Resumo: Trata-se de estudo sobre o julgamento antecipado da lide previsto no art. 330 do Código de Processo Civil, abordando-se as suas hipóteses de cabimento e a sua importância como instrumento de realização da celeridade e efetividade da Jurisdição.
O julgamento antecipado da lide, previsto no artigo 330 do Código de Processo Civil, constitui uma etapa do processo na qual o magistrado verifica que estão presentes todos os elementos necessários para proferir imediatamente uma decisão definitiva de procedência ou improcedência do pedido, independente de maior instrução probatória. A denominação desse instituto é fortemente criticada pela doutrina, que prefere referir-se ao “julgamento antecipado do mérito”, tendo em vista que implica na prolação de uma sentença que resolve o mérito da causa.
No curso do procedimento comum ordinário, ultrapassadas as providências preliminares, ou não havendo necessidade delas, será proferido julgamento conforme o estado do processo (art. 328 do CPC). Nesse momento processual, o magistrado deverá proferir uma decisão, que pode culminar no prosseguimento da marcha processual no sentido da instrução probatória, na extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, CPC) ou na prolação de uma sentença com resolução de mérito (art. 269 do CPC). O professor Alexandre Freitas Câmara[1] faz interessante comparação deste momento processual com uma estrada antes retilínea (petição inicial, citação, resposta, réplica) que encontra uma encruzilhada, com três caminhos diversos (três modos de julgamento conforme o estado do processo).
O presente texto aborda uma dessas modalidades de julgamento conforme o estado do processo, qual seja, o julgamento antecipado do mérito. Serão analisadas as duas hipóteses legais de cabimento e a solução jurídica apontada pelo Código de Processo Civil em caso de verificação de parcelas de pedidos incontroversos.
2. HIPÓTESES DE CABIMENTO
As hipóteses de cabimento do julgamento antecipado da lide estão previstas no artigo 330 do CPC, abaixo transcrito:
“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;
II - quando ocorrer a revelia (art. 319)”
Em seguida, passa-se a analisar cada uma dessas hipóteses, isoladamente.
2.1 JULGAMENTO ANTECIPADO EM CASO DE QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO ou sendo desnecessário produzir prova em audiência
A primeira hipótese de julgamento antecipado do mérito ocorre quando a questão é unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.
Quando a controvérsia incide unicamente sobre questões de direito, a matéria de fato é incontroversa. Neste caso, a solução da lide independe da produção de outras provas, já que a instrução probatória destina-se apenas à prova de fatos. Logo, o julgamento dependerá apenas da interpretação do magistrado sobre as normas jurídicas aplicáveis ao caso.
Ainda que exista controvérsia sobre fatos, é possível o julgamento antecipado quando não houver necessidade de produzir prova em audiência. Isso pode ocorrer quando os fatos forem incontroversos ou quando os fatos controvertidos não forem pertinentes e relevantes. Consideram-se impertinentes os fatos não relacionados à causa e impertinentes os que não forem aptos a influir no julgamento do mérito.
Além disso, mesmo que os fatos sejam controvertidos, pertinentes e relevantes, também é possível o julgamento antecipado quando os fatos tenham sido suficientemente comprovados por documentos anexados aos autos capazes de convencer o julgador, tornando desnecessária e irrelevante a produção de outras provas, principalmente a prova oral produzida em audiência.
Como se vê, o julgamento antecipado da lide provoca uma abreviação do procedimento, suprimindo atos processuais destinados à produção de provas distintas daquelas que já integram os autos. Desse modo, caso utilizado de forma precipitada, poderá implicar em cerceamento de defesa e prejuízo da adequada instrução processual. Por esse motivo, é fundamental que seja utilizado com cautela pelo magistrado, evitando-se o indeferimento de provas que possam contribuir para a justa solução da lide.
2.2. JULGAMENTO ANTECIPADO EM CASO DE REVELIA
A segunda hipótese de julgamento antecipado do mérito se refere à revelia. Como se sabe, a revelia ocorre quando o réu, validamente citado, não apresenta contestação tempestiva. Os principais efeitos da revelia são a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 319 do CPC) e o prosseguimento do processo independente de intimação do revel (art. 322 do CPC).
Contudo, ainda que o réu seja revel, é possível que não ocorra a presunção de veracidade dos fatos alegados. A revelia não ensejará o efeito material (presunção ficta), nas seguintes hipóteses previstas no art. 320 do CPC:
“Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:
I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.”
Embora o inciso II do art. 330 não o faça expressamente, para o julgamento antecipado da lide é imprescindível que se produza o efeito material da revelia, ou seja, que ocorra a presunção da veracidade dos fatos alegados. Logo, nas três hipóteses do art. 320 acima transcritas, haverá revelia sem a presunção ficta e, consequentemente, não será cabível o julgamento antecipado do mérito.
