A pena, bem como o poder de punir do Estado sempre foi alvo de várias pesquisas. Mas, aqui, não se pretende relatar a evolução comparativa da pena na construção do processo penal. Entretanto, o presente artigo representa um estudo a partir da busca pelo fundamento e validade do devido processo penal.
Após esta ressalva, segue o primeiro tópico.
1- Aspecto objetivo e teórico da pena
O castigo ou a forma de punição têm respaldo no desenvolvimento do direito a partir da contribuição filosófica de Kant, que para ele a liberdade pode transformar uma conduta em lei universal, ou seja, a liberdade de um termina quando ultrapassa os limites da liberdade do outro.
Desse modo, o pensamento acerca da prisão e da pena são imprescindíveis, até porque não se pode falar em processo sem o conhecimento da origem e fatores da pena.
A conduta, movida por dolo ou culpa, é constituída pela vontade que direciona à consumação ou tentativa de um delito. Também, o mesmo é inspirado mediante influência diuturna das sensibilidades do homem.
A partir daí, uma conduta violenta pode se inserir em um fato típico antijurídico e culpável. Por outro lado, a pena é organizada e planejada às aqueles que cometem condutas criminosas.
No século XVIII a pena privativa de liberdade não incidia como sanção pena, isto porque a prisão do agente era apenas uma etapa de segurança ou proteção. O sujeito era torturado até a sentença, cuja decisão prolatada determinava-se com a morte do preso.
No canônico há uma abertura de nova sanção penal, cuja condenação não visava a destruição do condenado. Assim, com precisão salienta Lopes Jr (2009, p.2):
A prisão canônica é um importante antecedente da prisão moderna, pois é lá que se encontra os princípios de uma pena medicinal, com o objetivo de levar o pecador ao arrependimento e a ideia de que a pena não deve servir para destruição do condenado, senão para seu melhoramento. Inclusive, na inquisição, a diferença do sistema vigorante até então se conheceu a pena privativa de liberdade, ao lado da prisão de natureza processual ou preventiva.
Pode-se destacar que, passados os séculos XVI e XVII, diante do aumento da criminalidade, os institutos de atuação do Estado não eram eficazes e a partir daí a pena privativa de liberdade começou a se fortalecer no Direito.
Também, os fatores do capitalismo influenciaram no advento desta nova sanção penal, cuja origem é pressuposta no modo de controle econômico imposto naquele contexto social. Em outros termos, a implantação desta pena contribuiria para o desenvolvimento capitalista.
Neste sentido, entre o século XVIII e XIX, consolidou-se de vez a pena como prisão. Mais uma vez, aduz Lopes Junior (2009, p.03):
Convém destacar que o Direito Penal nasce não como evolução, senão como negação da vingança, daí por que, não há que se falar em evolução histórica da pena de prisão. Não se trata de continuidade, senão de descontinuidade. A pena não está justificada pelo fim de vingança, senão pelo de impedir por completo a vingança. No sentido cronológico, a pena substitui a vingança privada, não como evolução, mas como negação, pois a história do Direito Penal é da pena é uma longa luta contra a vingança.
Para Greco (2009, p.488):
Hoje, percebe-se haver, pelo menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. Vários pactos são levados a efeito por entre as nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Cite-se como exemplo a Declaração Universal dos Direitos do homem, aprovada pela Assembleia- Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, três anos após a própria Constituição da ONU, que ocorreu em 1945, logo em seguida à Segunda Grande Guerra Mundial, em que o mundo assistiu, perplexo, ao massacre de, aproximadamente, 6 milhões de judeus pelos nazistas, com a prática de atrocidades tão desumanos como aquelas referidas no início deste capítulo por Michel Foucault ou, quem sabe, talvez piores.
O desenvolvimento, por vezes, implica severas mudanças na sociedade, no Direito Penal, não foi diferente, o juiz imparcial adquire a competência para aplicar as penas, afastando-se a punição como ferramenta de vingança. Ainda, cabe anotar o advento da limitação do poder estatal, como forma de preservação e equilíbrio do julgador.
Com isto, segue o fundamento do processo penal, observado a partir da pena enquanto pressuposto de existência. Em outras palavras, no pensamento de Junior (2009, p.4): “a relação entre processo e a pena corresponde às categorias de meio de fim. Assim nasce o processo penal”.
2- Constituição e processo penal
A existência do processo penal é bem explicada na visão de Lopes Junior (2009), que defende a ideia que da finalidade do processo penal, ou seja, o autor questiona a própria razão do processo penal.
Está correto que a aplicação das normas não prescindir desta lógica do Ordenamento, isto porque esta definição é a base vital do sistema. Desse modo, o autor salienta que o ponto de início de todo diálogo processual penal é a leitura constitucional.
