Resumo: Nesse novo milênio que se iniciou, o questionamento sobre a missão e a visão das instituições públicas, bem como sobre os valores e princípios que pautam a sua conduta, ganha um destaque incontestável. A busca da eficiência, de uma gestão estratégica, o foco no fortalecimento da credibilidade junto à sociedade, bem como o aprimoramento da comunicação institucional tornaram-se palavras-chaves. Iniciou-se também um debate sobre como atender à função social afeta a essas instituições. No âmbito da Procuradoria Federal Especializada Junto ao INSS (PFE/INSS), colhem-se vários exemplos de ações que enraízam um novo conceito de advocacia pública, preventiva, estratégica e comprometida para com o fortalecimento e credibilidade da Previdência Social. O presente trabalho revela que há também uma outra forma de os procuradores federais cumprirem com sua função social. Além do exercício de suas funções institucionais típicas, é possível investir também na coordenação de um trabalho repressivo-preventivo, seguindo as metas explanadas ao longo desse estudo, com vistas, em última análise, a reduzir o número de benefícios por incapacidade recebidos indevidamente. Há ainda outros frutos a ser colhidos dessa inédita empreitada, como a atenção à questão da saúde do trabalhador, o fortalecimento da imagem da PFE/INSS e do INSS e o aprimoramento do contato intra e interinstitucional.
Palavras-chave: Função social. PFE-INSS. Advocacia pública inteligente. Prevenção. Comprometimento. Proatividade.
1. Introdução
No redemoinho de ideias e experiências que se combinam neste início de década, início de século e início de milênio, o questionamento sobre as instituições, especialmente as estatais, ganha um destaque incontestável.[1]
A Constituição Federal de 1988, símbolo da nova fase democrática que com ela se iniciava, preocupou-se com o setor público, marcado até então por uma visão autoritária e clientelista do poder e pela ineficiência dos mecanismos de controle público. Com o objetivo de estabelecer em toda a federação uma Administração Pública compatível com os postulados do Estado Democrático de Direito, a Carta Maior disciplinou vários aspectos do chamado setor público, tanto da perspectiva de sua organização e funcionamento, quanto da conduta de seus agentes[2]. Neste contexto, fixou princípios rígidos para toda a Administração direta e indireta, como a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a moralidade. A Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.1998, incluiu o princípio da eficiência, que impõe à atuação do agente público o melhor desempenho possível de suas atribuições, bem como que organize, estruture e discipline a Administração Pública, com vistas à obtenção dos melhores resultados na prestação do serviço público.[3]
Com o novo regime constitucional, vislumbra-se também um alargamento dos papéis e dos poderes desempenhados pelo serviço jurídico da União em razão da instituição da Advocacia-Geral da União. Em seu artigo 131, a Carta Maior previu que, diretamente ou através de órgão vinculado, a AGU representaria a União judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe ainda as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Dessa forma, as tarefas até então confiadas ao Ministério Público da União – relativamente à representação judicial da União, passaram a compor o âmbito de atuação da Advocacia-Geral da União[4].
O Mapa Estratégico da AGU (planejamento 2008-2015), todavia, sinaliza que a função da Advocacia-Geral da União não se limita estritamente a essas atividades de cunho jurídico. Extrai-se desse documento a pretensão de ser reconhecida até 2015 “como instituição modelo de excelência na atuação jurídica, na gestão e na valorização profissional” e a busca pela garantia da “realização de direitos e a segurança jurídica para a sociedade”. Como valores, o Mapa enaltece a autonomia, o compromisso com o resultado, a cooperação, o empreendedorismo, a ética, a inovação, a defesa do interesse público, a integração, a participação, o profissionalismo, a responsabilidade socioambiental e o pluralismo. Essas diretrizes justificam e legitimam o empenho que tem sido direcionado pela AGU na conferência de sustentabilidade jurídico-constitucional às políticas públicas, na defesa do patrimônio, das finanças públicas e do meio ambiente, na prevenção e redução da litigiosidade, na modernização da gestão institucional, no fortalecimento da imagem e da comunicação intra e interinstitucional, bem como na valorização profissional.
