RESUMO: Nesse artigo abordar-se-á duas funções básicas que deve ter uma Constituição. A primeira o controle do poder, seja ele o poder estatal ou o poder social. A segunda a de proteção dos indivíduos por meio de suas liberdades e de sua autodeterminação. Por fim, debate-se em sede de conclusão se a Constituição de 1988 abrangeu foi efetiva com relação a essas duas funções estatais nesses seu mais de 20 anos.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Constituição de 1988. Funções constitucionais. Controle do Poder estatal e social. Proteção do indivíduo.
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em artigos anteriores discutimos acerca da promoção da unidade política[i] e as funções de ordem jurídica e de estabilidade[ii] que devem ter as Constituições em geral, sempre discutindo e comparando com a nossa realidade constitucional brasileira. Nesse passo, vamos analisar outras funções constitucionais não menos importantes como as de limitar e controlar o poder e de garantir a liberdade e autodeterminação dos indivíduos.
As funções de limite do poder e de garantir a liberdade individual, que remontam a própria ideia inicial de Constituição do estado liberal, de certa forma, e como veremos, complementam-se e mutuamente se garantem.
Após o desenvolvimento dessas duas funções iremos concluir analisando a atual situação da realidade constitucional brasileira para saber se estamos cumprindo a bom termos essas funções constitucionais tão importantes e tão bem ressaltadas pela doutrina, mesmo por que a teoria constitucional nunca deve se afastar da realidade fática subjacente as Constituições.
II – LIMITE E CONTROLE DO PODER
A limitação do poder do príncipe é a grande conquista do constitucionalismo liberal advindo da revolução francesa e independência norte-americana, tornando-se até os tempos atuais uma das funções mais importantes da Lei Maior.
Como bem coloca Klaus Stern, "la limitación del poder y el control del processo del poder no son solamente función de la Constituci'n del Estado de Derecho, sino tambiém ao mismo tiempo un objetivo por la rópria libertad del individuo"[iii].
Não somente, como meio de alcançar a liberdade do indivíduo serve a função de limitação do poder, mas, também, para a almejada e, por vezes utópica (nos países em desenvolvimento), sociedade justa e, consequentemente, mais igualitária. Dentro desse ideário, "la mejor manera de alcanzar este objetivo será haciendo constar los frenos que la sociedad desea imoner a los detentadores del poder en forma de un sistema de reglas fijas - < la constitución > - destinadas a limitar el ejercicio del poder político"[iv].
Para garantir e efetivar essa função da Lei Fundamental os revolucionários franceses e os cidadãos das treze colônias do norte da América, basearam-se na doutrina e nos ensinamentos dos teóricos liberais, em especial, no modelo de divisão de poderes lecionado por Montesquieu, resultando no destaque dado a essa pretensão, no artigo 16 da Declaração do Homem do Cidadão.
Como ensina o Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, acerca da presente função da Lei Maior transmutada para o atual contexto histórico e político: “se a constituição perde caráter dirigente é lógico que esta perda de regulação activa seja compensada pelo aumento do poder de controlo da constituição. Quer dizer: a constituição tem agora de se preocupar com o poder não apenas para lhe dar legitimidade mas também para se afirmar definitivamente como uma estrutura básica de controlo”[v].
Nesse atual contexto, pretende a Constituição do Estado democrático de Direito, "institucionalizar sistemas de observação"[vi]. Mantém a Lei Fundamental, tal qual como pretendiam os constitucionalistas liberais, o controle, indispensável, dos poderes oriundos do Estado.
Nesse aspecto, o constitucionalismo liberal conseguiu delimitar o poder do Estado, entretanto, o fenômeno contemporâneo da globalização, muitas vezes escapa ao poder de regulação e limitação da Constituição e de sua força normativa, por vezes, esses novos fatores reais de poder, agem, na própria desconstituição senão da Lei Fundamental, ao menos das normas desta que impedem o livre passeio (e, não raras as vezes impunes) do poder econômico pelo(s) mercado(s).
