1. INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal, a quem cabe dar a última palavra na temática da interpretação das normas constitucionais (guardião maior da Carta Magna), tem exercido o seu relevante papel quando da apreciação das controvérsias relativas à responsabilidade civil estatal, extraindo-lhe o conteúdo; delineando os seus limites e clarificando o seu sentido teleológico (mens legislatoris).
De outro lado, e tendo em vista a especial relevância que o tema assume na doutrina, é de bom alvitre aquilatar os contornos dados pelos administrativistas, ora para esclarecer e firmar o entendimento jurisprudencial, ora para apontar as disparidades existentes.
2.1 - A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (POSSIBILIDADE, OU NÃO, DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA DIRETAMENTE CONTRA O AGENTE PÚBLICO CAUSADOR DO DANO)[1].
Não é incomum verificar que o prejudicado pela atuação ou omissão estatal em vez de postular ação indenizatória em face da pessoa jurídica de direito público ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, propõe-na em face do próprio agente público causador do dano.
Ao enfrentar a vexata quaestio, em sede de Recurso Extraordinário, com tutela postulada nesses moldes, o Supremo Tribunal Federal, por sua 1ª Turma (RE n.º 327.904/SP, 2006), entendeu ser incabível tal pretensão, uma vez que, segundo as razões de decidir então exaradas, o dispositivo constitucional encartado no art. 37, § 6º, prevê uma dupla garantia: uma em relação ao particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que preste serviço público; outra em favor do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer.
Sendo assim, consoante o posicionamento estampado pelo Altíssimo Pretório, o terceiro lesado em sua esfera jurídica não pode ingressar com ação de indenização diretamente contra o próprio agente causador do dano, visto que a norma constitucional assegura a este a garantia de somente ser demandado, em ação de regresso, pela própria administração pública.
Nesta mesma assentada, o Ministro Relator citou ainda precedente da 2ª Turma do STF (AI nº 167.659-AgR/PR, 1996).
2.2 - A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NA DOUTRINA BRASILEIRA (POSSIBILIDADE, OU NÃO, DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA DIRETAMENTE CONTRA O AGENTE PÚBLICO CAUSADOR DO DANO).
O posicionamento dispensado pelo STF não deixa de encontrar resistência na doutrina. No particular, válido é o ensinamento de Celso Antônio B. de Mello (2004, p. 917), para quem a norma em questão não possui caráter de proteção ao agente perante terceiro. Ou seja, não há a dupla garantia a que se refere o Ministro relator.
O que se extrai das lições do renomado administrativista é que essa dupla garantia abrange o terceiro e o patrimônio público, não havendo que se falar, pois, em proteção ao agente causador do dano.
Vejamos:
A norma visa proteger o administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade objetiva em muitos casos. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade de proceder contra quem lhe causou o dano. Sendo um dispositivo protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado. (grifo posto).
Destarte, segundo o abalizado entendimento doutrinário, a mens legislatoris (teleologia da norma constitucional) é a proteção do patrimônio público e do administrado, e não do agente público.
Seguindo esta orientação, a propositura da ação diretamente contra o agente do estado atende exata e simultaneamente aos dois interesses protegidos pela norma: por um lado, põe a salvo o patrimônio coletivo, na medida em que a execução da sentença condenatória somente recairá sobre o patrimônio do agente causador; por outro, satisfaz a pretensão da vítima, que, por qualquer razão, prefira perseguir o ressarcimento diretamente em face do agente provocador.
Diante da análise acima alinhada, verifica-se que o atual posicionamento do Altíssimo Pretório não encontra eco em abalizado entendimento doutrinário, haja vista a diversidade de perspectiva de enfoque que se dá ao tema (garantia ao agente público versus garantia ao administrado/patrimônio público).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 327.904/ SP – São Paulo, Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento: 15/08/2006. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 10 de out. 2006.
_______. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 167.659/PR – Paraná, Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 18/06/1996. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 30 de abril. 2007.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 2004.
NÓBREGA, Flávio Henrique de Oliveira. A responsabilidade civil extracontratual do estado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_da_esmarn/article/view/70
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