Como já retratado em artigo anterior, o termo Fazenda Pública é utilizado para designar as pessoas jurídicas de direito público quando figurem em ações judiciais, tanto no pólo ativo, quanto no pólo passivo da demanda.
O termo abrange a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios, assim como as respectivas fundações e autarquias (inclusive as agências, cuja natureza jurídica é de autarquias especiais). A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos também desfruta das prerrogativas da Fazenda Pública, em virtude de expressa determinação legislativa.
Não se inserem no conceito, todavia, as empresas públicas ou as sociedades de economia mista, na medida em que possuem personalidade jurídica de direito privado. Os Estados estrangeiro tampouco desfrutam das prerrogativas.
Dado ao regime jurídico adminsitrativo, pelo qual o interesse público é indisponível e se sobrepõe ao interesse particular, a Fazenda Pública, como representante de tal interesse, ostenta prerrogativas processuais quando litiga em juízo.
Uma destas prerrogativas é o regime diferenciado no que se refere às tutelas de urgência.
Tutela de urgência é gênero, composto tanto pela antecipação dos efeitos da tutela, quanto pelas medidas liminares cautelares.
Há uma diferenciação no regime jurídico processual de ambas, a começar pelo fato de a medida cautelar ser cabível no caso de a satisfação do direito material em si não ser urgente (o que ocorre no caso de antecipação da tutela), mas a urgência se encontrar em medidas necessárias a garantir futura certificação do direito ou em possibilitar a futura execução. Assim, enquanto a medida cautelar se presta como garantia, a antecipação da tutela objetiva satisfação.
As normas que excepcionam a regra geral prevista nos artigos 273 e 461 (antecipação dos efeitos da tutela) e no Livro III do Código de Processo Civil (cautelares) se encontram em leis esparsas, sobretudo no artigo 1° e respectivos parágrafos da Lei 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências; artigos 1° e 2°-B da Lei 9.494/97, que entre outros aspectos, disciplina a antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública e os §§ 2° e 5° do artigo 7° e §° 3 do artigo 14 da Lei 12.016/2009, que regula o mandado de segurança.
A doutrina critica a falta de sistematização adequada do tema (fruto da legislação casuística, elaborada para contornar situações desfavoráveis ao poder público) a e a utilização de linguagem pouco técnica (a título de exemplo, a Lei 8.347/92 refere-se a medidas cautelares, quando notadamente se dirige também a medidas satisfativas do direito material).
De todo modo, a legislação pátria unificou a forma de tratar os provimentos de urgência contra a Fazenda Pública, de modo que tanto a antecipação dos efeitos da tutela, quanto a medida cautelar se submetem às mesmas vedações, independentemente da forma como tenham sido nominadas pela lei.
As tutelas de urgência surgem a partir das premissas de que o processo judicial deve possibilitar àquele que possui direito tudo e exatamente aquilo que receberia no caso de o direito material ser voluntariamente cumprido nos termos que lhe asseguram as normas e da ideia que justiça tardia não é senão injustiça.
Derivam da instrumentalidade do processo, da necessidade de adequação do procedimento ao direito material a ser tutelado e do reconhecimento da urgência processual de certas situações.
A concessão de uma medida de urgência sempre resultará da solução de um conflito de valores prévios, na medida em que haverá o choque entre os valores segurança jurídica e contraditório de um lado e efetividade da jurisdição de outro, sendo que nem sempre estes valores constitucionalmente assegurados poderão conviver de forma harmoniosa. A depender dos elementos do caso concreto, a equação será solucionada a favor de um dos litigantes.
Por trás da opção de se privilegiar as hipóteses em que é possível a concessão de tutelas de urgência está o intuito de resguardar o valor efetividade da jurisdição. Do contrário, as restrições a estas hipóteses dão prevalência ao valor segurança jurídica.
Teori Albino Zavascki leciona que a análise do caso concreto deve levar em consideração o princípio da necessidade; o da menor restrição possível e o da salvaguarda do núcleo essencial. A partir de tais premissas, entende que em princípio não é inconstitucional a restrição, firmada em lei ordinária, à concessão de medidas liminares antecipatórias, desde que na formulação da regra limitativa sejam observados os princípios acima enunciados. Para concluir que Juízos definitivos sobre a legitimidade da concessão ou da restrição à concessão de liminares certamente não dispensam o exame particular da colisão de direitos fundamentais concretamente verificada[1].
O artigo 1° da Lei 8.347/92 estabelece que Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal. Já o § 1° dispõe que Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.
Tais normas possuem a duas funções precípuas: (i) manter a harmonia e unidade do sistema, na medida em que de nada adiantaria a proibição da concessão de liminares em mandado de segurança caso fosse possível a concessão da medida em ações diversas e (ii) evitar burla às regras de competência firmadas em razão de prerrogativas por foro de função (na medida em que estas não existem na ações cautelares). Assim, o Juiz que não for compete para julgar o mandado de segurança em virtude de o agente do ato (ainda que não figure na ação cautelar) possuir foro próprio em decorrência do cargo que ocupa (nas ações relacionadas ao exercício deste) não estará autorizado a conceder tutela de urgência de nenhuma espécie.
Leonardo da Cunha Carneiro entende que tais vedações não poderão ser opostas nos casos em que não seja cabível o Mandado de Segurança (por exigir dilação probatória, por exemplo) ou que em já houver decorrido o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração tal restrição não será cabível.