O Mapa Estratégico do Instituto Nacional da Previdência Social, autarquia representada pela Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à AGU, nesse mesmo contexto, coloca como missão dessa instituição a garantia da “proteção ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária, inclusiva e sustentável com o objetivo de promover o bem-estar social”. Dentre os objetivos traçados, ressalte-se – em razão dos objetivos deste trabalho – o fortalecimento da educação previdenciária, a minimização da ocorrência de litígios, o aprimoramento da prevenção de riscos ocupacionais e mitigação dos efeitos da incapacidade laboral, bem como a promoção da valorização e da qualidade de vida das pessoas.
Ora, o que se pode extrair desses Mapas? Que as instituições públicas, além de cumprirem estritamente as tarefas que lhes foram designadas pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, desenrolam atualmente um papel mais amplo, que corrobora seus fins institucionais e contribui para a excelência da prestação de seus serviços. Em outras palavras, ao investir nos valores e nos objetivos mencionados em seu Mapa Estratégico, a Advocacia-Geral da União fortalece a sua gestão, adquire legitimidade perante a sociedade e, assim, desempenha com maior eficiência a representação judicial e extrajudicial da União e as funções de consultoria e assessoramento. Basta pensar, por exemplo, no quanto o aprimoramento na troca de informações intra e interinstitucional promove um ganho na defesa judicial e o quanto a redução de litígios permite maior dedicação às ações judiciais relevantes.
Da mesma forma, o INSS, ao focar na garantia de proteção e de qualidade de vida ao trabalhador e no fortalecimento da educação previdenciária, v.g, exerce melhor o seu objetivo específico de reconhecer e conceder direitos aos seus segurados. O Programa de Educação Previdenciária (PEP) desenvolvido pelo INSS, por exemplo, fomenta ações de informação e conscientização sobre direitos e deveres previdenciários, valoriza a cidadania e prepara a sociedade para usufruir, com tranqüilidade e segurança, de tudo aquilo que a previdência pública, enquanto sistema de proteção social, pode oferecer.
1.1 Função social dos procuradores federais
Poder-se-ia resumir esse novo modelo de gestão e de atuação das instituições públicas como o cumprimento de sua “função social”. Esse termo, embora seja um conceito polêmico e sujeito a muita controvérsia, está na ordem do dia, “presente no nosso mundo jurídico em posição de destaque no ordenamento constitucional, no direito civil e no direito público”[5]. Mas não só. Por que também não estender o exercício dessa função a cada um dos cidadãos, profissionais e instituições públicas e privadas?
Acerca da função social do Poder Judiciário, sustentou Michele Taruffo – ao conceber o processo civil como instrumento de solução também de conflitos sociais e econômicos e de redistribuição de riquezas e vantagens – a necessidade, sobretudo, de “um juiz que desempenhe adequada e responsavelmente o papel de operador social que de fato lhe compete”[6]. Mauro Cappelletti, da mesma forma, ressalta que os estudos comparativos por ele realizados demonstram uma tendência evolutiva nas sociedades modernas no sentido da adoção de um sistema de responsabilidade que se poderia denominar de “social”. Afirma, assim, que o Direito e a Justiça não mais se enquadram [tão-só] dentro da moldura tecida por aqueles que criam o direito, que governam, que julgam e administram. O Direito e a Justiça pertencem a um quadro muito mais democrático: o quadro dos “consumidores” do direito.[7]
Pois bem. E qual seria a função social que se espera da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, na condição de órgão da AGU e responsável pela representação judicial e extrajudicial da autarquia previdenciária?
A nova concepção da advocacia pública, focada na prevenção, no desenvolvimento de estratégias e no comprometimento com o fortalecimento e com a credibilidade da Previdência Social junto à sociedade, já é exemplo do exercício dessa função social. Como bem ressaltado pela Coordenação-Geral da Matéria de Benefícios,
“Temos enfrentado um volume acachapante de ações judiciais em matéria previdenciária que talvez resultem no senso comum da necessidade de uma divisão do trabalho baseada na quantidade de demandas existentes e à luz de como se organizam os processos na estrutura judiciária, condicionando a atuação do contencioso à forma tradicional de cumprimento de prazos judiciais e defesas técnicas.
Indaga-se: isso é eficiente e eficaz?
