RESUMO: Desde a época colonial, o trabalho doméstico encontra-se relacionado à precariedade. Inicialmente exercido por escravos, mesmo com o advento da abolição, continuou, em regra, afeto a mulheres negras e pobres, objeto de discriminação e preconceito. Esse panorama começa a transmudar a partir da Emenda Constitucional 72 de 2013, garantidora de importante gama de direitos a essas pessoas. Esse estudo qualitativo, realizado por meio de pesquisa bibliográfica e histórica, tem por objetivo a interpretação do fenômeno social que ocorre hodiernamente entre empregados e empregadores domésticos. A inclusão desses direitos no rol protetivo dos domésticos é importante e pretende sanar uma injustiça histórica. Contudo, há posicionamentos que consideram que tais mudanças tendem a piorar a situação desses trabalhadores, recrudescendo a informalidade e o desemprego, devido ao aumento da onerosidade relativa à manutenção de um empregado doméstico. De fato, é necessário conclamar a discussão desse processo, a fim de que se produza uma regulamentação coerente para efetivar direitos e elidir injustiças.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Lei Trabalhista. Alterações. Empregado doméstico. Empregador doméstico.
ABSTRACT: since colonial times, domestic work is related to the precariousness. Initially exercised by slaves, even with the advent of abolition, continued, as a rule, affect to the poor black women, from discrimination and prejudice. This scenario begins to transmute from the Constitutional Amendment 72 of 2013, guaranteeing the important range of rights to these people. This qualitative study through literature and historical research, aims at interpreting the social phenomenon that occurs in our times among domestic employees and employers. The inclusion of these rights in the protective role of household is important and aims to rectify a historic injustice. However, there are positions that consider that such changes tend to worsen the situation of these workers, aggravating the informality and unemployment, because of the increased burden on the maintenance of a household employee. In fact, it is necessary to call upon the discussion of this process, so that it produces consistent regulation to enforce rights and wrongs elide.
Key-words: Employment Law. Labor Law. Changes. Domestic servant. domestic employer.
INTRODUÇÃO
O conceito corrente de empregado doméstico refere-se àquele que trabalha no âmbito residencial de seus empregadores. Segundo Bomfim (2014) a palavra latina “domus”, que significa casa, é a origem etimológica do termo “doméstico”. Por conseguinte, usou-se associa-lo àqueles que laboram na casa de seus patrões.
O trabalho doméstico, no Brasil, historicamente é associado a pessoas de uma camada menos privilegiada da sociedade. Pamplona & Vilatore apud Calvo (2014) consideram que a chegada dos primeiros escravos ao Brasil representou o marco inicial do trabalho doméstico no país, sendo as Ordenações Renós a primeira legislação nacional a eles aplicável.
Desde o período colonial até o século XIX, conforme analisa Mascarenhas (2013), foi na informalidade e em condições precárias que o trabalho doméstico desenvolveu-se no Brasil, exercido em regra por mulheres negras, pobres e de baixa ou nenhuma instrução, vítimas de preconceito e discriminação racial.
Pretendendo alterar esse histórico quadro de injustiça, preleciona Calvo (2014) que em 2013 ocorreu a aprovação da Emenda Constitucional 72, que ampliou significativamente o rol de direitos trabalhistas afetos a essa categoria, por meio da alteração do parágrafo único do art. 7º da CF 88.
Essa inovação é muito atual, motivo pelo qual ainda há pouco material a respeito do assunto, justificando a consulta a fontes diversas, tais como doutrina, literatura histórica e social, jurisprudência, além de material disponível na rede mundial de computadores. Essa atualidade do tema demonstra também a necessidade de fomentar a discussão, objetivando a uma aplicação justa e coerente dos novos direitos conquistados.
Com efeito, no bojo desse trabalho interessa inicialmente apreciar, em perspectiva histórica, as profundas mudanças no conceito da função social do trabalho em si, e, dentro dessa perspectiva, onde surge o trabalho doméstico. Ademais, de se perguntar quem seria efetivamente o trabalhador doméstico e qual a pertinência entre esse conceito e o ideário popular da mulher negra, pobre e analfabeta ou pouco instruída.
Ainda, em se comparando a trajetória da legislação protetiva dessa classe àquela que tutela as categorias dos demais trabalhadores urbanos e rurais, de se observar quais seriam suas especificidades. E, uma vez constatadas, cumpre indagar se seriam justificadas e ainda justificáveis. Também, se seria o advento dessa nova fase jurídica de garantias trabalhistas concedidas a essa classe, uma ação balaustrada efetivamente na coerência com o caráter programático de nossa Constituição.
Nessa toada, de se pensar se os efeitos esperados serão positivos – equidade, justiça e grande avanço ideológico-social –, ou, noutra borda, uma fase de recrudescimento do desemprego e da informalidade, porquanto da impossibilidade da implementação prática dos novos dispositivos, devido a uma onerosidade excessiva ao empregador doméstico.
Evidentemente, esse trabalho não tem a pretensão de responder em caráter definitivo a essas questões. Seu objetivo é fomentar a discussão acerca das melhorias e dificuldades advindas da novel legislação, sempre em busca de um direito ao mesmo tempo justo e aplicável, equânime e eficaz, que possa impregnar-se na vida cotidiana de empregados e empregadores domésticos, para a construção de uma sociedade melhor.
