RESUMO: no presente artigo aborda-se as reformas constitucionais no que diz com suas restrições, ou seja, com seus limites. Colocamos a classificação adotada para, depois, abordar os limites temporais, formais, materiais e implícitos. Por fim, respondemos a questão inicial proposta sobre se a quantidade de limites engessa as gerações futuras.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição de 1988. Reformas constitucionais. Limites das reformas à Constituição. Limites temporais, formais, materiais e implícitos.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Constituição de 1988, tal qual as antecessoras, e como é comum em direito comparado, prevê uma série de limitações ao poder constituinte derivado, mesmo porque toda Lei Fundamental nasce com aspirações de durabilidade, se não infinita, ao menos de longa e profícua duração. Muitas vezes, ou quiçá no mais das vezes, isso não ocorre e há quebra de continuidade das Constituições, mesmo que a “culpa” pela interrupção não seja necessariamente da norma se não da realidade subjacente a ela.
A ideia de limite às reformas tem exatamente essa pretensão de que o ideário central de uma Constituição permaneça ao passar dos tempos e as reformas promovidas pelo poder constituinte derivado. E assim é com a Constituição de 1988. Há, como não poderia deixar de haver, a previsão da possibilidade de reformas; e há, também, limites para tanto.
No presente artigo iremos abordar os limites às reformas constitucionais para, ao final, responder a questão sempre presente se uma quantidade grande de limites engessa o caminho das gerações futuras pela geração passada.
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO UTILIZADA
Conforme a orientação de Nelson de Souza Sampaio,[1] os limites podem ser classificados em temporais, formais e materiais. A proposta classificatória continua sendo amplamente utilizada entre nós, pelo que, mesmo registrando importantes trabalhos que propõe um entendimento diverso[2] – no mais das vezes estabelecendo mais uma subdivisão –, a adotaremos, seguindo do mesmo modo Ingo Sarlet,[3] que serve de referência para as presentes reflexões e,p com o qual, comungamos com os ensinamentos. Ademais, destacaremos os limites que vem sendo designados como implícitos e suas implicações.
3. LIMITES TEMPORAIS (PCIRCUNSTANCIAIS) E FORMAIS
Os limites temporais, tomados em sentido mais amplo, dizem com a fixação de prazos e oportunidades para a reforma, pelo que nos parece plenamente adequado a fixação dos ditos limites circunstanciais, como os casos de proibição de emendas enquanto durar intervenção federal, estado de sítio e estado de defesa (art. 60, § 1º),[4] neste tópico. A proibição de emendas durante tais eventos visa garantir a própria legitimidade das deliberações, visto que, do contrário, poder-se-ia comprometer a autonomia da vontade do Congresso com algum tipo de pressão feita pelo Poder executivo.
De outra parte, o constituinte nem limitou o número de emendas à Constituição e nem fixou prazo mínimo para a atuação do poder constituinte,[5] embora tenha estabelecido a impossibilidade de reapresentação de matéria constante da proposta de emenda rejeitada ou prejudicada na mesma sessão legislativa (Art. 60, § 5º). A norma aqui, por óbvio, refere-se ao projeto de emenda e não a rejeição de eventual substitutivo apresentado por deputado ou senador, como já decidiu o Supremo,[6] e, sob outro aspecto, veda de forma absoluta a reapresentação, sem possibilidade de aplicação do art. 67 da Constituição, que diz com os projetos de leis tão somente.
No que diz com os limites formais, referente à iniciativa, deliberação, aprovação, nossa Constituição adotou uma posição mais restritiva o que, com isso, podemos classificá-la entre aquelas Cartas denominadas de rígidas. Limitou a legitimidade para o início do processo legislativo de reforma ao Presidente da República, um terço da Câmara dos Deputados ou do Senado e a mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades federadas, desde que em cada Parlamento dos Estados tenha havido manifestação favorável de maioria relativa de seus integrantes (Art. 60, I a III). Esta última possibilidade, aliás, de tão exigente, não há emendas aprovadas que tenham sido iniciadas deste modo.
