RESUMO: Nesse artigo abordar-se-á aspectos mais relevantes da historia constitucional brasileira relativamente ao processo de reformas constitucionais. Como as Constituições Brasileiras anteriores a atual Carta de 1988 previram as reformas constitucionais por emendas. Após a análise de cada Constituição pátria faremos uma comparação dentre elas, especialmente voltada pela assim designada evolução constitucional e até que ponto as rupturas institucionais brasileiras ocorreram em razão de deficiências das regras sobre as reformas.
Palavras-Chave: Constituição. História constitucional brasileira. Reforma constitucional.
Desde a independência de Portugal o Brasil durante toda sua história teve diversas Constituições e movimentos constituintes, seja fruto de um processo democrático seja de movimento militar ou totalitário, que suplantaram os processos de reformas dado ao poder constituinte derivado[i]. As razões que levaram o país a mudar de Constituição em virtude de estremecimentos políticos são objetos do estudo da história brasileira e da sociologia. Nesse artigo buscamos discorrer, de forma breve, acerca dos processos de reformas constitucionais formais previstos em cada texto de cada Constituição anterior a de 1988 com o objetivo de vislumbrar as regras estabelecidas.
Começaremos pela Constituição imperial de 1824 até a Constituição de 1967/69, em que iremos tratar como se fosse uma única norma, muito embora há entendimentos com fortes argumentos que defendem que a emenda de 1969 foi, em verdade, uma nova Carta, na medida em que incorporou ao texto de 1967 o ato institucional n. 5 que recrudesceu a repressão militar. Por serem documentos jurídicos que o público em geral não possui contato mais próximo, ressaltamos que iremos reproduzir o texto positivo de cada norma.
Por fim, nas considerações finais iremos traçar um comparativo entre as regras de reformas previstas nos textos brasileiros, com especial atenção para a evolução constitucional, para responder a questão inicial se as várias rupturas institucionais se deram por deficiência das regras de reformas ou falta de força normativa.[ii]
A Constituição imperial de 1824 trouxe em seu Título oitavo dispositivos que regulavam o processo de reforma da Constituição com a observância de limites temporais e formais para tanto. Não eram, todavia, todos os dispositivos constitucionais que obedeciam ao trâmite solene da reforma, pois neste ponto, o imperador seguiu o projeto elaborado pela comissão da Assembleia Constituinte (que havia sido dissolvida), que foi designado de Projeto Antonio Carlos, seu relator e primeiro subscritor,[iii] e adotou o sistema de dois graus de rigidez, ao dispor o seguinte:
“Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.”[iv]
Dividiu-se a Constituição em dispositivos formal e materialmente constitucional, para utilizarmos uma linguajem assente na doutrina contemporânea que, aparentemente pode dar uma impressão de maior flexibilidade, mas, como veremos, com relação ao que era considerado constitucional, havia uma série de limites temporais e formais, além de se exigir a delegação direta do eleitor de então.
Os dispositivos que regulamentavam o processo eram esses:
CONSTITUIÇÃO DE 1824:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm
TITULO 8º
Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos
dos Cidadãos Brazileiros.
Art. 173. A Assembléa Geral no principio das suas Sessões examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para prover, como fôr justo.
Art. 174. Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece roforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.
Art. 175. A proposição será lida por tres vezes com intervallos de seis dias de uma á outra leitura; e depois da terceira, deliberará a Camara dos Deputados, se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais, que é preciso para formação de uma Lei.
Art. 176. Admittida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá Lei, que será sanccionada, e promulgada pelo Imperador em fórma ordinaria; e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.
Art. 177. Na seguinte Legislatura, e na primeira Sessão será a materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou addição á Lei fundamental; e juntando-se á Constituição será solemnemente promulgada.
O Art. 174 estabeleceu limites temporais e formais para a reforma, ao dispor que só após quatro anos seria possível a alteração, proposição por escrito, com origem na Câmara dos Deputados e quorum para apreciação da terça parte de seus membros. Os artigos seguintes exigiam verdadeiras solenidades atinentes à época, como a leitura da proposição por três vezes no intervalo de seis dias entre cada leitura; a deliberação pela Câmara da admissibilidade da propositura, após a terceira leitura; sendo admitida, se expedia lei sancionada e promulgada pelo imperador, em que se ordenava – e aqui um interessante mecanismo de consulta “popular” – aos eleitores dos Deputados que na legislatura seguinte nas “Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma” (Art. 176); só então, na legislatura seguinte, em sua primeira sessão, seria a matéria “materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou adição á Lei fundamental; e juntando-se á Constituição será solenemente promulgada.” (Art. 177).