2 A DESIGUALDADE ENTRE O TRABALHADOR DOMÉSTICO E OUTROS PROFISSIONAIS, SUA GÊNESE E JUSTIFICATIVAS
Primeiramente, importa perquirir acerca da origem da palavra trabalho. Nesse sentido, Cairo Júnior (2009) ensina que, o termo trabalho remete a uma conotação de sofrimento, vez que deriva do latim tripalium, instrumento de tortura utilizado nos escravos das sociedades primitivas. Destarte, tripaliare, ou seja, trabalhar seria o termo referente à tortura pelo tripalium.
A dedicação ao trabalho, nas sociedades antigas, era vista como tarefa indesejável. Assevera Bomfim (2014, p. 3) que “do ponto de vista histórico e etimológico a palavra trabalho decorre de algo desagradável: dor, castigo, sofrimento, tortura”.
Com o tempo, especialmente na Europa, as relações de escravidão, paulatinamente, tornam-se relações de servidão. Explica Calvo (2014) que os servos, no afã de se utilizarem das terras e proteção militar dos senhores, viam-se constrangidos a entregar-lhes grande parte de sua produção, não ocorrendo, destarte, significativo avanço entre a Idade Antiga para a Média no que concerne ao labor. Da servidão, a metodologia do trabalho evoluiu para as corporações de ofício, advindas a partir do êxodo rural provocado pelas péssimas condições de trabalho no campo.
Avançando, a pedra angular das mudanças da era moderna adveio da revolução tecnológica, patrocinada pelos avanços científicos experimentados por aquela sociedade. Nesse sentido, Calvo (2014, p. 20) preleciona que “a transformação mais profunda na história do trabalho decorreu em virtude do surgimento da máquina, pois, com ela, o trabalho artesanal foi substituído pela produção em massa na 1ª Revolução Industrial”.
Iniciava-se, portanto, uma nova era de relações e fatos sociais, cuja valoração desembocaria em novas perspectivas normativas. A luta, a partir de então, consistiria não apenas na afirmação de direitos, mas também na busca por sua ampliação isonomia de sua distribuição.
O trabalho passa a tornar-se escasso, na medida em que uma máquina pode vir a substituir dezenas ou até centenas de trabalhadores. Efeito disso, a transmudação da relação trabalhista, que passa a orientar-se, como o próprio mercado em si, pela oferta e procura. O êxodo do campo para as cidades provoca crise no abastecimento. Surge a questão proletária.
Superada a Idade Média e nascida a Contemporânea chega-se ao Welfare State. Di Pietro (1999, p. 24) doutrina que, “O estado do Bem-estar é um Estado mais atuante; ele não se limita a manter a ordem pública, mas desenvolve inúmeras atividades na área de saúde, educação, assistência e previdência social, cultura, sempre com o objetivo de promover o bem estar coletivo”.
Surgem novas questões sociais. Segundo Nascimento (2010) o direito baseado no Bill of Rights de 1689, na Revolução Francesa, na Declaração da Virgínia ou no Código Napoleônico destinavam-se a uma reação ao absolutismo monárquico e, portanto, não estavam devidamente instrumentalizados para enfrentar a questão trabalhista que surgia à partir da revolução industrial. Se a Europa e a América, que figuravam na vanguarda do cenário revolucionário e já se industrializavam não estavam ainda preparadas para o trato com as novas relações de trabalho, imagine-se então a situação do Brasil, que ainda mantinha todo o peso de sua pecha escravagista colonial.
Justamente dentro desse panorama, nosso país demorou bastante a receber essas mudanças sociais. A escravidão só veio a ser abolida no Brasil por meio da Lei 3.353, de 13 de maio de 1888 – Lei Áurea.
Mesmo após a abolição, a situação dos recém libertos não melhorou. Conforme acentua Mascarenhas (2013), as características do trabalho doméstico entre os períodos escravagista e pós-abolicionista eram muito próximas, não se ensejando uma efetiva melhora na vida daqueles trabalhadores.
Dessa forma:
Ironicamente, o negro e a negra que antes eram imprescindíveis à manutenção produtiva da economia nacional, agora não eram importantes para a mão-de-obra assalariada, ficando assim relegados as margens da sociedade e sem perspectivas de inclusão social. Desta forma, o Brasil que se favoreceu do trabalho escravo ao longo de séculos, colocou às margens um dos seus principais agentes construtores, os negros, que com isso passaram a viver na miséria, sem trabalho e sem possibilidades de sobrevivência em condições minimamente dignas (CRUZ, 2011, p.4)
Considerada toda essa perspectiva histórica, evidencia-se a necessidade de fortalecimento do Direito em diversas áreas. O Direito do Trabalho passa a ocupar uma posição diferente no plano dos interesses sociais, na medida em que a grande maioria da população necessita dele para sobreviver. Assim, o direito trabalhista termina por ser alçado ao patamar constitucional.
No que concerne à afirmação de direitos trabalhistas de uma forma geral, e sua concatenação ao Direito Constitucional, assevera Delgado (2010, p.71), que:
O Direito Constitucional é campo decisivo no processo de inserção justrabalhista no universo geral do Direito. Em seguida ao deflagrar da tendência de constitucionalização do ramo juslaborativo, com as Cartas Máximas de 1917, no México, e 1919, na Alemanha, (no Brasil, a tendência iniciou-se com a Carta de 1934), as relações entre as duas áreas acentuaram-se, significativamente.