Para tanto, a Constituição deve supervisionar as forças que emanam dos focos de poder, ou sistemas, da sociedade, que nas palavras de Canotilho:
Estes subsistemas exigiram a institucionalização de formas de controlo ‘débeis` ou à ‘distância` (através de entidades independentes ...). Trata-se, em muitos casos, de um ‘olhar por alto` (citando Pedro Barcelar de Vasconcelos, Teoria Geral do Controlo Jurídico do Poder, Lisboa, 1996, pp. 86 ss, 114 ss.) ou de uma supervisão que, em vez de intervenções políticas autoritárias, discrectas e hierárquicas, prefere procedimentos discursivos possibilitadores de um confronto dos controladores com as regras asseguradoras da reflexibilidade e estabilidade dos vários sistemas sociais[vii].
Ademais, como forma de limite do poder, deve se observar, "la limitación temporal de todos los cargos públicos, una especie de división de poderes en el tiempo en cuanto instrumento para la limitación del poder del Estado mediante la Constitución"[viii].
III – GARANTIR A LIBERDADE, AUTODETERMINAÇÃO E PROTEÇÃO JURÍDICA DO INDIVÍDUO.
Tal como a limitação do poder estatal a liberdade, autodeterminação e proteção jurídica do indivíduo foram destacadas pelo artigo 16 da Declaração francesa, dentro do objetivo do pensamento revolucionário, qual seja, a proteção do indivíduo em face do Estado Absoluto.
Desse modo, foram garantidos, em um primeiro momento, os direitos de liberdade individual e política para burguesia, os novos donos do poder de então.
A limitação do poder estatal é uma das formas de garantir os direitos fundamentais de primeira geração. Mesmo que, de uma forma tímida e circunscrita a classe burguesa, no primeiro momento, o indivíduo, com as conquistas da revolução francesa, passa a ser sujeito da política, não restringindo essa ao poder soberano do príncipe. Posteriormente, com a universalização do sufrágio, estende-se a todas as classes sociais, incluindo-se a mulher, um fundamental instrumento (embora não único) para o exercício dos direitos políticos.
Com o advento da Constituição do Estado Social, vem a idéia da busca da igualdade na sociedade e constante diminuição das diferenças sociais e econômicas. Para os cidadões exercerem a liberdade e autodeterminação, os mesmos devem ter condições materiais e intelectuais similares, sendo esta uma das funções do Estado Social, qual seja, a minoração das desigualdades entre os formalmente iguais.
Além de combater as desigualdades sociais e regionais, cabe à Constituição, para garantir a liberdade e a autodeterminação dos indivíduos, oportunizar instrumentos processuais e acesso à justiça para salvaguarda dos direitos individuais. Assim, merece relevo os remédios constitucionais, tais como o habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, entre outros. São, em suma, direitos fundamentais que visam a garantia dos direitos de liberdades que, por sua vez, pressupõe que seja assigurado direito de acesso à justiça, sem o qual nenhum outro direito violado pode ser salvaguardado.
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, retornando ao questionamento feito se a Constituição brasileira cumpriu, nesses mais de vinte anos de vigência, as funções de limitação do poder e de assegurar as liberdades e autodeterminação dos indivíduos e sua proteção, embora as duas se complementem, como ressaltamos no decorrer do texto, podemos separá-las para analisar se foram ou não realizadas de forma efetiva na realidade nacional.
Posto isso, com relação a limitação do poder podemos, da mesma forma, dividí-lo em poder estatal e e poder social. Com relação aos poderes estatais cada vez mais nossa Constituição vem se tornando efetiva no seu controle, especialmente, com relação aos princípios fundamentais da administração pública esculpidos pelo art. 37. Basta, para tanto, lembrarmos da atuação dos órgão de controle como os Tribunais de Constas, no âmbito da União a Controladoria-Geral, a advocacia pública no controle da legalidade interna e da viabilização das políticas públicas de forma a atender os ditames do ordenamento jurídico, os Ministérios Públicos da União, dos Estados e junto aos Tribunais de Contas, bem como a independência do Poder Judiciário a viabilizar a atuação de todas esses instituições.