O processo legislativo também é mais dificultoso, na medida em que exige votação em dois turnos em cada casa do Congresso e aprovação por, no mínimo, três quinto de seus membros (Art. 60, § 2º), além de impor a indicação nas emendas dos respectivos números de ordem (Art. 60, § 3º). Aplicam-se, ademais, ao trâmite das emendas as normas gerais do processo legislativo, como a disposição do art. 65, parágrafo único, da Constituição, isto é, em ocorrendo emenda ao projeto voltará a casa iniciadora. A respeito desta regra o Supremo possui jurisprudência farta, também aplicável aos projetos de emendas à Constituição, que possui orientação que o retorno à casa iniciadora é obrigatório nos que a emenda altere o “sentido normativo”[7].
Ademais, a promulgação pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não é mero capricho formal, se não que a própria afirmação do poder constituinte reformador por não estar este à disposição do juízo de constitucionalidade ou de conveniência e oportunidade que são dados ao Presidente da República nos projetos de leis infraconstitucionais, o que também nesse passo é comprovada a diferença dos processos legislativos.
Os limites temporais e formais, da forma que foram colocados na Constituição, afirmam a nota da rigidez constitucional da Carta de 1988, por ser o processo de emendas mais dificultoso do que os para aprovação das leis em geral.
Nada obstante, os limites temporais e formais, de acordo com doutrina amplamente majoritária, não excluem a possibilidade das mutações constitucionais informais através da própria evolução do direito constitucional não-escrito por meio da interpretação, dos costumes constitucionais, desde que estes se mantenham fiéis ao sentido textual da Constituição,[8] e da própria realidade subjacente a Lei Maior.
4. LIMITES MATERIAIS
Os limites materiais ao poder de reforma visam assegurar que determinados conteúdos da Constituição considerados essenciais permaneçam para o futuro ou, como já se observou, tem seus olhos voltados para o futuro, por serem a própria identidade da Carta, sem a qual, restaria descaracterizada com o que se formulou na constituinte. Tomando-se o sistema jurídico como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios e regras em cujo centro encontra-se a Constituição, conforme a concepção de Juarez Freitas,[9] observa-se que todo sistema jurídico, conforme lição de Alexandre Pasqualini, “reclama um núcleo de constante rigidez (cláusulas pétreas), capaz de governar os rumos legislativos e hermenêuticos não apenas dos poderes constituídos, mas da própria sociedade como um todo”,[10] sem que com isso se prejudique a abertura material e a estabilidade.
A fixação dos limites materiais significa que a Constituição, por mais que preveja a sua reforma, não está a disposição do poder constituinte derivado a tal ponto, ou seja, reformar-se para adequação aos novos tempos sim; contudo, auto-destruição através de emendas não. A elevação a “Cláusulas Pétreas” de determinadas matérias, como os princípios fundamentais, os direitos fundamentais, bem como a forma de Estado e de governo, está a comprovar a íntima relação entre os limites materiais e a identidade[11] da Constituição ou os elementos e princípios essenciais da ordem constitucional.[12] Se o titular do poder constituinte não mais está de acordo com o núcleo da Carta é preferível que se faça outra Constituição à total descaracterização da atual, ou seja, os limites além de funcionarem como garantia da Constituição escancaram as alterações ilegais do processo de reforma e a máscara de legalidade, como ocorreu noutros tempos. Esta é a tensão que se coloca entre a permanência do núcleo que traz a identidade do próprio processo constituinte que a elaborou e as gerações futuras e os reclamos na sentido de sua alteração,[13] sendo necessário que não se coloque um caminho de ferro e, ao mesmo passo, se garanta a realização dos fins constitucionais.[14]
Com efeito, a imutabilidade da Constituição estabelecida por limites materiais expressos não exclui outras formas de limitações da mesma natureza que não estão expressamente consagradas no texto constitucional, e que costumam ser designados de limites imanentes, não-escritos ou implícitos.[15] Embora haja uma certa concordância em doutrina acerca da existência de limites não necessariamente expressos pelo Art. 60, com a mesma força jurídica dos expressos,[16] também não é menos certo que não há unanimidade a respeito de quais são estes limites. De toda sorte, por mais que possamos nos abeberar em doutrina alienígena, temos que dar razão aos que entendem que a construção de uma teoria dos limites implícitos só pode ser feita à luz de determinada ordem constitucional positiva, isto é, os limites imanentes devem ser deduzidos desde a Constituição, considerando, especialmente, os princípios e direitos cuja abolição ou restrição possam levar a ruptura da própria ordem constitucional,[17] sem se afastar, nas palavras de Canotilho, das “conexões de sentido captadas do texto constitucional.”[18]
Dentre os limites implícitos poderíamos citar, de forma sumária[19] tendo em vista o objetivo desses comentários, a proibição de uma reforma geral ou, ao menos, com o objetivo dos nossos direitos e princípios fundamentais, o que acabaria por alterar substancialmente a própria Lei Maior. O próprio processo de reforma constitucional está abarcado pelos limites implícitos,[20] conforme entendimento já assentado pela doutrina, pelo que é inadmissível a possibilidade de dupla revisão, ou seja, modificar os limites da reforma para após abolir dispositivo que antes era protegido pelos limites ao poder de reforma.