Percebe-se, portanto, que a própria tendência de constitucionalização do direito trabalhista no Brasil ocorreu tardiamente em comparação a outras nações. Esse atraso refere-se a um direito trabalhista que, constitucional ou infraconstitucionalmente, além de tardio, relegava os domésticos a um patamar inferior, na medida em que não lhes agraciava com a devida proteção de que tanto necessitavam.
3 DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO DE TRABALHO DOMÉSTICO NO PERÍODO PÓS-ABOLICIONISTA NO BRASIL E CONCEITUAÇÃO DO DOMÉSTICO
O decreto 16.107/23 teve o condão de fornecer um conceito de doméstico, especificando que dentre eles figuravam:
Cozinheiros e ajudantes de cozinha, copeiros, arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões, porteiros, serventes, amas-secas ou de leite, costureira, damas de companhia, e equiparou alguns trabalhadores, cujos serviços fossem de natureza idêntica aos domésticos, mesmo que o trabalho fosse desenvolvido em hotéis, restaurantes, casas de pasto, pensões, bares, escritórios, etc. Concedia certos direitos e autorizava a justa causa para os casos de incapacidade decorrente de doença (BOMFIM, 2014, p. 337)
Como se vê, o conceito de doméstico era bastante amplo. Nele, confundiam-se pessoas que trabalhavam tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. Ademais, de se notar que, segundo o dispositivo, em caso de doença, o trabalhador via-se manifestamente divorciado da proteção estatal, na medida em que incapacidade por doença era motivo de demissão por justa causa.
O Decreto-Lei nº 3.078/41 excluiu as pessoas que laboravam em pessoas jurídicas, a exemplo de restaurantes, hotéis, pensões e outros, delimitando que seriam domésticos aqueles que, em sendo “de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a benefício destas”.
A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, vigente a partir de 10.11.1943, segundo doutrina Carrion (2009), teve o condão de sistematizar a legislação trabalhista, até então composta de diplomas esparsos. Contudo, conforme esclarece Bomfim (2014), a CLT forneceu o conceito jurídico do trabalhador doméstico apenas para excluí-lo de sua proteção, por meio de seu art. 7º, a.
Bomfim (2014, p.338) esclarece que “finalmente, a Lei nº 5.859/72 e o Decreto nº 71.885/73 passaram a regulamentar exclusivamente os direitos dos domésticos”. Calvo (2014) explica que no art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, foram garantidos novos direitos ao doméstico, além daqueles previstos na legislação específica.
Contudo, Mascarenhas (2013, p.27) ressalta que, “os direitos da categoria doméstica não foram equiparados aos dos trabalhadores urbanos e rurais, razão pela qual a Carta Magna foi de encontro aos nobres princípios que defende”.
No que concerne à conceituação de empregado doméstico, tem-se que:
O art. 7º, a, da CLT assim define empregado doméstico:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
Contudo, a Lei n.5.859/72 veio definir o empregado doméstico de outra forma: É aquele que presta serviços continuados, de natureza não econômica, à pessoa ou à família, no âmbito residencial. Por exemplo: a babá, o copeiro, o motorista particular, o cozinheiro, a empregada doméstica e o caseiro. (CALVO, 2014, p. 47)
Destarte, de se notar que para Calvo (2014), são componentes necessários da relação de emprego doméstico a continuidade, a ausência (por parte do empregador) de intenção de obter lucro por conta dos serviços prestados, a sua prestação tendo com empregador pessoa física ou família – e nunca uma pessoa jurídica – e no âmbito residencial – estando inclusas no conceito as suas possíveis extensões, como, v.g., chácara, casa de praia ou campo.
Para Bomfim (2014, p. 338), “(a) Doméstico é a pessoa física que trabalha de forma pessoal, subordinada, (b) continuada e mediante salário, para outra (c) pessoa física ou família que (d) não explore atividade lucrativa, no (e) âmbito residencial desta, conforme art. 1º da Lei nº 5.859/72”. (grifos originais)
Delgado (2010), aduz que a não eventualidade foi trabalhada pela Lei 5.859/72 de maneira específica, qual seja, serviço de natureza contínua. Consequentemente, surgem duas teorias interpretativas, cuja importância reflete-se na inclusão ou não dos empregados diaristas, que laboram dentro de um dado interstício temporal, normalmente para vários empregadores.
Bomfim (2014, p. 340), ensina que “a primeira corrente entende que é irrelevante a diferença e que os critérios para apreciação do trabalho contínuo são os mesmos para o trabalho não eventual da CLT”. Nessa esteira, para Bomfim (2014) há que se valorar a repetição do trabalho no curso do contrato a partir da necessidade do frequente concurso à mão de obra do doméstico, sendo que, segundo essa teoria de (dês)continuidade seria doméstico tanto aquele que labora de segunda a sexta para uma dada família quanto aquele que, em iguais condições, trabalhe apenas às sextas.
Calvo (2014) ensina que a segunda corrente entende que ao não utilizar a expressão consagrada “não eventualidade”, o legislador optou de forma clara pela distinção entre diarista e empregada doméstica, sendo, pois, indispensável a continuidade na prestação laboral.
