RESUMO: Analisa-se, neste trabalho, a estrutura das normas de direitos fundamentais, com ênfase na distinção entre princípios e regras, bem como as consequências que estas diferenciações acarretam na dogmática dos direitos fundamentais, seja em relação ao cabimento de restrições aos direitos fundamentais, à teoria sobre colisões, à delimitação do papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico e, principalmente, à edificação da teoria dos direitos fundamentais. Além disso, faz-se um aprofundamento no estudo das características da teoria dos princípios, especialmente ao se fazer um contraponto com a teoria dos valores.
Palavras-chave: normas de direitos fundamentais; estrutura; princípios; valores.
1. INTRODUÇÃO:
Hodienarmente, inexiste no ordenamento jurídico uma definição precisa entre regras e princípios e uma utilização sistemática dessa distinção, haja vista a existência de uma pluralidade de critérios distintivos, de uma terminologia vacilante e de uma delimitação vaga das regras e princípios em relação a outros institutos jurídicos, tais como os valores.
No caso de colisão entre princípios, indaga-se sob quais condições um princípio deve prevalecer sobre outro e qual deve ceder em detrimento do outro.
Além disso, é imprescindível conhecer a natureza jurídica de uma norma de direito fundamental: seria um princípio ou uma regra?
Nesse diapasão, outros questionamentos precisam ser esclarecidos, quais sejam: o caráter de generalidade é exclusivo dos princípios? ; as colisões entre princípios podem ser resolvidas por meio de declaração de invalidade de um deles?; existem princípios absolutos, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana?; qual a utilidade do conceito de princípio em face de sua amplitude?; como diferenciar valores e princípios, tendo em vista a estrita relação entre princípios e valores, podendo muitas vezes, inclusive, uma palavra ser substituída por outra em certo contexto, sem que haja alteração substancial de seu significado?; o que significa a expressão “valor”? Refere-se ao valor que algo tem ou ao valor que algo é?; as objeções às teorias de princípios e de valores são válidas? e; há um controle racional no sopesamento ou ele fica sujeito ao arbítrio daquele que sopesa os valores e princípios? O sopesamento pode facilitar o subjetivismo e o decisionismo dos juízes?
Primeiramente, temos que princípios e regras são normas, razões para juízos concretos de dever-ser, que podem ser distinguidas por diversos critérios: o da generalidade – princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo; a determinação dos casos de aplicação; a forma de surgimento – normas criadas ou normas desenvolvidas; o caráter explícito do conteúdo axiológico; a referência à ideia de direito ou a uma lei jurídica suprema; a importância para a ordem jurídica; o fato de serem as normas mesmas regras ou razões para regras; e o de serem normas de argumentação ou normas de comportamento, porém o critério que determina realmente esta distinção se baseia em uma diferença qualitativa. Assim, a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não de grau.
Os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, as colisões entre princípios ocorrem na dimensão do peso, sendo as colisões entre princípios solucionadas por um enunciado de preferência: a lei de colisão.
Defende-se aqui que as normas de direitos fundamentais podem possuir a estrutura de princípios, o que ocorre geralmente no caso das normas de direitos fundamentais estabelecidas pela Constituição, ou a estrutura de regras, no caso das normas de direitos fundamentais atribuídas como resultado de sopesamentos.
O caráter prima facie das regras e dos princípios são diferentes, pois estes são razões prima facie, não se referindo a um mandamento definitivo, como ocorre com aquelas, a priori.
O enfraquecimento do caráter definitivo das regras, no caso de introdução de uma cláusula de exceção, não faz com que as regras passem a ter o mesmo caráter prima facie dos princípios, assim como o fortalecimento do caráter prima facie dos princípios, por meio da introdução de uma carga argumentativa, não implica a equivalência do caráter prima facie destes com o das regras.
