1. INTRODUÇÃO
A temática em análise pode ser abordada sob 2 (dois) prismas: (I) o estudo do sistema americano de controle de constitucionalidade (modelo difuso e incidental), que teve como marco paradigmático o caso Marbury v. Madison, e (II) o enfoque dado pelo sistema austríaco de controle de constitucionalidade, cujo marco doutrinário pode ser pinçado da obra de Hans Kelsen (controle concentrado realizado por um Tribunal Constitucional).
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O SISTEMA “AMERICANO” DA JUDICIAL REVIEW OF LEGISLATION OU “DIFUSO” DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E LEADING CASE WILLIAM MARBURY V. JAMES MADISON[1]
Foi através da doutrina da judicial review of legislation, desenvolvida no célebre caso Marbury vs. Madison, por John Marshall, que o sistema americano de controle de constitucionalidade revelou uma das suas principais características: o seu modelo difuso (aqui, o controle é realizado incidentalmente pelo juiz da causa).
Seguindo esta perspectiva, todos os juízes possuem competência para avaliar a constitucionalidade de uma lei em face do Texto Maior, a fim de garantir a famigerada supremacia da norma constitucional (no cotejo entra a “norma de hierarquia inferior” com a de “envergadura superior”, deve prevalecer a última). É de se frisar, ainda, que tal análise é realizada à luz de um caso concreto e, uma vez declarada a inconstitucionalidade, a invalidade gera efeito ex tunc. Todavia, em virtude deste sistema adotar o princípio do stare decisis (força vinculante das decisões prolatadas pela Suprema Corte), o juiz de primeiro grau raramente exerce tal competência, que é realizada pelos tribunais superiores. Cooley ensina (1982, página 142):
Se o tribunal perante o qual a questão se apresenta não é de última instância em relação a mesma, deve-se esperar que proceda com cautela e circunspecção, mais do que no comum, e que se abstenha, completamente, de declarar a nulidade de uma lei, a menos que se trate de casos de extraordinária clareza, e especialmente se, sem sério detrimento da justiça, a decisão puder ser retardada, até que o tribunal de categoria superior tenha ocasião de se pronunciar sobre o caso. Outros podem haver em que, por inadvertência ou por caso fortuito, uma lei que haja passado por todos os trâmites exigidos para a sua validez, seja, não obstante isso, evidente e inquestionavelmente nula; mas, exceto esses casos, o fato de um magistrado de categoria inferior, que só exercendo uma jurisdição policial ou outra limitada, se irrogar a competência de proferir decisões acerca da legislação de um Estado ou país, declarando-a inconstitucional (invalid) só pode ser ridículo.
Vê-se, pois, que a nota marcante deste sistema faz escapar o controle abstrato das normas, porquanto somente incidenter tantum realiza-se a “adequação vertical” das normas infraconstitucionais com a Carta Magna. Apesar da inegável relevância que este modelo refletiu, e reflete até os dias de hoje, nos sistemas constitucionais de todo o mundo, críticas doutrinárias existem quanto a sua aplicabilidade, notadamente em virtude da insegurança jurídica que podem causar. Ora, se todos os juízes podem e devem analisar a constitucionalidade das leis, diante de um caso concreto, ocorrerão situações em que uma mesma lei será considerada constitucional por um juiz e inválida por outro. As lições de Cappelletti são esclarecedoras, no particular (1984, página 76):
Ulteriores inconvenientes do método 'difuso' de controle, porque concretizado em ordenamento jurídicos que não acolhem o princípio do stare decisis, são os que derivam da necessidade de que, mesmo depois de uma primeira não aplicação ou de uma série de não aplicações de uma determinada lei por parte das Cortes, qualquer sujeito interessado na não aplicação da mesma lei proponha, por sua vez, um novo caso em juiz.