A primeira Constituição republicana no Título V das disposições gerais estabeleceu o processo de reforma com legitimidade para iniciativa restrita aos Parlamentos, Congresso Nacional ou Assembleias dos Estados (Art. 90, caput).
Esse é o dispositivo que regulamentava a matéria:
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TíTULO V
Disposições Gerais
Art 90 - A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso Nacional ou das Assembléias dos Estados.
§ 1º - Considerar-se-á proposta a reforma, quando, sendo apresentada por uma quarta parte, pelo menos, dos membros de qualquer das Câmaras do Congresso Nacional, for aceita em três discussões, por dois terços dos votos em uma e em outra Câmara, ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decurso de um ano, representado cada Estado pela maioria de votos de sua Assembléia.
§ 2º - Essa proposta dar-se-á por aprovada, se no ano seguinte o for, mediante três discussões, por maioria de dois terços dos votos nas duas Câmaras do Congresso.
§ 3º - A proposta aprovada publicar-se-á com as assinaturas dos Presidentes e Secretários das duas Câmaras, incorporar-se-á à Constituição, como parte integrante dela.
§ 4º - Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado.
Ademais, exigia que fosse apresentada por uma quarta parte de qualquer das Câmaras do Congresso e fosse aceita em três discussões por dois terços dos votos nas duas casas (Art. 90, § 1º). Com relação às Assembleias exigia que fosse apresentada por dois terços dos Estados, sendo aprovada em cada por maioria de votos, no prazo de um ano (Art. 90, § 1º). Após a proposta somente “dar-se-á por aprovada, se no ano seguinte o for, mediante três discussões, por maioria de dois terços dos votos nas duas Câmaras do Congresso.”[v] (Art. 90, § 2º).
A novidade na evolução constitucional brasileira foi a inclusão de limites materiais ao poder de reforma, uma vez que o Art. 90, § 4º, dispôs: “Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado.”[vi]
A Constituição de 1934 também localizou o procedimento de reforma constitucional nas suas disposições gerais, no título VIII, assim redigido:
CONSTITUIÇÃO DE 1934:
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TÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art 178 - A Constituição poderá ser emendada, quando as alterações propostas não modificarem a estrutura política do Estado (arts. 1 a 14, 17 a 21); a organização ou a competência dos poderes da soberania (Capítulos II III e IV, do Título I; o Capítulo V, do Titulo I; o Título II; o Título III; e os arts. 175, 177, 181, este mesmo art. 178); e revista, no caso contrário.
§ 1º - Na primeira hipótese, a proposta deverá ser formulada de modo preciso, com indicação dos dispositivos a emendar e será de iniciativa:
a) de uma quarta parte, pelo menos, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
b) de mais de metade dos Estadas, nos decurso de dois anos, manifestando-se cada uma das unidades federativas pela maioria da Assembléia respectiva.
Dar-se-á por aprovada a emenda que for aceita, em duas discussões, pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em dois anos consecutivos.
Se a emenda obtiver o voto de dois terços dos membros componentes de um desses órgãos, deverá ser imediatamente submetida ao voto do outro, se estiver reunido, ou, em caso contrário na primeira sessão legislativa, entendendo-se aprovada, se lograr a mesma maioria.
§ 2º - Na segunda hipótese a proposta de revisão será apresentada na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, e apoiada, pelo menos, por dois quintos dos seus membros, ou submetida a qualquer desses órgãos por dois terços das Assembléias Legislativas, em virtude de deliberação da maioria absoluta de cada uma destas. Se ambos por maioria de votos aceitarem a revisão, proceder-se-á pela forma que determinarem, à elaboração do anteprojeto. Este será submetido, na Legislatura seguinte, a três discussões e votações em duas sessões legislativas, numa e noutra casa.
§ 3º - A revisão ou emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A primeira será incorporada e a segunda anexada com o respectivo número de ordem, ao texto constitucional que, nesta conformidade, deverá ser publicado com as assinaturas dos membros das duas Mesas.
§ 4º - Não se procederá à reforma da Constituição na vigência do estado de sítio.
§ 5º - Não serão admitidos como objeto de deliberação, projetos tendentes a abolir a forma republicana federativa.