Os princípios podem ser razões para regras como também razões para decisões concretas, assim como as regras podem ser razões para decisões concretas (normas individuais) como também podem ser razões para outras regras. Contudo, diante do diferente caráter das regras e dos princípios como razões para juízos concretos de dever-ser, tem-se que, em si mesmos, princípios nunca são razões definitivas e, consequentemente, estabelecem apenas direitos prima facie.
Entende-se que o critério de generalidade dos princípios é relativo: não existem princípios absolutos. O conceito de colisão entre princípios pressupõe a validade dos princípios colidentes.
Os princípios podem se referir tanto a direitos individuais como a direitos coletivos, sendo conveniente a existência de um conceito amplo de princípio.
Há uma estrita conexão entre a teoria da proporcionalidade e a teoria dos princípios: a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade e vice-versa, o que, contudo, é válido de forma estrita quando as normas de direitos fundamentais têm caráter de princípio.
A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas, enquanto que as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas.
Não obstante a intrínseca relação entre princípios e valores, existe uma importantíssima diferença quando princípio e valor são vistos com base nos conceitos práticos de deontologia, axiologia e antropologia, encontrando-se os princípios no âmbito da deontologia e os valores na axiologia.
“Valor” pode ser entendido de duas maneiras: algo pode ter um valor ou algo é um valor. Neste passo, existem vários juízos de valoração para o caso de algo ter um valor, já, para se descobrir quando algo é um valor, é necessário se fazer a valoração global de determinada coisa, definindo a relação entre o objeto e os critérios de valoração. Somente os critérios de valoração devem ser designados como “valor”, e não os objetos em si, os quais não são um valor, mas o possuem.
Não é possível uma metrificação no direito constitucional, sendo os juízos comparativos os mais importantes para este ramo do direito.
Por fim, as objeções às teorias valorativas dos direitos fundamentais também podem atingir a teoria dos princípios, dada a semelhança estrutural entre eles, como veremos a seguir.
2. SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES ENTRE REGRAS, PRINCÍPIOS E VALORES:
A distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, haja vista que princípios são mandamentos de otimização: princípios são normas que ordenam a realização de algo na maior medida do possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Desse modo, eles podem ser satisfeitos em diversos graus. As regras, ao contrário, são normas que ou são satisfeitas ou não o são, possuindo um conteúdo mandamental de definitividade.
Percebe-se com clareza a distinção entre os princípios e as regras ao se analisar a forma de solução no caso de um conflito entre regras e no de uma colisão entre princípios.
Um conflito de regras somente pode ser solucionado quando há, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito ou se uma das regras for declarada inválida, observado que não há graduação no conceito de validade jurídica (ou uma norma é válida ou não é). Já na colisão entre princípios, um deve ceder em relação ao outro ao se verificar que um dos princípios tem precedência (peso maior) em face do outro sob determinadas condições, porém não há aqui declaração de invalidade nem introdução de uma cláusula de exceção.
No conflito de regras solucionado pela declaração de invalidade de uma das regras, não há como se precisar de antemão qual das regras deve ser declarada inválida, devendo-se se fazer uso de regras como lex posteriori derogat legi priori e lex specialis derogat legi generali ou de acordo com a importância de cada regra em conflito.
A colisão entre princípios deve ser solucionada pelo sopesamento entre os princípios colidentes na medida de suas possibilidades fáticas e jurídicas, a fim de se definir qual deles tem maior peso no caso concreto, haja vista que, abstratamente, estão no mesmo nível, não possuindo um peso quantificável. Assim, neste caso, um princípio restringe as possibilidades jurídicas de realização do outro. Em outras palavras, a solução para a colisão de princípios consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada (ou de precedência concreta ou relativa) entre os princípios, para saber qual deles deve prevalecer, com base nas circunstâncias do caso concreto, ou seja, a precedência de um princípio sobre outro pode mudar de acordo com as condições do caso concreto.