Característica outra, a finalidade não lucrativa, é imperativa nessa relação. Assim:
A característica do empregado doméstico resulta da inexistência de fins econômicos do trabalho que exerce para pessoa ou família. (...) se na residência há atividade econômica, e o empregado nela labora, não será doméstico, mas empregado, com todos os direitos da CLT, como no caso de uma pessoa que vende bijuterias na própria casa, auxiliada por um empregado. Um dentista, com consultório na própria residência, terá como empregado, e não como doméstico, aquele que faz a limpeza de sua sala, enquanto a fizer. Não é doméstica a cozinheira de uma pensão, porque aqui há atividade lucrativa. NASCIMENTO, 2010, p.927)
O tema ainda não se encontra absolutamente pacificado. No entanto, tem-se que:
A doutrina e a jurisprudência majoritárias adotaram o princípio de que o trabalho prestado num só dia de semana para tomador doméstico, como, por exemplo, a faxineira, a passadeira, a congeleira, etc., não gera vínculo de emprego, por não ser contínuo o serviço prestado. Para três ou mais dias de trabalho na semana, por várias semanas, a jurisprudência consagrou como trabalho contínuo, logo, acarreta o vínculo. (BOMFIM, 2014, p.342)
O terceiro requisito dessa relação preocupa-se com o empregador que, nos termos da lei, deverá ser pessoa física ou família. Com efeito, segundo Calvo (2014, p. 49), “não é possível a pessoa jurídica ser empregadora doméstica, pois esta é sempre pessoa física ou família.” Acrescenta Delgado (2010), ampliando o conceito, que a referência legislativa a pessoa ou família pode abarcar, v.g., um grupo de universitários que, residindo juntos, contratem empregada doméstica, sendo pois todos empregadores, na moldura da Lei 5.859/72.
Quanto ao critério espacial, no que tange ao âmbito residencial da prestação dos serviços, aduz Calvo (2014, p. 50), que “os serviços são prestados no âmbito residencial do empregador. Não abrange somente a moradia do empregador, mas também a casa de campo, a casa de praia, além de outras extensões da residência do empregador doméstico”.
Nesse sentido também consigna-se:
No caso do motorista, enfermeiro, etc., o deslocamento para fora da residência, no exercício das funções domésticas (viagens, etc), não descaracteriza, por óbvio, a relação. O que se considera essencial é que o espaço de trabalho se refira ao interesse pessoal ou familiar, apresentando-se aos sujeitos da relação de emprego em função da dinâmica estritamente pessoal ou familiar do empregador (DELGADO, 2010, p. 362)
Vencidos os requisitos dessa relação, acrescenta Bomfim (2014) que o conceito de doméstico, ao contrário do que se imagina, não se refere necessariamente apenas e tão somente à pessoa humilde, pobre e sem instrução, em que pese essa seja a regra. Com efeito, quem trabalha para empregador doméstico, é doméstico, ainda que o trabalho seja altamente intelectualizado, como o de um médico ou piloto de aeronave.
No entanto, segundo o estudo do Dieese (2013, p. 7) “com relação à escolaridade, grande parte das ocupadas em empregos domésticos possui apenas o Ensino Fundamental incompleto ou equivalente (alfabetizadas sem escolarização), cujo percentual foi de 48,9% em 2011.” Dessa forma, não obstante uma pessoa com pós-doutorado possa perfeitamente exercer labor como empregado doméstico, no entanto, essa realidade está muito distante da regra, que é a efetiva utilização da mulher, pobre, negra e pouco instruída, nesse tipo de atividade.
Fato é que a sociedade brasileira tem visto com grande preconceito o trabalho doméstico ao longo do tempo. Essa situação se confundiu, inclusive, com o próprio tratamento desigual dado à mulher no mercado de trabalho, bem como com a temática da inclusão dos negros.
Seguindo essa esteira de entendimento:
A forte presença de domésticas ocupadas com baixos níveis de escolaridade reflete, de certa maneira, o lugar que o trabalho doméstico ocupa na sociedade, visto como atividade em que a mulher seria “naturalmente apta” a desempenhá-la, ou seja, não precisaria obter qualificação profissional para essas atribuições, o que fortalece a desmotivação e a desvalorização dessas trabalhadoras (DIEESE, 2013, p.8)
Com efeito, percebe-se que a questão laboral doméstica perpassa a questão de gênero, a racial, a econômica, a social, refletindo um quadro muito mais abrangente, e que, de longe transborda o âmbito das paredes de nossas residências.
4 DIFERENÇAS ENTRE O REGIME JURÍDICO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS E OS DEMAIS EMPREGADOS
Junto aos domésticos, também os trabalhadores rurais tem sua origem ligada à escravidão, tendo sido vitimados, outrora, pela mesma sanha. Segundo Bomfim (2014, p. 387) “no Brasil o trabalhador rural nem sempre teve a mesma proteção que era estendida ao trabalhador urbano. Não havia interesse político para a legislação proteger essa categoria. Talvez porque o trabalho rural, assim como o doméstico, tenha nascido do trabalho escravo”.
No caso específico dos trabalhadores rurais, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, caput, igualou-os aos trabalhadores urbanos. Contudo, o mesmo artigo 7º da Constituição Cidadã, foi, à época, bastante excludente em relação aos empregados domésticos. Ocorre que, o dispositivo em análise, é composto por 34 incisos e um parágrafo único, que se destina a garantir alguns desses direitos à categoria dos domésticos.