O constituinte originário, ao tipificar diversas garantias constitucionais, inseriu o módulo do processo penal enquanto um ramo do Direito que assegura e fortalece estas garantias.
O Estado pós-moderno é o responsável direto desta postura do processo enquanto garantia mínima. Em sua obra, leciona Jobim (2011, p.15):
Vive-se nas relações sociais, econômicas, políticas, sociológicas, literárias e filosóficas aquilo que se acertou conceituar de pós-modernidade. Mas essa fase é perseguida pelo Direito, pelo processo, do mesmo modo como é vivenciada peal sociedade?
Na doutrina de J. Goldschmidt (1950) apud Lopes Junior (2009) discute-se acerca da pena e do processo, ou seja, o primeiro seria pressuposto do segundo? Ainda, acerca do velho conflito entre direito natural e direito positivo, pergunta-se: é necessário demonstrar ou privar um direito mediante processo?
A partir disto, o questionamento tem como fundamento a própria Constituição, isto porque, agora a doutrina fala-se em efetividade dos direitos fundamentais.
Neste sentido, doutrina J. Goldschmidt (1935 ,p.67) apud Lopes Junior (2009,p.07):
[...] os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa do que seguimento da sua política estatal em geral; e o processo penal de uma nação não é senão um termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição. A uma Constituição autoritária vai corresponder um processo penal autoritário, utilitarista (eficiência antigantista). Contudo, a uma Constituição democrática, como a nossa, necessariamente deve corresponder um processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima eficácia do sistema de garantias constitucionais do indivíduo.
A constituição incide em forma de criar, constituir e planejar a ordem, bem como as competências dos poderes federativos. Além disto, incumbe a doutrina, aos atos legislativos partir da Constituição enquanto pressuposto de validade de um processo democrático. Não há que se falar em democracia sem a realização do processo penal constitucionalizado.
Com o conhecimento que lhe é pertinente, salienta mais uma vez, Lopes Junior (2009, p. 7-8):
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.
Apesar da menção do processo penal como instrumento, esta característica não é adequada, pois, o processo formado mediante relação jurídica não se reduz a um simples elemento de atuação estatal.
Desse modo, cabe destacar que este trabalho não defende a ideia de que a proteção das garantias constitucionais é o mesmo que impunidade. Apenas, registra-se que o mesmo é visto para se aplicar a pena (LOPES JUNIOR, 2009).
O pode-se dizer que, um dos objetivos do processo penal, numa visão constitucional, é relacionar os direitos fundamentais com a repressão ao crime (LOPES JUNIOR, 2009).
A Constituição Federal prevê um rol de direitos e garantias fundamentais e a consolidação do devido processo penal. O texto constitucional apresentar dispositivos penalizados e uma ideologia que não prosperar.
Neste sentido, prescreve Lopes Junior (2009, p.10):
Devemos superar – como efetivamente tem-se buscado- o dogma da completude lógica, que estrutura o tradicional positivismo jurídico, com a crença na completude e coerência do sistema jurídico, negando suas lacunas e dicotomias, enfim, negando sua própria e inerente complexidade.
Como se percebe, o mencionado processualista defende que não se deve substituir a ideologia da crença na lei pela crença na Constituição, isto porque tal fato gera uma negação às novas interpretações da inseridas pelo Direito.
Acerca do processo penal, a Constituição representa nova fase, ou seja, um paradigma instituído na democracia e projetado em face da dignidade e dos direitos atinente e comuns à todo Estado constitucional.
Mais uma vez, prescreve Lopes Jr (2009,p.11):
Então, não basta qualquer processo, ou a mera legalidade, senão que somente um processo penal que esteja conforme as regras constitucionais do jogo (devido processo) na dimensão formal, mas, principalmente, substancial, resiste à filtragem constitucional imposta.
Feito isso, é imprescindível marcar esse referencial de leitura: o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não ao contrário. Os dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941.
Em suma, o fundamento do processo penal deve se inserir a partir do postulado na Constituição, não como forma ideológica, mas instituído como núcleo fundante dos direitos e garantias mínimas.
REFERÊNCIAS
GOLDSCHMIDT, James. Problemas jurídicos y Políticos del Processo Penal. Barcelona, Bosch, 1935.
________. La imparcialidade como Princípio Básico del Processo. In: Revista de Derecho Procesal, n°2, 1950.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 11°ed.Vol. 1.Niterói: Impetus, 2009.
JR, Aury Loppes. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1 4°ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
JOBIM, Marco Félix. Cultura, escolas e fases metodológicas do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Considerações objetivas do processo penal na Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41164/consideracoes-objetivas-do-processo-penal-na-constituicao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.