A estrutura das soluções de colisões entre princípios se resume em uma “lei de colisão”, que consiste em um enunciado de preferência acerca de uma relação condicionada, do qual decorre uma regra, que, diante da presença da condição de precedência, prescreve a consequência jurídica do princípio prevalente. Assim, as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio prevalente. A lei de colisão reflete, assim, a natureza dos princípios como mandamentos de otimização, tendo em vista que tem como pressupostos a inexistência de relação absoluta de precedência e a referência a ações e situações não quantificáveis.
A lei de colisão, ao estabelecer relações concretas de precedência, não conduz a preferências e cedências generalizantes, pois se relacionam a direitos fundamentais específicos. Assim, o estabelecimento de uma restrição, com base na lei de colisão, não é tudo ou nada, mas sim um problema de afastamento de um direito fundamental em relações individuais, levando em consideração as condicionantes do caso concreto.
As normas de direitos fundamentais referem-se tanto às normas estabelecidas diretamente pela Constituição como às normas atribuídas. Uma norma de direito fundamental atribuída, ou seja, uma norma que possui uma correta fundamentação nos direitos fundamentais pode ser resultado de sopesamentos. Em outras palavras, como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais, pode ser formulada norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido, como se fosse uma norma positiva.
Os princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, representando razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. Os princípios, portanto, não dispõe da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas. As regras, ao contrário, contêm um mandamento definitivo prima facie, pois exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam: elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades fáticas e jurídicas.
Contudo, há exceções ao caráter prima facie dos princípios e das regras. No âmbito das regras, há a possibilidade de se estabelecer uma cláusula de exceção em uma regra quando da decisão de um caso, o que faz com que a regra perca seu caráter prima facie de definitividade. Tal fato, contudo, não implica que as regras passem a ter o mesmo caráter prima facie dos princípios, pois, mesmo nestes casos, a regra não é superada pura e simplesmente por se atribuir um peso maior ao princípio contrário ao princípio que sustenta a regra, o que apenas ocorreria se fossem superados seus princípios formais. [1]
O fortalecimento do caráter prima facie dos princípios, que pode se dar por meio de uma carga argumentativa a favor de determinados princípios, por sua vez, não faz com que os princípios adquiram o caráter prima facie de definitividade das regras, pois, mesmo neste caso, há necessidade de definir as condições de precedência dos princípios no caso concreto. Assim, o caráter prima facie das regras continua sendo muito mais forte e fundamentalmente diferente do caráter prima facie do princípio confirmado pela regra sobre ônus argumentativo.
Sempre que um princípio for uma razão decisiva para um juízo concreto de dever-ser, esse princípio então será o fundamento de uma regra, que representa uma razão definitiva para esse juízo concreto. Em outros termos, o caminho que vai do princípio, do direito prima facie, até o direito definitivo passa pela definição de uma relação de preferência, que é, segundo a lei de colisão, a definição de uma regra. Ou seja, isoladamente considerados, os princípios nunca são razões definitivas, estabelecendo, assim, apenas direitos prima facie.
Os princípios são gerais quando ainda não estão em relação com as possibilidades dos mundos fático e normativo, porém, a partir do momento em que se relacionam com os limites fáticos e jurídicos, há um sistema diferenciado de regras, podendo haver normas de alto grau de generalidade que não são princípios.
As colisões entre princípios ocorrem sempre no interior do ordenamento jurídico, por isso pode-se dizer que princípios colidentes são sempre válidos, o que refuta a objeção de invalidade dos princípios.
Afasta-se a objeção de que os princípios são absolutos ao se considerar um ordenamento jurídico que inclua direitos fundamentais, os quais podem se referir a direitos coletivos ou a direitos individuais, pois não podem coexistir direitos individuais absolutos nem podem direitos coletivos imunes aos limites dos direitos fundamentais.
O princípio que se refere a direitos coletivos exige a criação ou a manutenção de situações que satisfaçam, na maior medida possível e diante das possibilidades jurídicas e fáticas, critérios que vão além da validade ou da satisfação dos direitos individuais. Assim, os princípios não podem ficar atrelados apenas aos direitos individuais.