2.1. O SISTEMA “AUSTRÍACO” OU “CONCENTRADO” DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE[2]. A CONTRIBUIÇÃO DE KELSEN
Inspirado na obra de Hans Kelsen, este modelo adota a forma concentrada, abstrata (considera a “lei em tese”) e é exercido por um Tribunal Constitucional (sistema consagrado na Constituição Austríaca de 1920). No particular, os juízes não possuem competência para avaliar questões constitucionais, uma que vez que tal análise está adstrita ao Tribunal Constitucional, quando provocado por órgãos políticos. Vejamos a lição de Raul Machado Horta (2003, página 155):
O constituinte austríaco de 1920, sob a inspiração de Hans Kelsen, optando pela organização federal, cuja adoção reclamou um lógico e racional processo técnico-jurídico de adaptação, (Lei de 10 de outubro de 1920) confiou ao Tribunal Constitucional a missão de defender a inviolabilidade do texto constitucional, ao qual se subordinavam tanto a legislação do governo provincial (landesregierung) como a do governo federal, para manter a efetiva supremacia jurídica e política da Constituição Federal.
É de bom alvitre esclarecer que o Tribunal Constitucional só julga a questão constitucional (aqui, a declaração de inconstitucionalidade gera efeito ex nunc), devolvendo a matéria fática para a instância a quo. A lição de García de Enterría[3]:
o sistema de controle de constitucionalidade das leis se configura como uma função constitucional que não seria propriamente judicial, mas sim, nos expressos termos de Kelsen, de legislação negativa. Em concreto, o Tribunal Constitucional não julga nenhum suposto fato singular - que está reservado ao Tribunal a quo que tenha suscitado o incidente de inconstitucionalidade -, mas sim somente o incidente de inconstitucionalidade, somente o problema puramente abstrato de compatibilidade lógica (Vereinbarkeit) entre a previsão abstrata da lei e a norma constitucional.
3. CONCLUSÃO
Vê-se que os dois sistemas diferem primordialmente em alguns aspectos: (a) órgão responsável pelo controle de constitucionalidade; (b) os legitimados a realizarem a provocação; (c) grau de controle (concreto e abstrato) e (d) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. A CF/88 adotou um sistema misto, com o escopo de abarcar as vantagens dos modelos acima analisados e suprir as deficiências de cada um, quando considerados individualmente.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial da constitucionalidade das leis no direito comparado.
2. COOLEY, Thomas. Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Unidos da América do Norte.
3. DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 2º ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2008.
4. DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade Teoria e Prática. 5 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2011.
5. HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional brasileiro. Tese de concurso para docência livre da cadeira de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte: Edição da Faculdade, 1953, sob o título ´O Controle de Constitucionalidade das Leis no Regime Parlamentar´).
6. HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional, 4. ed. rev. e atual., Belo Horizonte, Del Rey, 2003.
7. MAZZONI WELSCH, Gisele. Controle de Constitucionalidade à Luz do Direito Comparado. Publicado no Datadez nº 38, mai./jun. de 2007.
8. MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e tribunais constitucionais - Garantia suprema da jurisdição, 2. ed. São Paulo, Atlas, 2003.
[1] Tendo em vista as limitações deste trabalho, recomenda-se a leitura da análise histórica que o Professor Dirley da Cunha faz acerca dos aspectos fáticos que engendraram a famosa decisão proferida pelo Chief Justice John Marshall (2008, p. 266 e seguintes).
[2] Para além dos “sistemas americano e austríaco”, alguns autores ampliam o estudo dos modelos de controle de constitucionalidade no Direito Comparado, como, por exemplo, Gisele Mazzoni Welsch, (Controle de Constitucionalidade à Luz do Direito Comparado - Publicado no Datadez nº 38, mai./jun. de 2007). É, também, o caso do Professor Dirley da Cunha (DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade Teoria e Prática. p. 87 e seguintes).
[3] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La Constitucíon como norma y el tribunal constitucional, 1994, p. 57 apud MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e tribunais constitucionais - Garantia suprema da jurisdição, 2003, p. 128.
Promotor de Justiça no estado da Bahia. Professor de Direito Constitucional no Programa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Italy. Realizou pesquisa de Pós-Doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), Reggio Calabria (Italy) e no Programa de Pós-Graduação em Direito na Universidade Federal da Bahia. Doutor em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMADO, Marco Aurelio Nascimento. A origem e as principais características dos modelos "americano" e "europeu" de controle de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41156/a-origem-e-as-principais-caracteristicas-dos-modelos-quot-americano-quot-e-quot-europeu-quot-de-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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