Resumo: Trata-se de texto sobre os poderes decisórios do relator nos recursos cíveis, previstos no artigo 557 do Código de Processo Civil.
1. INTRODUÇÃO
A legislação processual civil passou por diversas mudanças para ampliar o poder decisório do relator nos recursos. Antes dessas transformações, a função do relator estava relacionada, principalmente, à preparação do recurso para o julgamento colegiado, sendo permitido o julgamento monocrático apenas na hipótese de agravo manifestamente improcedente. Com as reformas, passou a ser possível, em determinadas hipóteses, o julgamento singular de qualquer recurso, até mesmo para dar-lhe provimento, dispensando-se o julgamento colegiado. Essa ampliação dos poderes decisórios do relator teve como escopo proporcionar maior agilidade ao sistema recursal e maior eficácia às decisões dos tribunais, conferindo, assim, maior efetividade ao processo.
O presente artigo apresenta um estudo sobre o artigo 557 do Código de Processo Civil, analisando as hipóteses em que pode ocorrer o julgamento singular dos recursos nos tribunais e o recurso cabível para impugnar essa decisão monocrática.
2. ART. 557 DO CPC: PODERES DO RELATOR
2.1. Constitucionalidade do art. 557 do CPC
Na época das reformas da lei processual civil, parcela da doutrina apontava que o julgamento monocrático pelo relator implicaria em violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal e da ampla defesa.
No entanto, essa celeuma não persiste atualmente. O Supremo Tribunal Federal afastou qualquer dúvida que pudesse recair sobre a constitucionalidade do art. 557 do CPC, conforme se verifica no seguinte acórdão:
“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. SEGUIMENTO NEGADO PELO RELATOR. COMPETÊNCIA DO RELATOR (RI/STF, art. 21, par 1.; Lei n. 8.038, de 1.990, art. 38): CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS DO MANDADO DE INJUNÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.
I. É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (RI/STF, art. 21, parágrafo 1º, Lei n. 8.038/90, art. 38), desde que, mediante recurso -- agravo regimental -- possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado.
(...)
(STF, Tribunal Pleno, MI-AgRg 375/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j. 19.12.1991, DJ 15.05.1992.)
O acórdão supratranscrito demonstra que o STF entendeu que os tribunais podem atribuir competência a seus membros. Desse modo, verifica-se que não viola a Constituição a atribuição, por lei, de competência de um Tribunal para um de seus órgãos, ainda que seja um órgão singular.
Contudo, o STF condicionou a validade do art. 557 do CPC à possibilidade de interposição de recurso em face decisão do relator, submetendo-a ao controle do órgão colegiado.
2.2.Hipóteses legais de julgamento monocrático pelo relator
As hipóteses em que o relator do recurso poderá decidir monocraticamente estão previstas no artigo 557 do CPC, nos seguintes termos:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
(...)
A redação do caput do supratranscrito art. 557, ao mencionar a expressão “deverá”, induz à noção de obrigatoriedade do relator de negar seguimento ao recurso nos casos ali especificados. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes[1] afirma que o art. 557 do CPC trata de uma forma de atribuição de efeito vinculante às decisões da Suprema Corte, que é a guardiã da Constituição Federal. Segundo ele, a interpretação da Constituição fixada pelo STF deveria ser seguida pelos demais tribunais, já que a manifestação do pleno daquele tribunal seria definitiva a respeito da questão. Contudo, a maior parte da doutrina entende que o relator não está obrigado a julgar de acordo com a súmula ou jurisprudência dominante, pois a atividade jurisprudencial por ele desempenhada é informada pelo princípio do livre convencimento motivado. Ademais, somente as súmulas vinculantes do art. 103-A da Constituição possuem força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. Assim, os defensores dessa linha de pensamento entendem que constitui uma faculdade conferida pela lei ao relator, e não uma obrigatoriedade.
As hipóteses legais de julgamento monocrático pelo relator podem ser resumidas em três: 1) manifesta inadmissibilidade do recurso; 2) manifesta improcedência; 3) manifesta procedência.
A manifesta inadmissibilidade do recurso ocorre pela ausência de qualquer dos pressupostos recursais. São eles: o cabimento, o interesse recursal, a legitimidade, a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer, a regularidade formal, a tempestividade e o preparo. Destaque-se que o recurso prejudicado, mencionado no texto legal, nada mais é do que a perda superveniente do interesse em recorrer, que é um dos pressupostos recursais acima citados. Em razão disso, pode-se incluir o recurso prejudicado nesta primeira hipótese de julgamento singular pelo relator.