A máxima proporcionalidade que compreende as máximas parciais da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, decorre da natureza dos princípios, enquanto mandamentos de otimização, segundo Alexy. [2]
Quando uma norma de direito fundamental principiológica colide com outro princípio, aplica-se a máxima da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do princípio antagônico. Como para se chegar a uma decisão, é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão, temos que o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com os princípios antagônicos. Por conseguinte, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito é deduzível do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais em face das possibilidades jurídicas, ao passo que a adequação e a necessidade decorrem da natureza dos princípios em face das possibilidades fáticas.
Os conceitos antropológicos, menos importante nesse estudo, se referem aos conceitos de vontade, interesse, necessidade e ação; já os conceitos deontológicos e os axiológicos possuem uma relevância vital para a diferenciação entre princípios e valores, uma vez que os princípios pertencem ao âmbito deontológico, pois expressam mandamentos de otimização, ligados ao conceito de ser ou de dever-ser, enquanto os valores estão ligados ao conceito de bom, constituindo, portanto, um conceito axiológico.
Em se tratando de algo que tem um valor, há três juízos de valoração: o classificatório, através do qual se pode afirmar que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; o comparativo, no qual se atribui a um objeto um valor maior ou menor que o de outro; e, o juízo métrico, que determina a magnitude do valor de algo por um número indicativo.
Para se perquirir o que significa que algo é um valor, a valoração global de determinada coisa é imprescindível, a qual definirá a relação entre o objeto e os critérios de valoração, haja vista que diversas coisas podem ser objeto de valoração, que existem vários critérios de valoração e que eles podem colidir entre si.
Dessa forma, conclui-se que são os critérios de valoração que correspondem à expressão “valor”, enquanto os objetos têm o valor.
Quando algo é um valor, utilizam-se os diversos critérios de valoração no afã de se realizar uma valoração global, sendo que, no texto aqui analisado, apenas os passíveis de sopesamento são relevantes, uma vez que, na aplicação de princípios, faz-se necessário a realização de sopesamento, que, por sua vez, aplica os critérios de valoração no caso concreto. Assim, estes critérios de valoração correspondem aos critérios passíveis de sopesamento e se relacionam, portanto, à aplicação de princípios; os critérios de valoração não sujeitos ao sopesamento são chamados de regras de valoração e referem-se à aplicação de regras.
No direito constitucional, não cabe a utilização do juízo de valoração métrico, pois deve ser aplicado o sopesamento neste âmbito, já que não se pode renunciar, neste caso, nenhum dos critérios de valoração, que são igualmente válidos. Tal fato, portanto, torna impossível a atribuição de valores numéricos às alternativas de decisão, o que afasta uma solução fundamentada em um cálculo baseado na metrificação. Para o direito constitucional, apenas o juízos comparativos são relevantes, sendo que a relação entre princípio e valor define-se pela relação entre os juízos de valor e os critérios de valoração, e a melhor decisão para solucionar definitivamente uma situação é obtida somente após uma valoração global, na qual todos os critérios de valoração são considerados.
Considerando que a estrutura do modelo de valores é muito parecida com a estrutura do modelo de princípios, as objeções às teorias valorativas dos direitos fundamentais também podem atingir a teoria dos princípios. Tais objeções podem ser classificadas em três grupos: filosóficas; metodológicas e dogmáticas.
As objeções filosóficas à teoria dos valores dirigem-se, basicamente, contra o conceito de objetividade desta teoria. Entendendo que valores não apenas valem, como também são um ser independente, um “ser dos valores”, Max Scheler acredita que os valores podem ser qualificados como fatos. Por isso, a teoria de Scheler é classificada como “intuicionista”. Alexy, entretanto, entende que essa teoria iguala-se a uma posição subjetivista por não fornecer nenhum critério definitivo para uma decisão, o que refuta sua cientificidade. As objeções filosóficas contra as teorias valorativas apenas se sustentam quando estas são intuicionistas, porém tais objeções não cabem para as teorias valorativas em geral, pois existem teorias valorativas menos vulneráveis, obtidas quando se pressupõe que valores são critérios de valoração, que podem ser válidos ou não, e tanto a validade destes critérios como as valorações que deles decorrem são objetos de fundamentação, e não de evidências. Assim, não são passíveis de objeções filosóficas as teorias de valores livres de suposições ontológicas e epistemológicas questionáveis.
