípio republicano não veda a reeleição, mas sim a perpetuação no poder do mesmo Chefe de Governo, tanto que na maior parte das repúblicas democráticas não se veda a reeleição.
Alexis de Tocqueville faz repousar justamente na democracia a possibilidade de que os cidadãos outorguem um segundo mandato ao Chefe de Governo, ao afirmar que impedir que o chefe do poder executivo pudesse ser reeleito pareceria, à primeira vista, contrário à razão. Sabe-se que influência o talento ou o caráter de um só homem exercer sobre o destino de todo o povo, principalmente nas circunstâncias difíceis e em tempo de crise. As leis que proibissem aos cidadãos reeleger o seu primeiro magistrado tirar-lhe-iam o melhor meio de fazer prosperar o estado ou de salvá-lo. Assim, aliás, chegar-se-ia a este resultado estranho: um homem seria excluído do governo no próprio momento em que tivesse acabado de provar que era capaz de bem governar
Além disso, exige que o povo seja representado no Legislativo nas três esferas de governo (no caso brasileiro) em câmara ou assembléia popular (em contrariedade a Senadores, que representam os interesses dos Estados-membros da Federação; ou, por exemplo, à Câmara dos Lordes do parlamento britânico) e que tais os representantes sejam eleitos pelos cidadãos por voto direto (no Brasil não pelo sistema proporciona e também com mandato por prazo certo, temporário, portanto).
Tal viés é tão importante para a configuração, que Celso Bastos define a república como governo em que o poder, temporário, em esferas essenciais do Estado, pertence ao povo ou a um parlamento que o representa. Malgrado se possa afirmar que a parte final do conceito atribui centralidade a aspecto que possui mais ênfase em uma república parlamentarista, é inegável a importância ostentada pela vontade popular na formação da vontade do Estado nessa forma de governo.
Isso decorre do fato de os governantes não serem titulares do Poder, mas meros representantes eleitos para gerir a coisa pública no interesse de seus titulares, o povo.
Nota-se com isso que são muito próximas as noções de república e de democracia. Dalmo de Abreu Dallari entende que essa proximidade decorre justamente da possibilidade de participação do povo no governo, surgindo como símbolo do anseio popular de gerir seu próprio destino, não o depositando o futuro da nação nas mãos de um monarca.
Tendo em vista que a forma republicana de governo surge como expressão da limitação dos poderes dos governantes, só há sentido em se falar em república se presente um Estado de Direito em que o governo seja exercido mediante sujeição a regras que balizem o exercício do poder e mais do que isso, que aos representantes da Administração somente seja dado fazer aquilo que a lei expressamente determine, obstando assim um governo calcado na arbitrariedade[3].
Como decorrência de tal aspecto surge a última característica da forma de governo republicana que é o fato de os Chefes de Governo terem de prestar contas e responderem politicamente pelos atos de seu governo.
Michel Temer bem sintetiza a razão de o agente público ser responsável por seus atos num governo republicano, ao lecionar Aquele que exerce função política responde pelos seus atos. É responsável perante o povo, porque o agente público está cuidando da res pública.
Ou seja, se o agente não exerce suas funções políticas por direito que lhe seja inerente, mas sim por designação do titular do poder, é natural que ele não apenas tenha que prestar contas de seus atos, mas que também possa a ser politicamente responsabilizado por eles.
Geraldo Ataliba destaca que a responsabilização dos Chefes de Governo possui várias feições, sendo política, penal, civil. E destaca que na república os exercentes da função legislativa também poderão ser responsabilizados disciplinar e politicamente, mas não administrativa ou civilmente em virtude das decisões que adotam mediante voto no parlamento.
A justificativa para uma maior responsabilização do Chefe do Executivo comparativamente aos parlamentares reside na ideia de a responsabilidade é a contrapartida dos poderes recebidos para a representação popular. Dessa maneira, sendo necessários a outorga de poderes mais amplos ao Chefe de Governo para que exerça a direção política do Poder Executivo, ser-lhe-á, na mesma medida, ampliada a tomada das contas e a responsabilização por seus atos.
A fiscalização dos atos do Poder Executivo é curial no teoria da separação dos poderes e incumbida tradicionalmente ao Poder Legislativo, solução preconizada também pela Constituição da República na Seção XI do Capítulo I, com a indicação de que os Tribunais de Contas auxiliarão o Legislativo nessa tarefa.
Por outro lado, há a previsão na Seção III do Capítulo II da Constituição de procedimento próprio para apuração dos crimes de responsabilidade[4] ou de infrações penais comuns (praticadas em virtude do mandato, na medida em que na vigência do mandato não poderá ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções).
Esse regime especial de apuração decorre da dificuldade em discernir a natureza política ou penal da infração cometida. E tem por característica a peculiaridade da pena resultante: impeachment, com inabilitação para o exercício da função pública pelo prazo de oito anos.
Mas essa não é a única espécie de responsabilização do Chefe do Executivo. Geraldo Ataliba leciona estar presente também a responsabilidade civil do agente, ao afirmar que O dever de indenizar em ação regressiva por dano causado por ato ilícito aplica-se aos agentes executivos, inclusive presidente e ministros, nos casos de culpa ou dolo (art. 37, § 6°). Nada há que os faça, como os monarca do absolutismo, civilmente irresponsáveis. Pondera que A previsão constitucional do inciso LXXIII do artigo 5° da Constituição fornece – em sua estatura nitidamente republicana – indicações dignas de fecunda meditação Seguramente, os atos lesivos ao patrimônio público, anuláveis por ação popular podem ser também do presidente e seus secretários. Desde que anulados em juízo e configurado o dano com culpa (negligência, imprudência ou imperícia), ou até mesmo mediante crime (de responsabilidade e comum), não há como, em cada hipótese, negar-se a responsabilidade civil (tudo o que aqui se disse do presidente aplica-se aos governadores e aos prefeitos e seus secretários).
Por fim, o mesmo autor sustenta estar presente ainda a responsabilidade administrativa, que abarca mais suas funções administrativas que políticas, esclarecendo que a efetivação da responsabilidade administrativq ocorre por meio dos controles dis atos administrativos pelo Poder Judiciário, podendo ocorrer ainda hipóteses em que a responsabilidade administrativa reste absorvida pelos crimes de responsabilidade.
Referências bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 19ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado. 32ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Bonet Branco. 9ª. ed. São Paulo:Saraiva, 2014.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Editora Atlas: São Paulo, 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed. Malheiro Editores: São Paulo, 1999.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 15ª Ed. Malheiros Editora: São Paulo, 1999.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia da América. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1987.
[1] A partir da noção clássica do modo como as formas se governo podem se deteriorar, Norberto Bobbio leciona que cada uma das três formas tem seu reverso numa forma má, a monarquia na tirania, a aristocracia na oligarquia, a democracia na oclocracia ou governo da ralé.
[2] A monarquia tem desaparecido como forma de governo, de forma mais acentuada a partir do primeiro pós-guerra. Dalmo de Abreu Dallari contabiliza não mais que 20 países que ainda adotam tal forma em algum grau.
[3] A despeito de Bobbio entender que o dilema entre o governo dos homens ou o governo das leis seria contingente à forma de governo, situando-se no modo de governar, a forma como advieram os modernos princípios republicanos, tornam essa forma de governo umbilicalmente ligada ao Estado de Direito.
[4] Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Aspectos Gerais do Republicanismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41096/aspectos-gerais-do-republicanismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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