Logo no primeiro artigo (Art. 178) expressou os limites materiais, substituindo a fórmula tendente a abolir por uma proibição direta a regra da possibilidade de reforma. Nas palavras do texto, a Constituição poderia ser emendada quando as alterações propostas não modificassem – não era permitido se quer alterar – a estrutura política do Estado; a organização ou a competência dos poderes da soberania; e enunciava artigos, quais sejam, o art. 175, que versava sobre o estado de sítio; o art. 177, que tratava da defesa dos efeitos da seca; o art. 181, o qual estabelecia o princípio da proporcionalidade nas eleições dos Parlamentos nos três níveis; e o próprio art. 178. O art. 178, in fine, trouxe a possibilidade de revisão que, obedecia a procedimentos e requisitos diferenciados das emendas. O § 5º do Art. 178 retoma os limites materiais, mas agora referente a inadmissão de projetos, emendas e revisões, tendente a abolir a forma republicana federativa.
O § 1º do Art. 178 exigia a indicação dos dispositivos constitucionais que sofreriam emendas e em suas alíneas dispôs sobre o processo e o quorum do procedimento de emendas, como a exigência de iniciativa de uma quarta parte dos membro ou da Câmara ou do Senado ou de mais da metade dos Estado, desde que no transcurso de dois anos cada Assembleia aprovasse por maioria; aceitação da emenda em duas discussões em dois anos consecutivos. Aprovada a emenda e promulgada pelas mesas das duas casas do Congresso, seria ela incorporada no texto da Constituição, conforme § 3º do Art. 178.
O § 2º do Art. 178 trouxe “a segunda hipótese” de alteração pela via da revisão, e dispunha que, a proposta de revisão deveria ser apresentada na Câmara ou no Senado com o apoio de dois quintos dos seus membros ou submetida as casas do Congresso por dois terços das Assembleias dos Estados, desde que precedida de aprovação por cada unidade. Aceita a proposta por maioria de votos de cada casa seria “submetido, na Legislatura seguinte, a três discussões e votações em duas sessões legislativas, numa e noutra casa” (Art. 178, § 2º).[vii] Aprovada a revisão esta, ao contrário das emendas, não seria incorporada no texto, mas sim anexada com o respectivo número de ordem, conforme § 3º do Art. 178.
Por fim, estabelecia o Art. 178, § 4º limite temporal ou circunstancial ao proibir que se procedesse à reforma, seja emenda ou revisão, portanto, na vigência do estado de sítio.
O processo de reforma da polaca refletia o regime de governo da época do Estado Novo por algumas nuances, entre as quais, pela primeira vez é legitimado o Presidente da República para dar iniciativa ao processo. As propostas de sua iniciativa eram apreciadas em bloco pelo voto da maioria ordinária da Câmara e do Conselho Federal (vale recordar que o parlamento era composto de duas câmaras, a dos Deputados e o Conselho Federal, Art. 38, § 1º), procedimento mais célere do que se iniciado pela Câmara, sem possibilidade de modificações e, se houvessem, deveria ter a aquiescência do presidente, tudo conforme o art. 174, § 1º, e, o que era mais grave, sem limites materiais ao poder constituinte reformador. A reforma da constituição, como se vê, não fugia da característica autoritária da Constituição que servia de instrumento para o governo do Estado Novo.
Os dispositivos estavam assim redigidos:
CONSTITUIÇÃO DE 1937:
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DAS EMENDAS À CONSTITUIÇÃO
Art 174 - A Constituição pode ser emendada, modificada ou reformada por iniciativa do Presidente da República ou da Câmara dos Deputados.
§ 1º - O projeto de iniciativa do Presidente da República será votado em bloco por maioria ordinária de votos da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal, sem modificações ou com as propostas pelo Presidente da República, ou que tiverem a sua aquiescência, se sugeridas por qualquer das Câmaras.
§ 2º - O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição de iniciativa da Câmara dos Deputados, exige para ser aprovado, o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara.
§ 3º - O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Este, dentro do prazo de trinta dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte.
§ 4º - No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro em trinta dias, resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á noventa dias depois de publicada a resolução presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe for favorável o plebiscito.
Nos projetos de emendas de iniciativa da Câmara dos Deputados a aprovação se daria pela maioria dos membros em cada casa legislativa (Art. 174, § 2º). Contudo, os parágrafos terceiro e quarto retratavam os poderes do Presidente e quem, de fato e de direito positivo, exercia a titularidade do poder constituinte reformador, se não vejamos: “§ 3º - O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Este, dentro do prazo de trinta dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte. § 4º - No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro em trinta dias, resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á noventa dias depois de publicada a resolução presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe for favorável o plebiscito.”[viii]
A Constituição de 1946 retornou a limitar a iniciativa da proposta de emenda a Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, desde que apresentada pela quarta parte dos membro de cada casa, e as Assembleias, conquanto que no decurso de dois anos mais da metade manifesta-se favorável pela maioria dos membros (Art. 217, § 1 º); além de abolir a possibilidade da reforma por revisão, só a admitindo por meio de emenda que, desse modo, acabou por confundir-se com o próprio conceito de reforma formal do texto.