O argumento metodológico contra a teoria dos valores se dirige contra dois aspectos: contra a concepção de ordem hierarquizada de valores, sendo estas objeções quase todas procedentes, e contra o sopesamento. A hierarquização de valores para uma determinada decisão no âmbito dos direitos fundamentais é refutada, pois não é possível estabelecer um catálogo exaustivo dos valores que deva ser ordenado (problema de identificação), bem como há problemas em relação a esta ordenação em si mesma, seja ela ordinal ou cardinal, pois é inaceitável uma ordenação abstrata de valores constitucionais.
Dessa forma, é impossível uma ordenação abstrata de valores ou princípios que defina a decisão no âmbito dos direitos fundamentais. Todavia, essa impossibilidade de ordenação “rígida” não implica a impossibilidade de uma ordenação “flexível”, que está ligada ao conceito de sopesamento e pode se dar de duas formas: por meio de preferências prima facie de um determinado princípio ou valor (ex.: quando se pressupões uma carga argumentativa em favor de determinado valor ou princípio); e por meio de uma rede de decisões concretas de preferências (ex.: aquela obtida pela jurisprudência dos tribunais). Já contra a ideia de sopesamento, faz-se a objeção de que ela não é um modelo aberto a um controle racional, que é procedente no sentido de que o sopesamento é um procedimento que não conduz, em todo e qualquer caso, a um resultado único e inequívoco, mas é improcedente, se considerar que o sopesamento é um procedimento irracional ou não-racional.
Alexy defende que o modelo de sopesamento baseado numa relação de precedência condicionada trata-se de um modelo fundamentado, e não decisionista. [3] Assim, há sopesamento racional quando o enunciado de preferência a que ele conduz pode ser fundamentado racionalmente, ou seja, há possibilidade de fundamentação racional de enunciados, que pode ou não estar ligada especificamente ao sopesamento, que estabeleçam preferências condicionadas entre valores e princípios colidentes, o que refuta a objeção de que não haveria um controle racional ao se fazer um sopesamento.
Acrescenta-se, ainda, que a frequente recomendação para que se levem em consideração apenas as consequências constitui um equívoco, tendo em vista que existem diversos argumentos que podem ser utilizados a favor de enunciados de preferências condicionadas. Nestes termos, a fundamentação de um enunciado de preferências condicionadas não é diferente da fundamentação de regras semânticas criadas para tornar conceitos vagos mais precisos. A fundamentação relacionada especificamente ao sopesamento está submetida aos “cânones da interpretação e argumentos dogmáticos, precedentes, argumentos práticos e empíricos em geral, além de formas específicas de argumentação jurídica”, [4] afastados argumentos semânticos nos casos em que a própria Constituição já defina literalmente a conduta a ser tomada, enquanto que uma fundamentação não relacionada especificamente ao sopesamento baseia-se em uma “lei de sopesamento”, que determina que deve-se analisar a situação em seu contexto fático e jurídico concreto, para que então seja feita uma análise das condicionantes, seleção de que princípio aplicar e, assim, criar a norma jurídica concreta a ser aplicada, sendo um dos meios para realizar tal análise, a curva de indiferença, muito embora não sejam procedimentos decisórios definitivos.
Referida curva de indiferença, observada a partir da lei de sopesamento, deve estar posta em um metanível, sendo formulada como uma regra, que prescreve corretudes relativas, pois são casuístas, e serve de ponto de partida para uma decisão que se fundamente na importância da satisfação/não-satisfação de princípios determinados.