No entanto, esse parágrafo único, se, por um lado, assegurava alguns direitos previstos naquele artigo, por outro, excluía dessa categoria a aplicação de diversos outros tidos como básicos a praticamente qualquer outro trabalhador.
Aduz Calvo (2014) que a antiga redação do parágrafo único do art. 7º da CF 88, consignava aos domésticos somente o disposto nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI, e XXIV, além de sua integração à Previdência Social.
Correspondiam esses direitos respectivamente ao salário mínimo, irredutibilidade salarial, 13º salário, gozo de férias anuais remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o salário normal, repouso semanal remunerado, aviso prévio de no mínimo trinta dias, licença-gestante de cento e vinte dias, licença paternidade e direito à aposentadoria.
Nesse sentido, colaciona Delgado (2010, p. 363), que “a Constituição de 1988 garantiu um leque de direitos à categoria muito mais extenso do que todas as conquistas até então alcançadas pelos trabalhadores domésticos.”
Em 2006 vem à baila a Lei 11.324/2006, que garantiu novos direitos aos domésticos. Calvo, (2014, p. 51) assim os relaciona:
a) férias anuais remuneradas de trinta dias com o acréscimo de, pelo menos, um terço sobre o salário normal, após doze meses de trabalho prestado à mesma pessoa ou família.
b) estabilidade provisória à empregada doméstica gestante, sendo vedada sua dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto;
c) extensão ao empregado doméstico do direito ao repouso semanal remunerado, ao revogar a alínea a do art. 5º da Lei n. 605, de 5-1-1949;
d) a proibição de o empregador efetuar descontos do salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, ressalva feita, em relação a esta, para o caso de se tratar de local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviços, e de que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes;
e) vedação de incorporação dos valores pecuniários das referidas despesas na remuneração para quaisquer efeitos, negando-lhes natureza salarial (Grifos originais).
Somente com o advento dessa Lei, situações muito degradantes passam a ser legalmente combatidas. A alínea “d” por exemplo, objetivou impedir que a empregada recebesse apenas restos de alimento e dormisse num cantinho da despensa, e ainda tivesse desconto salarial por conta disso.
Felizmente, tal prática foi coibida pela Lei 11.324/2006, que alterou o art. 2-A da Lei 5.859/72, que, passou a ter a seguinte redação:
Art. 2 – A. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia.
§ 1o Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes.
§ 2o As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos.
Contudo, apenas no ano de 2013 – vale dizer, com um interstício de quase 25 anos à promulgação da Constituição Cidadã – exsurge a Emenda Constitucional 72 de 2013, que inaugura um novo entendimento no ordenamento jurídico pátrio, ampliando o rol de direitos garantidos aos trabalhadores domésticos.
Nesse sentido, preleciona Bomfim (2014, p. 351) que:
O art. 7º, parágrafo único, da CRFB, garantiu, por exemplo, o aviso prévio, o RSR, o salário mínimo ao doméstico, direitos antes não concedidos a esta classe de trabalhadores. Mais tarde, a EC 72/2013 alterou o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal e estendeu aos domésticos outros direitos, antes só garantidos aos urbanos (CLT) e rurais.
Para que se tenha uma noção da quantidade de direitos em referência, importa notar que:
Com a nova redação do art. 7º, parágrafo único, da CF, a empregada doméstica passou a ter novos direitos trabalhistas, vejamos a sua redação final em vigor após a EC n. 72/2013:
Art. 7º [...]
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. (CALVO, 2014, p. 53) (grifos originais).
Em suma, segundo Bomfim (2014) os domésticos têm direitos resguardados no parágrafo único do art. 7º da CRFB, na Lei nº 5.859/72 e na Lei nº 11.324/2006. Contudo, em que pese esse bojo de direitos, ainda de se perquirir como dar-lhes efetividade, na medida em que, alguns são dotados de eficácia plena, ao passo que outros não. Careceriam, nesse caso, de regulamentação para sua regular implementação. Assim, aos domésticos não se aplicam os dispositivos celetistas que não pretendam dar eficácia à Constituição de 1988.
Silva (2013) relembra o espírito de justiça social inspirador da PEC das domésticas, que pretende quitar a dívida oriunda do processo de insignificação ao qual a categoria sempre foi submetida. Contudo, se a espera por essas melhorias foi grande, por outro lado, há de se notar que os empregadores terão que arcar com o ônus de muitos desses benefícios, o que pode desbordar em mais injustiças.
Nesse diapasão, Nascimento (2012), ainda em sede de apreciação da PEC 478/2010, que tramitava na Câmara dos Deputados e pretendia revogar o parágrafo único do art. 7ª da Constituição de 1988, antes de efetivar-se na EC 72/2013, aponta que, em que pese a tendência, à época, da aprovação da referida PEC, seu posicionamento era desfavorável à sua aprovação e aplicação nos termos em que tramitava, pois redundaria em problemas ao trato jurídico laboral. Condena, destarte, a confusão entre empregador doméstico e empregador dotado de personalidade jurídica e empresarial, na medida em que são relações que não se confundem, merecendo, portanto, tratamento específico, mormente pela ausência na relação doméstica da intenção lucrativa.
Entrementes, observam-se dificuldades a superar, tanto de ordem procedimental quanto de ordem econômica e social. Tal ocorre, na medida em que se aponta para uma falta de aprofundamento na discussão do modus operandi dessas alterações.