Respeitosamente, entendemos que pela redação do artigo este não parece ser o melhor entendimento. Isso porque a intenção do legislador parece ter sido ser apenas a estender à concessão de medidas cautelares naqueles casos em que já havia obstado a medida no mandado de segurança por entender não existir perigo de dano ou definido que o valor segurança jurídica deveria prevalecer no choque com o valor efetividade do provimento jurisdicional. Ao que parece não se trata de uma questão procedimental, mas que, ao contrário, leva em consideração o direito material tutelado.
O § 3° prevê que Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação. Tal previsão decorre da própria natureza da cautelar, que possui apenas referibilidade em relação ao provimento final, prestando-se a garanti-lo, mas não a prestá-lo de forma antecipada.
Todavia, doutrina e jurisprudência entendem que não se trata de regra absoluta. Ao tratar do artigo 273, 2° do Código de Processo Civil, que apresenta norma análoga (destinada às antecipações em geral), Luiz Guilherme Marinoni e Mitidiero lecionam que a superação da regra pressupõe a demonstração de que a regra, caso aplicada, desmente a finalidade para a qual foi pensada, qual seja, propiciar uma tutela jurisdicional adequada e efetiva aos direitos. nesse caso, não é razoável aplicar a norma, devendo o intérprete ponderar as posições jurídicas em jogo e tutelar a que lhe parece mais verossímil e, pois, digna de proteção[2].
Por sua vez, o § 5o do mesmo artigo prescreve que Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários.
Dois aspectos são determinantes na previsão deste artigo. O primeiro aspecto refere-se ao fato de uma vez concedida medida liminar que deferisse o cancelamento de crédito tributário, não seria possível reverter a medida. O aspecto mais relevante, todavia não se refere ao fisco diretamente, mas ao direito de concorrência, na medida em que na hipótese de ser deferida liminar para uma empresa e negada a outra (em causas idênticas), o custo operacional de uma delas seria menor (durante toda a vigência do processo em que se discute o tributo), o que resulta na possibilidade de cobrança de preços menores pelo mesmo produto.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido válida tal vedação, aplicando-a, inclusive aos tributos lançados por homologação, tanto que o Enunciado 212 de sua Súmula dispõe que A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.
Tratando, entre outros temas da antecipação dos efeitos da tutela em face da Fazenda Pública, a Lei 9.494/97 prevê que:
Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.
(...)
Art. 2o-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Há que se observar que a Lei nº 4.348/64 foi revogada pela Lei 12.016/2009:
Art. 7o (...)
§ 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
(...)
§ 5o As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Art. 14. (...)
§ 3o A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.
Na ADI 223 proposta contra dispositivo da Medida Provisória 173/1990 que vedava a concessão de medida liminar em ações ordinárias e cautelares que questionavam Plano econômico do Governo Collor, o STF entendeu constitucional tal regra, com a ressalva de que seria cabível a demonstração por meio de ação difusa da inconstitucionalidade da restrição no caso concreto por ferir o princípio da razoabilidade.
Marinoni critica a posição defendida no julgamento, afirmando que o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator do julgamento, não realizou a devida distinção entre direito à antecipação e a obtenção da antecipação, a qual necessita da demonstração de preenchimento dos requisitos.
Defendendo a inconstitucionalidade da vedação, o referido autor sustenta que quando se penetra na verificação dos pressupostos da liminar, obviamente não se está perquirindo sobre a abusividade da restrição ao requerimento de liminar ou à aferição de sua concessão, mas sim analisando se a liminar é necessária para tutelar o direito material. (...) O ponto chave, para a solução da questão, está em perceber que a lei ‘proíbe a própria aferição’ dos pressupostos da liminar, embora se fale, por comodidade de linguagem, que a lei ‘proíbe a concessão’ de liminar[3].
De todo modo, o Supremo Tribunal Federal, na análise da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4 reputou constitucional as restrições impostas à concessão da antecipação dos efeitos da tutela pela Lei 9.494/97, com a ressalva expressa de que o entendimento esposado naquele julgamento não se aplica em se tratando de matéria previdenciária. Tal assertiva resultou no Enunciado 729 da Súmula de jurisprudência predominante.
Dessa maneira, nas hipóteses elencadas pela Lei 8.437/92; Lei 9.494/97 e Lei 12.016/2009 não se permitirá ao julgador sequer apreciar a existência dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela ou para a concessão de medida liminar, na medida em que a legislação processual veda de forma absoluta a concessão de tutela de urgência em tais casos.
Referências Bibliográficas
BENASSI, Marcos Antonio. Tutela antecipada em caso de irreversibildade. Campinas : Bookseller, 2001.
BUENO. Cassio Scarpinella, O Poder Público em Juízo, 4ª. ed., São Paulo: Editora
Saraiva. 2008.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª edição. São Paulo : Dialética, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado artigo por artigo – Luiz Gulherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense; São Paulo : MÉTODO, 2010.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3 edição. São Paulo : Saraiva. 2000.
[1] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 3 edição. São Paulo : Saraiva. 2000. p 171.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado artigo por artigo – Luiz Gulherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008. p 273.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado artigo por artigo – Luiz Gulherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008. p 277/278.
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Das tutelas de urgência em face da Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41170/das-tutelas-de-urgencia-em-face-da-fazenda-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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