Assim, pode-se dizer que a crítica metodológica não prospera, uma vez que, o processo decisório com base em critérios de sopesamento está fortemente vinculado a uma teoria da argumentação jurídica racional, tendo como balizas os parâmetros de julgamento e de aplicação (princípio da concordância prática), não obstante a generalidade maior dos princípios em relação às regras.
As objeções dogmáticas, por sua vez, sustentam que uma teoria valorativa dos direitos fundamentais conduziria a uma destruição da liberdade constitucional em seu sentido liberal, pois a liberdade ligada à subjetividade daria espaço à objetividade dos valores, mas refuta-se tal afirmação, uma vez que liberdade e valor não são coisas antagônicas. Ademais, liberdade também é um valor. Na verdade, a teoria dos princípios ou dos valores se relaciona de forma neutra com a liberdade jurídica.
Essa objeção dogmática à teoria valorativa relativa à vinculação à Constituição é, na verdade, uma objeção a determinadas atribuições de pesos aos princípios, e não à teoria dos princípios como teoria estrutural. Tal oposição, explanada por Forsthoff, reflete um apelo em favor de uma teoria material dos direitos fundamentais, comportando a teoria dos princípios, enquanto teoria estrutural, de forma neutra.
Em relação à objeção baseada no Estado de Direito, que se refere ao fato de a interpretação das normas de direitos fundamentais como princípios possibilitaria o surgimento de muitos mandamentos constitucionalmente obrigatórios, decorrentes dos mais distintos resultados de sopesamento, entende-se que ela não pode prosperar. Esta objeção se associa a dois aspectos: a vinculação efetiva à Constituição e a insegurança jurídica como resultado de um arbítrio interpretativo. Refuta-se o primeiro argumento, uma vez que o modelo puro de regras se mostrou inadequado em relação à vinculação à Constituição, não podendo se dizer que ele garanta um maior grau de vinculação que um modelo de regras e princípios. Pelo contrário, a complementação do nível das regras pelos princípios é necessária para garantir a vinculação à Constituição. Com relação à objeção ligada à segurança jurídica, ela deve ser afastada diante da carência de alternativas aceitáveis no modelo das regras, quando comparado com o modelo de regras e princípios, que podem garantir uma maior medida de segurança jurídica. Ademais, a frequente presença de conteúdos excedentes advinda do caráter principiológico dos direitos fundamentais é compatível com um grau suficiente de segurança jurídica.
Destaca-se, ainda, que o conceito de generalidade de uma norma tem que ser estritamente distinto do conceito de universalidade, pois o conceito de universalidade se contrapõe ao conceito de individualidade, enquanto ao conceito de geral se opõe o conceito de especialidade. Assim, a norma ou é universal ou é individual, já a generalidade é um problema de grau da norma.
Outro ponto relevante da teoria de Alexy que merece ser ressaltado é que a norma de dignidade humana não é um princípio absoluto. Tal impressão (do caráter absoluto deste princípio) advém da existência de duas normas de dignidade humana: uma regra e um princípio e pelo fato de que há uma série de condições sob as quais o princípio da dignidade humana prevalecerá, com certo grau de certeza, em face dos demais princípios. A relação de preferência do princípio da dignidade humana em face de outros princípios determina o conteúdo da regra da dignidade humana. Logo, não é o princípio que é absoluto, mas a regra, a qual, em razão de sua abertura semântica, não necessita de limitação em face de alguma possível relação de preferência.
Ao contrário de Alexy, Dworkin defende que princípios são apenas aquelas normas que podem ser utilizadas como razões de direitos individuais, denominando de “políticas” as normas que tratam de interesses coletivos. Contudo, Dworkin faz referência a um conceito genérico de princípio, ao considerar as características comuns entre estas duas espécies de princípios supracitadas, o que indica a conveniência de um conceito amplo de princípio.