A segunda hipótese é a manifesta improcedência. Um exemplo claro de manifesta improcedência apontado pela doutrina ocorre quando a tese recursal contraria texto expresso de lei. Além disso, pode-se incluir nesta segunda hipótese os casos de confronto com a súmula ou jurisprudência do STF, dos tribunais superiores ou do respectivo tribunal. Nestes casos, o insucesso da tese recursal é totalmente previsível, motivo pelo qual se configura a manifesta improcedência.
Já a manifesta procedência, prevista no §1º-A, somente ocorre se a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou dos tribunais superiores.
Destaque-se que a súmula ou jurisprudência dominante do tribunal ao qual o relator é vinculado somente pode ser utilizada como parâmetro para negar provimento ao recurso, mas não para provê-lo monocraticamente.
Com relação à delimitação do que pode ser considerado “jurisprudência dominante”, entende-se que configura um conjunto de decisões sobre um determinado assunto que convergem numa mesma orientação. Logo, uma decisão isolada em um processo não pode ser considerada jurisprudência dominante de um tribunal.
2.3.Recurso em face da decisão monocrática do relator
O §1º do art. 557 do CPC prevê a possibilidade de interposição do recurso de Agravo, no prazo de 5 dias, como meio de impugnar a decisão singular do relator, nos seguintes termos:
“§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.”
Esse recurso, também conhecido como Agravo interno, Agravo regimental ou Agravo inominado, possui o efeito regressivo, que possibilita que o relator exerça o juízo de retratação antes de submeter o recurso ao órgão fracionário.
Caso a decisão de relator seja pela inadmissibilidade do recurso, o provimento do Agravo ensejará a análise do mérito recursal. Se, no entanto, a decisão recorrida tiver dado provimento ou negado provimento ao recurso, o Agravo poderá reformar a decisão de mérito do relator.
Já no caso de decisão do relator em agravo de instrumento interposto em face de decisão que negou seguimento a recurso, caberá o Agravo previsto no artigo 545 do CPC, que segue a mesma sistemática do art. 557:
“Art. 545. Da decisão do relator que não conhecer do agravo, negar-lhe provimento ou decidir, desde logo, o recurso não admitido na origem, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 557.”
Para coibir a interposição de Agravo manifestamente inadmissível ou infundado, o §2º do art. 557 traz a previsão de multa em favor do agravado, conforme se verifica a seguir:
“§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.”
Ressalte-se que essa multa será imposta pelo órgão colegiado, que possui competência para o julgamento do Agravo. O não pagamento desta multa, cujo valor é fixado entre um e dez por cento do valor atualizado da causa, obsta o direito de interpor qualquer outro recurso. Por esse motivo, a multa deve ser arbitrada de forma razoável, para que não afete o princípio do amplo acesso à Justiça.
3. CONCLUSÃO
No primeiro momento, foi destacado que não há óbice constitucional para a atribuição, por lei, de julgamento de um recurso por um órgão singular de um Tribunal, desde que essa decisão monocrática seja passível de controle pelo órgão colegiado.
Além disso, foram analisadas as hipóteses em que o relator pode, monocraticamente, negar seguimento, negar provimento ou dar provimento ao recurso.
Finalmente, foi abordado o recurso de Agravo interno, que é o meio adequado para impugnar a decisão monocrática do relator, levando o julgamento para o órgão colegiado.
Por todo o exposto, conclui-se que a ampliação dos poderes do relator preconizadas pelo artigo 557 do Código de Processo Civil, visaram conferir maior celeridade ao processo, por meio da simplificação do sistema recursal. Porém, verifica-se que houve um avanço modesto nesse sentido, já que é cabível recurso para o órgão colegiado em face decisão monocrática do relator. Em decorrência, o julgamento monocrático acabou se tornando, em muitos casos, apenas mais um passo procedimental em direção ao julgamento colegiado.
REFERÊNCIAS
ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 3. 10.ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2012.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Os efeitos dos recursos. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.). São Paulo: RT, 2002.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil – v. 2 – processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
MOREIRA, Jose Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v.5.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. rev., ampl. São Paulo: RT, 2006.
WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvin. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2.ed. São Paulo: RT, 2002.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. Os poderes decisórios do relator nos recursos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41157/os-poderes-decisorios-do-relator-nos-recursos. Acesso em: 23 dez 2024.
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