Os princípios fundamentais esculpidos no Título I, artigos 1º a 4º, que não forem abarcados pelo parágrafo quarto do art. 60, são outro exemplo de limites imanentes. O sistema presidencialista e a forma de governo republicana, após a consulta popular de 1993, também ingressaram, por vontade do eleitor, no rol dos limites, haja vista que seria contraditório prever o princípio republicano, aliás como fizeram todas as Constituições desde de 1891, entre as “Cláusulas Pétreas” se, logo após a promulgação, caberia a participação direta escolher.
Por fim, devemos delimitar o alcance dos limites materiais expressos, sem antes lembrarmos que a norma não protege apenas a supressão total do dispositivo protegido, mas também contra a emenda tendente a abolir, expressão esta referida por primeiro pela Constituição de 1891; além de proibir a apreciação e votação dos projetos que atentam contra este preceito, o que faculta o controle jurisdicional.
Posto isso, não viola os limites expressos as emendas que alterem os dispositivo protegidos, isto é, não são as “Cláusulas Pétreas” absolutamente intangíveis.[21] Ademais, a proteção a determinado direito ou princípio refere-se não somente ao dispositivo em que este está expressa, como, do mesmo modo, protege contra o poder de reforma todos os demais preceitos essenciais a ele. Assim, v. g., a proteção do princípio federativo (Art. 60, § 4º, I) não se limita ao art. 1º, se não que abrange os dispositivos em que ele se manifesta, como, a repartição de competências entre os três níveis da federação, a autonomia dos Estados-Membros e Municípios (respectivamente os arts. 25 a 28 e 29 a 30).
Outro aspecto que nos resta abordar é a possibilidade de controle jurisdicional do processo legislativo das emendas ou mesmo de leis ordinárias, eis que há proibição de apreciação de proposições que atentem contra as “Cláusulas Pétreas”. Aqui não se trata de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade no direito brasileiro, o que não é admitido pela Constituição e pacífico na jurisprudência e doutrina, mas sim quando a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, como ficou assentado em leading case do Supremo, em especial o voto do Min. Moreira Alves, desde 1980,[22] orientação esta que vem sendo seguida pelo STF[23] onde é repisado que o apenas o parlamentar tem legitimidade ativa para impetração, na medida em que possui o direito liquido e certo ao devido processo legislativo constitucional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede de conclusão, retornamos a questão inicial, qual seja, se uma quantidade grande de limites engessa o caminho das gerações futuras pela geração passada.
Esse debate é feito exatamente com relação aos limites materiais a reforma constitucional, ou seja, tais conteúdos engessam as gerações futuras/ e limitam em demasia a democracia brasileira que fica presa as decisões de um passado. Um argumento adicional a este debate que, em suma, também envolve a questão democrática, pode ser buscado na nossa evolução constitucional e apropria história do constitucionalismo brasileiro com vistas a observar as diferenças dentre nossas Constituições do passado. Num primeiro momento podemos vislumbrar que as Constituições classificadas de outorgadas e autoritárias, isto é, cuja elaboração não se pautou pela abertura democrática, forma econômicas nos limites materiais ao poder de reforma. Assim, a Constituição de 124 não fez referência a limitações de cunho material; a Constituição “polaca” de 1937 do Estado Novo também não previu esses limites e, por fim, a Constituição de 1967/69p foi a que mais se assemelhou as Constituições democráticas.