Nesse sentido, Saraiva (2013) afirma que votações apressadas e unânimes de projetos de Lei e PECs costumam dar espeque à desconfiança e insegurança jurídica, na medida em que, não raro, orientam-se por pressão política e opinião pública, resultando em peças incompletas e inconsequentes, cuja solução termina por demandar uma dura tarefa hermenêutica tanto da doutrina quanto da jurisprudência. O autor critica também o fato de que diversos tipos de trabalhadores estão inclusos dentro da mesma categoria de domésticos, sem distinções necessárias, o que causará problemas sérios no âmbito da relação doméstica.
A preocupação justifica-se, na medida em que, hodiernamente, não mais apenas a questão laboral, mas também outras, a exemplo da racial e de gênero concatenam-se no entorno dessa discussão, existindo estreita correlação entre o labor doméstico e a mulher negra e pobre, e seu acesso ao mercado de trabalho.
Segundo dados trazidos que versam sobre o emprego doméstico no Brasil,
O contingente elevado de mulheres negras no trabalho doméstico é consequência da
histórica associação entre este tipo de atividade e a escravidão, em que tal função era
majoritariamente delegada às mulheres negras. Atualmente, ainda existem resquícios dessas relações escravagistas no emprego doméstico, havendo, com frequência, preconceito e desrespeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais no trabalho. As relações de trabalho são marcadas, muitas vezes, por relações interpessoais e familiares, descaracterizando o caráter profissional da ocupação. Além disso, o emprego doméstico ainda permanece como uma das principais possibilidades de inserção das mulheres pobres, negras, de baixa escolaridade e sem qualificação profissional, no mercado de trabalho (DIEESE, 2013, p. 10).
Nessa esteira carecem de regulamentação os seguintes direitos previstos no parágrafo único do art. 7º da CF/88: proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, seguro desemprego, fundo de garantia do tempo de serviço, remuneração diferenciada para o trabalho noturno, que deverá ser superior à do diurno, salário-família, assistência gratuita aos filhos e dependentes do trabalhador, que contem até cinco anos de idade em creches e pré-escolas, seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador, sem exclusão de indenização em caso de dolo ou culpa.
No entanto, esses hoje são direitos regularmente dispostos em lei, erigidos ao patamar de norma constitucional. Acerca do tema temos que:
Mesmo os enunciados genéricos contidos na norma constitucional tem eficácia e, como a Constituição está no ápice da hierarquia formal das demais normas, ela irradia seus efeitos e amplia seu alcance às demais normas infraconstitucionais. Alguns destes comandos constitucionais tem todas as características para produzir seus efeitos tendo, por isso, eficácia plena, imediata. Outros dependem de regulamentação para sua efetivação plena, sua concretização no plano concreto. [...] Portanto, é dever do intérprete afastar todas as dificuldades para dar efetividade aos direitos constitucionalmente reconhecidos aos domésticos, já conhecidos pelos outros trabalhadores, mas, pela primeira vez, destinados também aos domésticos. (BOMFIM, 2014, p.351)
Impende salientar que, na ausência de regulamentação, o juiz não pode se eximir de julgar, conforme dispõe o artigo 126 do Código de Processo Civil, aplicável também à seara trabalhista. Deve agir o magistrado no sentido de colmatar possíveis vazios na norma, na medida em que não pode eximir-se de julgar. Nesse sentido, Diniz (2010, p. 422) afirma que “O momento da aplicação da norma é característico do direito positivo. Isto porque as normas positivas existem, fundamentalmente, para ser aplicadas por um órgão competente, juiz, tribunal, autoridade administrativa ou particular. A aplicação do direito é, portanto, decorrência da competência legal.”
Trazendo como exemplo a questão do aviso prévio:
O art. 7º, parágrafo único, da CFRB, garantiu, por exemplo, o aviso prévio [...].
Todavia, o conceito de aviso prévio; as hipóteses de cabimento; a faculdade de convertê-lo ou não em pecúnia e de quanto; sua integração ou não ao tempo de serviço; a época do pagamento das parcelas decorrentes de rescisão, inclusive do aviso; são regras que estão disciplinadas nos arts. 487 e seguintes da CLT, das quais, em princípio, o doméstico não teria direito por força do disposto no art. 7º, a, da CLT (BOMFIM, 2014, p. 351).
Na mesma senda, o repouso semanal remunerado, que encontra previsão na Lei 605/49, o salário mínimo, cujas especificidades encontram-se na CLT, como dito, em princípio inaplicável ao doméstico. Bem assim, o direito ao décimo terceiro salário, cuja regulamentação encontra-se na Lei 4.090/62. Ainda:
Da mesma forma, a EC 72/2013 estendeu aos domésticos, pela primeira vez, as horas extras, adicional noturno, FGTS compulsório e normas coletivas.
Logo, para dar instrumentalidade ao direito à jornada de 8 horas e consequente pagamento das horas extras para os que extrapolam tal limite, é aplicável a regra que limita a 2 horas /dia o labor extra, inclusive para fins de compensação de jornada, assim como a necessidade de acordo individual escrito (Súmula nº 338 do TST) para o ajuste da compensação de jornada e a desnecessidade de adoção de controle de jornada para os patrões que possuem, por residência, menos de 10 empregados (art. 74, § 2º, da CLT) (BOMFIM, 2014, p. 352).