Nessa toada, o Projeto de Lei nº 8046/2010 (Novo Código de Processo Civil)[2], que tramita no Congresso Nacional, corrigiu essa impropriedade ao tratar do julgamento antecipado da lide, ao dispor, no inciso II do seu art. 353, que haverá julgamento antecipado da lide “quando ocorrer a revelia e incidirem seus efeitos”.
Na hipótese de cumulação de pedidos em que parte deles se revela incontroversa, enquanto a outra parte ou parcela desses pedidos necessita de maior dilação probatória para esclarecimentos de fatos controvertidos, poder-se-ia vislumbrar hipótese de julgamento antecipado da lide quanto à parcela de pedidos que está pronta para ser julgada.
Neste caso, atentaria contra a própria finalidade do processo sujeitar o autor a aguardar a realização de um direito que não se mostra controvertido, enquanto o processo caminha para a comprovação dos fatos controvertidos referentes a outra parcela de pedidos.
Contudo, a solução adotada pelo Código de Processo Civil nesta hipótese não é o julgamento antecipado da lide, mas sim a tutela antecipada da parcela incontroversa, prevista no §6º do art. 273, que dispõe que “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Verifica-se que o diploma processual civil adotou o princípio da unidade e unicidade da sentença, formulado pelo jurista italiano Giuseppe Chiovenda.
A distinção entre essas duas soluções é que o julgamento antecipado da lide implica na prolação de uma sentença de mérito, apta a produzir coisa julgada material. Por outro lado, a tutela antecipada é uma decisão interlocutória que, neste caso, é dotada de cognição exauriente e baseada em juízo de certeza, ao contrário das demais hipóteses de antecipação de tutela.
Em decorrência, importante doutrina considera que essa decisão não seria tecnicamente uma antecipação dos efeitos da tutela, mas sim um fracionamento do julgamento da causa, com a prolação de sentença parcial de mérito sobre o ponto incontroverso, consistindo em verdadeiro julgamento antecipado da lide. Essa sentença parcial seria apta a produzir coisa julgada e estaria submetida a efetivação por meio de execução definitiva. Essa linha de pensamento foi reforçada pela alteração da redação do §1º do art. 162 do Código de Processo Civil pela Lei nº 11.232/2005, definindo sentença como o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269. Antes dessa alteração, a sentença estava relacionada à extinção do processo. Logo, a partir dessa alteração do conceito de sentença, não haveria óbice para a para a prolação de atos classificados como sentenças no curso do processo.
Em sentido contrário, outra parte da doutrina considera que a tutela antecipada sobre pedido incontroverso não perderia sua natureza de decisão interlocutória, que não é apta a produzir coisa julgada material. Contudo, haveria uma preclusão judicial que impossibilitaria a sua alteração no curso do processo, exceto quanto às questões de ordem pública, que podem ser pronunciadas de ofício a qualquer tempo.
Por todo o exposto, verifica-se que o julgamento antecipado da lide ocorre quando é desnecessária a realização de outros atos processuais para instrução probatória, em razão de já estarem presentes todos os elementos para uma decisão definitiva. Não obstante o Código de Processo Civil denominar esse instituto de julgamento antecipado da lide, trata-se de uma sentença de mérito, com cognição exauriente sobre a matéria, implicando em uma das hipóteses do art. 269 do CPC.
O julgamento antecipado do mérito é possível quando a questão de mérito for unicamente de direito (ou não houver necessidade de produzir prova em audiência) e quando ocorrer os efeitos da revelia. No entanto, no caso de parcelas de pedidos incontroversos, o legislador optou pela via da tutela antecipada de parcela incontroversa (art. 273, §6º do CPC) ao invés do julgamento antecipado da lide.
Embora contribua de forma significativa para a economia processual, deve-se ter cautela na utilização desse instituto para evitar o indeferimento de provas requeridas pelas partes que poderiam contribuir para o esclarecimento de fatos controversos, pertinentes e relevantes. A utilização indevida do julgamento do mérito pode acarretar o cerceamento de defesa, violando os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Portanto, é possível concluir que o instituto analisado neste artigo constitui um importante meio de garantir os princípios da efetividade e da economia processual, sendo um importante instrumento para contribuir com a celeridade processual. Logo, não pode ser interpretado como uma faculdade do julgador, mas sim como um dever legal do Juiz de adequar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, em consonância com o princípio da adaptabilidade do procedimento.
REFERÊNCIAS
ALVIM, Carreira. Código de Processo Civil Reformado, 2004.
CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.1. 10.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 9.ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. t. 1. Campinas: Bookseller, 1998.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. rev., ampl. São Paulo: RT, 2006.
SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3 ed. rev e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
[1] CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v.1. 10.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, pg. 357.
[2] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. O julgamento antecipado da lide Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41109/o-julgamento-antecipado-da-lide. Acesso em: 23 dez 2024.
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