No que diz com os poderes sociais o mesmo não pode ser dito, especialmente com relação ao poder econômico e ao poder dos mercados globais. O país e também a sua Constituição não são mais senhores de si e de suas ações e programas. Dependem, em muito, dos rumos da economia mundial e de como os donos dos mercados vem e compreendem a sua política e sua economia, mesmo porque o “alta e desce” das bolsas é não só um movimento econômico como também uma forma de pressão com relação a tomadas de decisões que dos governos.
O melhor exemplo da trajetória constitucional brasileira desde 1988 são as alterações do texto original em dois pontos: o que limitava os juros em 12% e o dispositivo que estabelecia o conceito de empresa nacional. O primeiro, em razão de entendimento do STF de que não seria uma norma dotada de toda a carga eficacial e dependente de regulamentação, não chegou a ser aplicado pela suprema Corte. O segundo, em razão da pressão dos mescados foi alterado por emenda.
Por outro lado, na história constitucional brasileira, com relação a garantia do indivíduos e sua autodeterminação, certamente não temos melhor exemplo mais duradouro e de forma mais efetiva possível que o advindo da experiência, ainda em andamento, da Constituição cidadã de 1988. Há um guarda-chuva de garantias e direitos materiais e substantivos que visam dar proteção aos indivíduos e manter sua mais ampla liberdade de ir e vir e de expressão. Não tivemos nenhuma outra Constituição que teve tamanha eficácia social com relação aos direitos de liberdade e de proteção dos indivíduos.
Desse modo, se com relação a limitação do poder social a Constituição brasileira está presa no atual momento da economia global e refém, em alguns aspectos, das circunstâncias dos mercados, a limitação e controle do Poder estatal, bem como com a eficácia social dos direitos e das liberdades individuais, nunca vislumbramos uma experiência constitucional mais exitosa, muito embora ainda tenhamos muito em que avançar.
IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Livraria Almedina, Coimbra, 1998.
FURIAN, Leonardo. Promoção da unidade política como uma função constitucional. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49709&seo=1>. Acesso em: 02 out. 2014.
___________. A Constituição como ordem jurídica e sua função de estabilidade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49832&seo=1>. Acesso em: 02 out. 2014.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constituición, Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, 2a ed., Editora Ariel, Coleccion Demos, Barcelona, 1976.
STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Republica Federal Alemanha. Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1987.
[i] FURIAN, Leonardo. Promoção da unidade política como uma função constitucional. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49709&seo=1>. Acesso em: 02 out. 2014.
[ii] FURIAN, Leonardo. A Constituição como ordem jurídica e sua função de estabilidade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49832&seo=1>. Acesso em: 02 out. 2014.
[iii] STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Republica Federal Alemanha. Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1987, p. 236.
[iv] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constituición, Trad. Alfredo Gallego Anabitarte, 2a ed., Editora Ariel, Coleccion Demos, Barcelona, 1976, pág. 149.
[v] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Livraria Almedina, Coimbra, 1998, p. 1290.
[vi] Idem, p. 1290.
[vii] Idem, p. 1290 e 1291.
[viii] STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Republica Federal Alemanha, 1987, p. 235 e 237.
Procurador Federal da Adovocacia-Geral da União - AGU, especialista em Direito Público pela Universidade Nacional de Brasília - UNB, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURIAN, Leonardo. Considerações acerca do controle do poder e da garantia da liberdade como funções da Constituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41129/consideracoes-acerca-do-controle-do-poder-e-da-garantia-da-liberdade-como-funcoes-da-constituicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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