Nessa toada, de se perceber que a mera ausência de regulamentação, não impedirá o Judiciário Trabalhista de apreciar essas questões. Conforme Silva (2013) essas alterações terão inicialmente um impacto no aspecto financeiro da rotina patronal, sendo que, para os que já pagavam o 13º salário e férias e procediam aos recolhimento para o INSS, o impacto deverá ser da ordem de 10%, isso sem falar em horas extras.
Sendo essa uma fase transitória, é de se cuidar para que não ocorra o aumento da informalidade e o recrudescimento do desemprego. Assim, é necessário que o empregador doméstico passe a tomar muito cuidado, sob pena de que hábitos que até então não implicavam em maiores problemas, terminem por culminar em dívidas trabalhistas de alto valor.
Tomando por exemplo a questão de feriados e repouso semanal remunerado, assevera Bomfim (2014, p. 364) que “a partir da Lei nº 11.324/2006 (art. 9º), foi revogada a alínea a do art. 5º da Lei nº 605/49, devendo ser aplicado ao doméstico o direito ao repouso remunerado dos feriados ocorridos após 20/07/2006.” Consequentemente, se o doméstico laborar em feriado ou dia de repouso semanal, terá direito a outra folga compensatória, sob pena de pagamento em dobro das horas trabalhadas nestes dias, consoante a Súmula nº 146 do TST.
Também de suma importância a jornada de trabalho. Antes, não havia que se falar em limite outro senão aquele das forças físicas. Nesse sentido, veja-se jurisprudência de 2007, do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia:
Ementa: PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE Recurso tempestivo (fls. 25 e 27), regularmente formalizado e subscrito (06 e 27). Desnecessário o preparo, porquanto as custas foram condenadas para a reclamada. VOTO. O inconformismo do recorrente tem o objetivo de modificar a decisão de primeira instância que não deferiu o pedido de diferença salarial em razão do mínimo legal. Sustenta, para tanto, que trabalhava em regime de dois turnos diários e, por isso, como empregada doméstica deveria perceber o referente ao salário mínimo vigente. A sentença do juízo a quo reconheceu o vínculo empregatício, porém fixou a jornada de trabalho da recorrente como das 10h30min/11hs às 14hs30min/15hs. Diante desta jornada, a remuneração percebida pela recorrente como sendo 70% do salário mínimo legal é aquela prevista no art. 7º IV da CF/88. Examina-se. Em sua exordial a recorrente alega que trabalhava das 09h00m às 15h00m, de segunda a sábado. Vale lembrar que, apesar de não regularizado o labor da empregada doméstica, entende-se que esta trabalha, em média, 12 horas diárias. Tendo a recorrente laborado por 6 horas por dia e, levando-se em conta que, pelo princípio da razoabilidade, descansava no mínimo 15 minutos diários, correta é a decisão de primeira instância que enquadrou a referida relação empregatícia como exceção ao art. 7º IV, levando em consideração o inciso XIII do mesmo artigo.Processo 0100800-95.2007.5.05.0561 ROS, ac. nº 034265/2007, Relatora Desembargadora VÂNIA J. T. CHAVES , 1ª. TURMA, DJ 03/12/2007 (grifos nossos).
No entanto, hodiernamente, esse entendimento resta mudado, como doutrina Bomfim (2014, p. 376): “a partir de abril de 2013, por força da EC 72, todos os empregados domésticos passaram a ter direito à jornada de 8 horas por dia, limitadas a 44 horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva, e às horas extras, acrescidas de 50%.”
Como se vê, aquela prática de exigir da mesma doméstica que, v.g., atenda aos membros da família, desde o café da manhã, às 6:00, até o lanche noturno, por volta das 23:00, inclusive em sábados e domingos, com meros descansos quinzenais, não será mais uma prática viável.
Também a questão dos cuidadores de idosos. Ocorre que, dentro da dinâmica moderna, com o crescente envelhecimento da população, esse posto passa a ter grande importância. Destarte, bastante comum que as famílias contratem cuidador para acompanhar idoso da família. No entanto, importa notar que:
Também é aplicável aos domésticos, depois da EC 72/2013, o art. 4º da CLT, que considera tempo de efetivo trabalho aquele que o empregado permanece aguardando ordens (ou não) à disposição do patrão, assim como, analogicamente, o art. 244 da CLT. Esta última regra deve ser interpretada de acordo com a Súmula nº 428 do TST. (BOMFIM, 2014, p. 377)
A Súmula 428 do TST dispõe que:
SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) -Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 (Grifos originais)
I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso.
II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. (grifos originais)
Bomfim (2014) assevera que, em tese, é possível que o cuidador de idosos, que trabalha durante o dia e dorme na casa do idoso, mormente naqueles casos de necessidade continuada de atenção, que são bastante comuns, além de seu ordenado, venha a cobrar por regime de sobreaviso durante todas as noites em que estiver à disposição.
A extensão do direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivas de trabalho aos domésticos chama a atenção. Apesar de existirem os chamados “sindicatos” dos domésticos, esses, na verdade consistiam em meras associações, na medida em que, em não existindo sindicatos de empregadores, não havia como instrumentalizar as tratativas entre as categorias de empregados e empregadores.