A diferença estrutural entre regras e princípios também se verifica no plano axiológico: aos princípios correspondem os critérios de valoração; às regras, as regras de valoração, sendo que somente aqueles podem ser designados como “valores”.
No direito, o que importa é o dever ser, daí resulta a preferência ao modelo de princípios em relação ao modelo de valores. As vantagens do modelo de princípios são: a expressão clara do caráter deontológico do direito e o fato de que seu conceito suscita menos interpretações equivocadas que as decorrentes do conceito de valor.
Em suma, a aplicação de precedência abstrata de um valor ou princípio, em todos os casos, acarretaria uma “tirania de valores”, que Carl Smith, corroborando com Hartmann, explicita da seguinte forma: “a partir da lógica dos valores, é sempre correto que o maior preço nunca é demasiadamente alto para o valor máximo, e tem que ser pago”. [5]
3. CONCLUSÃO:
Primeiramente, Alexy trata, com muita propriedade, da estrutura das normas de direito fundamental, distinguindo as duas espécies de norma: princípios e regras, não apenas com base nos tradicionais critérios de diferenciação, que, por vezes, não são suficientes para se fazer referida distinção, mas principalmente com base na distinção qualitativa entre regras e princípios.
A exposição de Robert Alexy demonstra que o tratamento considerado para regras e princípios possui características específicas, no que diz respeito aos valores éticos e à aplicação coercitiva, porém ambas são normas e ambas dizem como deve ser a sua aplicação. A partir daí, desenvolve-se todo o seu estudo acerca das distinções que existem entre regras e princípios, seja na distinta forma estrutural entre ambos, seja na sua diferente aplicação no caso concreto, seja na forma como se realiza a solução de conflitos ou colisões entre regras e princípios, inclusive abordando as eventuais objeções que podem surgir contra a teoria dos princípios.
Alexy aborda, com profundidade, as semelhanças e distinções existentes entre as teorias de princípios e de valores, os critérios diferenciadores destes institutos, especialmente ao pertencimento do primeiro ao plano deontológico e do segundo ao nível axiológico. Posteriormente, faz-se uma explanação acerca do que seria o “valor”, os critérios de valoração e as objeções que existem contra a teoria valorativa dos direitos fundamentais e, por conseguinte, contra a teoria principiológica de tais direitos constitucionais.
Para ilustrar seu pensamento, Alexy faz, ao longo de sua obra, diversas referências a julgamentos realizados, no ordenamento jurídico alemão, pelo Tribunal Constitucional Federal, tais como o caso Lebach, o caso Lüth, dentre outros.
No direito brasileiro, as considerações de Alexy acima expostas também possuem significativa relevância, apesar de ainda subsistir uma discussão doutrinária acerca do caráter da Constituição Federal Brasileira de 1988: há tanto juristas que defendem o seu caráter principiológico como defensores da prevalência de regras em seu corpo de normas.
Humberto Ávila, por exemplo, possui uma posição tendente ao conhecimento do caráter regulatório da Magna Carta, não obstante considere que princípios e regras desempenham funções diferentes e são complementares:
(...) não se pode categoricamente afirmar que os princípios são quantitativa ou qualitativamente mais expressivos que as regras no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se, apenas, afirmar que há um ordenamento composto de regras e princípios, com funções eficaciais complementares e diferentes. [...] Em suma, o enunciado, estritamente universal, de que todas as Constituições do pós-guerra são principiológicas, e o enunciado, numericamente universal, de que as normas da Constituição Brasileira de 1988 são principiológicas, ou de matriz principiológica, não encontram referibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. [6]
Por sua vez, Celso Antonio Bandeira de Mello alude que “Princípios gerais exprimem a noção de mandamento nuclear de um sistema”, portanto, afirma, em outras palavras, que os princípios são a racionalidade do sistema normativo.