Por sua vez as Constituições democráticas, e a de 1988 é o maior exemplo disso, sempre trouxeram limites materiais ao poder de reforma, demonstrando a preocupação dos constituintes para a permanência dos princípios e direitos que formam a essencialidade ou o núcleo da Constituição. Ora, a conclusão que podemos tomar, sem ser definitivo, mas sim como mais um argumento favorável, é que se de fato os limites materiais são uma restrição à democracia por que não foram amplamente adotado pelas nossas constituições provindas dos momentos autoritários de nossa história?
Assim, não são os limites materiais às reformas constitucionais que possuem o condão de engessar a democracia, mesmo porque a ampla quantidade de emendas até o presente, na trajetória da Constituição de 1988, desbanca completamente esse argumento. O que nos leva a considerar e aceitar que a ideia de limites também se presta para garantir a continuidade do sistema democrático, pelo fato de que maioria ocasionais e circunstâncias nem sempre consideram os direitos de minorias.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional. Bahia: Livraria Progresso Ed., 1954, p. 79 e ss.
[2] V. os autores, entre outros, que propõe uma classificação em quatro grupos, acrescendo aos três descritos os limites circunstancias que, para nós, se enquadram entre os limites temporais. São eles: ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao poder de reforma constitucional. In: Revista de Informação Legislativa n. 120 (1993), p. 174; Na doutrina estrangeira adotando uma classificação ampla: CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1060 e ss.
[3] V. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 414.
[4] Com mesmo entendimento: COELHO, Inocêncio Mártires. “Os limites da revisão constitucional”. In: Revista de Informação Legislativa n. 113 (1992), p. 69 e ss.
[5] A Constituição portuguesa de 1976 foi prodigiosa nas limitações temporais: a) no seu texto originário previu um tempo mínimo de quatro anos em que foi proibida qualquer forma de reforma; b) estabeleceu o tempo de cinco anos como intervalo mínimo entre as revisões ordinárias; c) possibilita a revisão extraordinária a qualquer momento, conquanto que seja preenchido o elevado quorum de 4/5. V. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição., p. 1062-3.
[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 22.503-DF. Relator: Min. Marco Aurélio Mello. Brasília, DF, 5 de maio de 1996. Diário de Justiça da União, 6 de jun. 1997. Na ementa: “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, RELATIVO À TRAMITAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DIVERSAS NORMAS DO REGIMENTO INTERNO E DO ART. 60, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRELIMINAR: IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA QUANTO AOS FUNDAMENTOS REGIMENTAIS, POR SE TRATAR DE MATÉRIA INTERNA CORPORIS QUE SÓ PODE ENCONTRAR SOLUÇÃO NO ÂMBITO DO PODER LEGISLATIVO, NÃO SUJEITA À APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; CONHECIMENTO QUANTO AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. MÉRITO: REAPRESENTAÇÃO, NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA, DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DO PODER EXECUTIVO, QUE MODIFICA O SISTEMA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, ESTABELECE NORMAS DE TRANSIÇÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS (PEC Nº 33-A, DE 1995). I - Preliminar. 1. Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda aglutinativa, com alegação de que, além de ofender ao par. único do art. 43 e ao § 3º do art. 118, estava prejudicada nos termos do inc. VI do art. 163, e que deveria ter sido declarada prejudicada, a teor do que dispõe o n. 1 do inc. I do art. 17, todos do Regimento Interno, lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa. A alegação, contrariada pelas informações, de impedimento do relator - matéria de fato - e de que a emenda aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada, para reputá-la inadmissível de apreciação, é questão interna corporis do Poder Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário. Mandado de segurança não conhecido nesta parte. 2. Entretanto, ainda que a inicial não se refira ao § 5º do art. 60 da Constituição, ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra; assim interpretada, chega-se à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional, esta sim, sujeita ao controle jurisdicional. Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. II - Mérito. 1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. 3. Mandado de segurança conhecido em parte, e nesta parte indeferido” (grifamos).