Os dispositivos que disciplinavam o processo de reforma eram os seguintes:
CONSTITUIÇÃO DE 1946:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm
Art 217 - A Constituição poderá ser emendada.
§ 1 º - Considerar-se-á proposta a emenda, se for apresentada pela quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados no decurso de dois anos, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros.
§ 2 º - Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em duas discussões pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em duas sessões legislativas ordinárias e consecutivas.
§ 3 º - Se a emenda obtiver numa das Câmaras, em duas discussões, o voto de dois terços dos seus membros, será logo submetida à outra; e, sendo nesta aprovada pelo mesmo trâmite e por igual maioria, dar-se-á por aceita.
§ 4 º - A emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Publicada com a assinatura dos membros das duas Mesas, será anexada, com o respectivo número de ordem, ao texto da Constituição.
§ 5 º - Não se reformará a Constituição na vigência do estado de sítio.
§ 6 º - Não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República.
Os §§ 5º e 6º estabeleciam os limites formais e materiais e repetiram a redação da Constituição de 1934, ou seja, não se daria a reforma na vigência de estado de sítio e nem se admitiria a deliberação tendente a abolir a Federação ou a República.
A Constituição de 1967, com a emenda de 1969, previu a possibilidade de reforma tão-somente por meio de emenda, pelo que, esta se confundia com aquela, e voltou a dar legitimidade ao Presidente da República para a iniciativa do processo legislativo, além da Câmara, do Senado, mediante assinatura da quarta parte de seus membros, e das Assembleias dos Estados, apresentada, neste caso, ao Senado, conquanto que mais da metade tenha aprovado pela sua maioria.
Os dispositivos são os seguintes:
CONSTITUIÇÃO DE 1967 DE ACORDO COM A EMENDA DE 1969:
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SEÇÃO V
Do Processo Legislativo
Art 50 - A Constituição poderá ser emendada por proposta:
I - de membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de Assembléias Legislativas dos Estados.
§ 1º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.
§ 2º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de estado de sitio.
§ 3º - A proposta, quando apresentada à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, deverá ter a assinatura da quarta parte de seus membros.
§ 4º - Será apresentada ao Senado Federal a proposta aceita por mais de metade das Assembléias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros.
Art 51 - Em qualquer dos casos do art. 50, itens I, II e III, a proposta será discutida e votada em reunião do Congresso Nacional, dentro, de sessenta dias a contar do seu recebimento ou apresentação, em duas sessões, e considerada aprovada quando obtiver em ambas as votações a maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso.
Art 52 - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
Voltou a repetir a redação dos limites formais (circunstanciais) e materiais da Constituição de 1934 e de 1946, ao vedar a reforma quando em vigência do estado de sítio e a proposta tendente a abolir a Federação ou a República. Quanto aos limites formais a Constituição foi menos rígida ao prever que as emendas seria aprovadas em reunião do Congresso Nacional, dentro de sessenta dias em duas sessões, sendo que seria aprovada pela maioria absoluta de seus membros das duas casas. Ademais, exigia a publicação com o respectivo número de ordem.
Para não nos olvidarmos com o texto constitucional, se faz necessário um registro referente ao viés autoritário da Constituição, na medida em que por mais que o seu conteúdo de forma alguma represente este viés, ao menos pelo que ficou expresso – e a parte referente à reforma é um exemplo maior nesse sentido –, pois de longe não parece ou lembra as fórmulas adotadas pelo Estado Novo com a Constituição polaca, o seu processo constituinte pode muito bem ser designado como uma “farsa constituinte”. Isso pelo fato de que ocorreu mediante coação aos parlamentares, através de cassações ou pelos atos institucionais, e o Governo, como nos dá notícia Paulo Bonavides, pelo que não constou na Carta mostrou sua face ao colocar a “expressão ‘regime representativo’, evitando a palavra ‘democracia’ em todo o seu texto.”[ix]
8. Considerações finais
Em sede de conclusão podemos reassaltar alguns aspectos relevantes que permearam os nossos textos constitucionais durante a história brasileira que, embora curta, é rica em quantidade de Constituições e experiências constituintes, seja democrática seja autoritária.