Não obstante, a discussão acerca do caráter regulatório ou principiológico da Constituição brasileira, não há divergência acerca da importância dos princípios para a essência do ordenamento jurídico pátrio, especialmente quando do seu uso para solucionar conflitos, que ocorre com a aplicabilidade do Princípio da Proporcionalidade.
Assim, pode-se asseverar que o Brasil reconhece o Princípio da Proporcionalidade como direito positivo, pois, embora ele esteja implícito em nosso ordenamento constitucional, ele é imprescindível para a segurança do Estado Democrático de Direito e dos princípios que o consagram.
Nesse sentido, assevera Willis Santiago Guerra Filho:
A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante – o mais importante – princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito, em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo. [7]
Vale salientar, ainda, que existem diversas decisões nos tribunais pátrios que trataram da colisão de princípios ou valores constitucionais, como a Ação de Arguição de Preceito Fundamental, julgada pelo STF para autorizar abortos de fetos anencefálicos, bem como que trata da clonagem humana, no campo do biodireito.
A colisão entre os princípios do direito à vida e da liberdade de crença também é comumente objeto de decisões judiciais. As testemunhas de Jeová, adeptos às crenças cristãs, não admitem tratamentos médicos que se utilizam da transfusão de sangue, tendo em vista que o sangue para eles é algo sagrado e inviolável. A medicina, assim, tem buscado, junto com a ciência, métodos alternativos de tratamentos, porém muitos hospitais têm recusado oferecer tratamentos alternativos a pacientes adeptos a esta religião, sendo a solução para tal colisão de princípios, na maioria das vezes, realizada pelo Judiciário.
Outro exemplo é o caso dos transplantes de órgãos reconhecido como devido pela Lei 9.434/97, caso o individuo não tenha se manifestado em contrário a respeito em vida. Assim, caso não haja nenhuma manifestação expressa do indivíduo acerca da sua qualidade de doador ou não de órgãos, a doação de órgãos, após a sua morte, é presumida pelo Estado, sendo o ponto crítico de tal discussão se a coercibilidade desta doação é razoável ou não diante dos princípios colidentes.
Vê-se, portanto, que o estudo dos princípios é de fundamental importância, não só para conhecimentos teóricos do direito, mas, sobretudo, para a análise de sua aplicação nos casos concretos, o que, contudo, é uma tarefa árdua e infindável, pois não há um modelo rígido e fechado de aplicação dos valores ou princípios constitucionais, cabendo ao Judiciário esse papel.
Diante disso, deve-se dar uma importância à argumentação jurídica contida na fundamentação das decisões judiciais, a fim de que seja viabilizado o controle racional do sopesamento realizado pelo Poder Judiciário, conforme prega Alexy.
5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008;
ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: Entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Salvador/BA, Revista Eletrônica de Direito do Estado, 2009;
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes: 1999;
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989.
[1] Em um ordenamento jurídico, quanto mais peso se atribui aos princípios formais – princípios que estabelecem que as regras que tenham sido criadas pelas autoridades legitimadas para tanto devem ser seguidas e que não se deve relativizar uma prática estabelecida, mais forte será o caráter prima facie de suas regras, ao passo que o caráter prima facie dos princípios e das regras somente se igualaria caso se deixasse de atribuir algum peso a esses tipos de princípios, o que acarretaria, por conseguinte, o fim da validade das regras.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85-120; 144-179.
[3] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 85-120.
[4] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 144-179.
[5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 144-179.
[6] ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: Entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Salvador/BA, Revista Eletrônica de Direito do Estado, 2009.
[7] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza: Imprensa Universitária (UFC), 1989, p. 238.
Procuradora Federal; Mestre em Constitucionalismo, Filosofia e Direitos Humanos (UFPA), Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela Rede de Ensino LFG, e; Especialista em Direito Previdenciário pela Rede de Ensino LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEVY, Karine de Aquino Câmara. A estrutura das normas de direitos fundamentais e suas implicações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41139/a-estrutura-das-normas-de-direitos-fundamentais-e-suas-implicacoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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