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3367-DF. Relator: Cezar Peluso. Brasília, DF, 13 de abril de 2005. Diário de Justiça da União, 14 de março de 2006.
EMENTA: “1. AÇÃO. Condição. Interesse processual, ou de agir. Caracterização. Ação direta de inconstitucionalidade. Propositura antes da publicação oficial da Emenda Constitucional nº 45/2004. Publicação superveniente, antes do julgamento da causa. Suficiência. Carência da ação não configurada. Preliminar repelida. Inteligência do art. 267, VI, do CPC. Devendo as condições da ação coexistir à data da sentença, considera-se presente o interesse processual, ou de agir, em ação direta de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional que só foi publicada, oficialmente, no curso do processo, mas antes da sentença. 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. 5. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004. Supressão pelo Senado Federal. Reapreciação pela Câmara. Desnecessidade. Subsistência do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência. Argüição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de projeto que, na redação remanescente, aprovada de ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido normativo. 6. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Membro. Advogados e cidadãos. Exercício do mandato. Atividades incompatíveis com tal exercício. Proibição não constante das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004. Pendência de projeto tendente a torná-la expressa, mediante acréscimo de § 8º ao art. 103-B da CF. Irrelevância. Ofensa ao princípio da isonomia. Não ocorrência. Impedimentos já previstos à conjugação dos arts. 95, § único, e 127, § 5º, II, da CF. Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido aditado. Improcedência. Nenhum dos advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional de Justiça pode, durante o exercício do mandato, exercer atividades incompatíveis com essa condição, tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, dedicar-se a atividade político-partidária e exercer a advocacia no território nacional.”
[8] Nesse sentido, v., entre outros: ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao poder de reforma constitucional, p. 164-5.
[9] FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
[10] PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação sistemática do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 80.
[11] A respeito da identidade constitucional e sua constante construção e reconstrução, v. ROSENFELD, Michel. A identidade do sujeito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
[12] Reportando-se as lições de K. Hesse e B. O. Bryde, v. MENDES, Gilmar Ferreira. Limites da revisão: cláusulas pétreas ou garantias de eternidade - possibilidade jurídica de sua superação. Revista da AJURIS, Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 21, n. 60, mar./1994, p. 250.
[13] Cf. SILVEIRA, José Neri da. A reforma constitucional e o controle de sua constitucionalidade. Revista da AJURIS, Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 22, n. 64, jul./1995, p. 207; Carmen Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao poder de reforma constitucional. In: Revista de Informação Legislativa n. 120 (1993), p. 174.
[14] Nesse sentido: CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição., p. 1059 e ss.
[15] Nesse sentido: SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional., p. 92 e ss.
[16] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Constituição e mudança constitucional: limites ao poder de reforma constitucional., p. 178.
[17] Cf. K. Loewenstein, os limites implícitos devem decorrer do “espírito”, do “telos” da Constituição, independentemente de um declaração expressa. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1976, p. 189.
[18] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7, p. 1067.
[19] Para uma maior verticalidade nos argumentos dos exemplos de limites implícitos e, do mesmo modo, para uma maior profundidade que os limites materiais exigem, v. as lições de Ingo Sarlet, em que buscamos grandes ensinamentos para esse artigo: SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 420 e ss.
[20] Cf. SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional., p. 93.
[21] Nesse sentido: SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional., p. 89.
[22] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 20.257-DF. Relator: Min. Décio Miranda. Brasília, DF, 8 de outubro de 1980, 27 fev. 1981.
[23] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 24.642-DF. Relator: Min. Carlos Velloso. Brasília, DF, 18 de fevereiro de 2004, 18 jun. 2004.
Procurador Federal da Adovocacia-Geral da União - AGU, especialista em Direito Público pela Universidade Nacional de Brasília - UNB, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURIAN, Leonardo. Aspectos relevantes sobre os limites da reforma constitucional de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41271/aspectos-relevantes-sobre-os-limites-da-reforma-constitucional-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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