O primeiro aspecto digno de chamar a atenção é que todas nossas Constituições podem ser classificadas como rígidas, na medida em que, mesmo de diferentes graus e modos, o processo legislativo da reforma constitucional sempre foi mais dificultoso que o das elaborações das demais leis. A Constituição imperial, de mais longa duração até o momento, que como vimos, diferenciava o texto formalmente constitucional para o substancialmente constitucional, nesse último estabeleceu um processo de reforma mais dificultoso do que o processo de elaboração das leis infraconstitucionais. Previu, inclusive, a hipótese de delegação pelo eleitorado do império, algo que não foi repetido em nenhuma Constituição, mesmo oriundas de um processo democrático de constituinte. Abstendo-se que o eleitorado imperial era marcado fortemente por ser censitário, não podemos deixar de ressaltar o aspecto altamente desenvolvido com elementos de democracia direta, mesmo em época remota.
Outro ponto de constatação é que a evolução constitucional brasileira não guardou uma uniformidade no trato das reformas, como passamos a analisar. Foi uma evolução constitucional com inúmeros contratempos, especialmente pela constituição “polaca” da época do Estado novo.
A constituição militar de 1967/1969 não foi explícita como a “polaca”, mesmo porque o sistema político de bipartidarismo da época não necessitava de tais mecanismos positivos, em razão de que, caso o Governo não tivesse maioria momentânea há criava com as cassações dos mandatários oposicionistas. Tais fatos nos levam a conclusão de que em períodos autoritários as normas constitucionais de pouco adiantam por não possuírem força normativa capaz de fazer valer as regras e princípios constitucionais, nem mesmo as que estabelecem o processo de alteração formal do texto.
Outro aspecto relevante a ser debatido é até que ponto as rupturas constitucionais se deram por deficiência dos processos de reforma do texto constitucional. Embora seja um tema de difícil resolução em tão apertada síntese, podemos responder, mesmo que de forma rápida e suscita, que as alterações de constituições ocorreram muito mais por alterações nos sistemas e nas formas de governos e por falta de amadurecimento democrático do país do que por deficiência normativa das regras sobre as reformas constitucionais. Da Constituição imperial para a primeira Constituição republicana não haveria regra de reforma que salvasse a norma de 124. Do movimento revolucionário de 30, com as Constituições de 1934 e de 1937, em que houve novo golpe de estado para o Estado Novo, do mesmo modo não haveria regra de reforma que salvaria o texto de 1891. E o mesmo pode ser dito com relação ao golpe militar que suplantou a Constituição democrática de 1946.
Desse modo, o que a história nos mostra é que não bastam regras evoluídas sobre reformas constitucionais se os fatos subjacentes a Constituição são mais fortes que a sua força normativa.
9. Referências bibliográficas
BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 4ª ed. Brasília: OAB Editora, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7a ed., 2a tiragem, São Paulo: Malheiros: 1997.
BRASIL. Constituição de 1824, 22 de abril de 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
BRASIL. Constituição de 1891, 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
BRASIL. Constituição de 1891, 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
BRASIL. Constituição de 1934, 16 de julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
BRASIL. Constituição de 1937, 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
HESSE, Konrad. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
[i] Nesse sentido: “Poder constituinte sempre houve em toda sociedade política. Uma teorização desse poder para legitimá-lo, numa de suas formas ou variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da sua reflexão iluminista, da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e anti-autoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7a ed., 2a tiragem, São Paulo: Malheiros: 1997, p. 120.
[ii] HESSE, Konrad. HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
[iii] BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 4ª ed. Brasília: OAB Editora, 2002, p. 89, 109-10.
[iv] BRASIL. Constituição de 1824, 22 de abril de 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
[v] BRASIL. Constituição de 1891, 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
[vi] BRASIL. Constituição de 1891, 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
[vii] BRASIL. Constituição de 1934, 16 de julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
[viii] BRASIL. Constituição de 1937, 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm. Acesso em: 06 fev. 2007.
[ix] BONAVIDES, Paulo. ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 4ª ed. Brasília: OAB Editora, 2002, p. 436-7.
Procurador Federal da Adovocacia-Geral da União - AGU, especialista em Direito Público pela Universidade Nacional de Brasília - UNB, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURIAN, Leonardo. Considerações sobre o processo de reformas das Constituições brasileiras anteriores a de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41160/consideracoes-sobre-o-processo-de-reformas-das-constituicoes-brasileiras-anteriores-a-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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