Antes da EC 72/2013, segundo Mascarenhas (2013) havia uma tradicional resistência ao reconhecimento de representatividade sindical, devido ao fato de o empregador não constituir categoria econômica, dada a sua dispersão.
Agora esse quadro transmuda-se, como se vê:
Entretanto, a EC 72/13 concedeu aos domésticos o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. Para efetivar tal direito, é necessário ANTES legitimar os sindicatos das duas categorias – empregados e empregadores – (hoje verdadeiras associações, apesar do nome “sindicato”), através do seu registro no Ministério do Trabalho, requisito que investe o sindicato nos poderes coletivos (art. 519 da CLT). A partir daí, todas as regras compatíveis contidas nos arts. 511 e seguintes da CLT serão aplicáveis aos domésticos, inclusive a necessidade de homologar as rescisões contratuais e os pedidos de demissão de empregados com mais de um ano de serviço (BOMFIM, 2014, p. 382).
Mascarenhas (2013) aponta que a negociação coletiva poderá passar a fazer parte do cerne da negociação dessa relação de trabalho. Já Bomfim (2014) preleciona que o patrão deverá passar a pagar contribuição sindical e também terá a obrigação de proceder aos descontos e repasses relativos às contribuições de seus empregados.
Com efeito, de se perceber que a crítica acima elencada, acerca da falta de amadurecimento na discussão do tema, por parte do Legislativo, aponta para interesses que podem ter índole política, imiscuindo-se em uma relação de trabalho que ocorre no seio das residências particulares.
Outra questão de grande importância nesse contexto, a aplicabilidade do art. 3º, I, da Lei 8.009/90, em sede de execução trabalhista, pelo empregado doméstico, do bem de família do empregador. Nesse sentido, o dispositivo, in verbis: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
Conforme Neves, (2012) a impenhorabilidade do bem de família não encontra previsão no Código de Processo Civil, sendo, no entanto, visto como absolutamente impenhorável, salvo algumas exceções previstas Lei 8.009/1990. Com efeito, o dispositivo ora em comento, constitui justamente uma dessas exceções. Significa dizer que, em sede de reclamação trabalhista, pode o empregador doméstico vir a perder seu único imóvel por conta de dívidas com seus empregados domésticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que pese a premente necessidade de expungir grotescas desigualdades que ainda conspurcam nossa sociedade, é necessário utilizar o bom senso. Existe uma dívida histórica a ser paga em relação aos que laboram como domésticos. Por outro lado, de se sopesar até que ponto seria justo o empregador doméstico pagá-la.
Cabe considerar que esse empregador não é pessoa jurídica ou empresa, portanto faz jus a um tratamento diferenciado. Não significa dizer, sobremaneira, que os domésticos não merecem tratamento igualitário em relação às demais categorias. É certo que merecem.
Ocorre que as melhorias tem de ser implementadas de uma maneira justa e equilibrada, sob pena de provocar alterações tão profundas que terminem por inviabilizar a manutenção e contratação desses empregados, aumentando a informalidade e o desemprego ao invés de fomentar a dignidade e a ascensão social.
Caberá também à Justiça do Trabalho agir com grande cautela, quando da apreciação desse tipo de demanda, na medida em que, sendo uma fase transitória, carente de uma adequada regulamentação, deixa tanto empregados quanto empregadores em situação de proeminente fragilidade.
REFERÊNCIAS
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BRASIL (Império). Lei n. 3.353, de 13 de Maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. Collecção das leis do Imperio do Brazil de 1810. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 1, p.228. 1891.
CAIRO JÚNIOR, J. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Salvador: Podivm, 2009. 840 páginas.
CALVO, A. Manual de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 580 páginas.
DELGADO, M.G. Curso de Direito do Trabalho. 9.ed. São Paulo: LTr, 2010. 1376 páginas.
DIEESE. Estudo nº 68 – agosto de 2013. O emprego doméstico no Brasil. Disponível em: < http://www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68empregoDomestico.pdf>. Acesso em 28 mar. 2014.
DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, 595 páginas.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000, 674 páginas.
MASCARENHAS, L.G.S. A Novel Legislação Do Empregado Doméstico E A Busca Por Igualdade De Direitos. 2013. 59 páginas. Monografia. Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2013.
NASCIMENTO, A.M. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 25.ed. São Paulo. Saraiva, 2010, 1463 páginas.
NASCIMENTO, S.M. A PEC dos Domésticos, os problemas e as consequências de sua aprovação. 2012. Artigo. www.amaurimascaronascimento.com.br. 2012. Disponível em <http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=611:a-pec-dos-domesticos-os-problemas-e-as-consequencias-de-sua-aprovacao-&catid=129:doutrina&Itemid=282> Acesso em 03. mar. 2014.
NEVES, D.A.S. Manual de Direito processual Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, 1498 páginas.
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SILVA, M.G.L. Implicações Econômico-Sociais Para os Empregadores Decorrentes da Aplicação dos Direitos dos Empregados Domésticos: Análise da Emenda Constitucional 72/2013. 2013. 20 p. Artigo. Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2013.
Servidor público federal , graduando em Direito pela Faculdade Guanambi.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Novas perspectivas da relação de emprego doméstico no Brasil com o advento da Emenda Constitucional 72/2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41149/novas-perspectivas-da-relacao-de-emprego-domestico-no-brasil-com-o-advento-da-emenda-constitucional-72-2013. Acesso em: 23 dez 2024.
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