É que, se olharmos o passado recente, observaremos mudanças extraordinárias no assessoramento jurídico do INSS, fruto do planejamento e desenvolvimento do programa de redução de demandas, que ora enraíza um conceito de advocacia pública inteligente: preventiva, estratégica e comprometida para com o fortalecimento e credibilidade da Previdência Social junto à sociedade.
Por outro lado, se olharmos para a circunstância, cada vez mais clara e objetiva, de que existem pensamentos e práticas externas de criação e incentivo à litigiosidade, isso nos faz perguntar como proteger o interesse público de diversas investidas, a exemplo de situações de ajuizamento em massa de ações sem prévio requerimento administrativo, na resistência à aceitação da tese do prévio requerimento; ou, ainda, o hábito de transformar as atividades ordinárias do Poder Judiciário em mutirões e itinerantes.
Hoje já encontramos em muitos colegas a capacidade e a criatividade em transformar a atuação no contencioso de benefícios, inovando a forma de compreender e defender o INSS em Juízo. Tivemos oportunidade de ouvir nas videoconferências a escolha das agências da previdência social para sediar as perícias judiciais nos processos de benefícios por incapacidade; a otimização da eficiência dos assistentes técnicos na busca do consenso sobre incapacidade laboral; ou mesmo na deliberação programada de encerrar processos de benefícios por incapacidade por acordos em face da falta de assistentes técnicos, com posterior envolvimento do programa de redução de demandas, para aperfeiçoar o processo de gestão administrativa desses benefícios”[8].
PFE/INSS
Outros exemplos de proatividade e visão preventiva e estratégica da PFE/INSS podem ser colhidos do seu Plano de Ação previsto para o ano 2010, a saber: a) idealização de programa de combate a fraudes e recuperação de ativos da PFE/INSS; b) desenvolvimento de ação em âmbito nacional para identificação e prevenção do uso indevido do nome do INSS e proteção de seu patrimônio imaterial; c) aprimoramento do relacionamento institucional com órgãos do Poder Judiciário e de controle externo; d) reestruturação dos fluxos de informações entre a PFE/INSS, a Corregedoria-Geral do INSS e o Tribunal de Contas da União, agilizando a análise feita pela Procuradoria para ajuizamento de ações civis públicas de improbidade administrativa, obtendo mais eficiência e eficácia no combate à corrupção e à improbidade administrativa; e) realização de reuniões, presenciais ou por videoconferência, com a participação de servidores das Agências da Previdência Social sobre o Programa de Redução de Demandas; f) acompanhamento da implementação do Projeto do Processo Administrativo Previdenciário; g) elaboração de projeto, em conjunto com a CGCOB e Perícia Médica do INSS, para atuação integrada nas localidades com alto índice de pagamento de precatórios acidentários, com vistas a reduzir o volume de condenações; j) monitoramento e erradicação das ocorrências de benefícios mantidos mesmo após reforma da decisão judicial que autorizou sua concessão; i) criação da cartilha de atividade rural.
Todas essas iniciativas promovem mudanças na defesa da Previdência Social e na prestação do serviço público, além de contribuírem para fortalecer a imagem do INSS e da AGU perante a sociedade. Buscam, nessa linha de ideias, não apenas melhorar a defesa da autarquia previdenciária na condição de ré de uma ação judicial, mas intervir já na fase pré-processual. São ilustrações, assim, do exercício da função social da PFE/INSS.
Impõe-se o registro, dentro desse contexto, de que os procuradores federais também exercem um papel de agentes políticos e sociais, podendo incorporar em seu juízo, como diria Paulo Bonavides, “uma vasta e sólida pré-compreensão das questões sociais”.[9] Esse papel permite uma atuação mais ativa e participativa, consciente não só dos limites, mas igualmente das potencialidades proporcionadas pelo cargo que ocupam e pela autoridade que lhe é inerente.
É exatamente nesse ponto que se enquadra o trabalho que foi desenvolvido pela Procuradoria Federal especializada junto ao INSS em Passo Fundo. Um trabalho que não substitui, mas complementa e se agrega às funções típicas por ela desempenhadas, e se encontra legitimado pela ideia de que esta instituição também exerce uma função social.
A iniciativa nasceu das seguintes indagações: a) se o Programa de Redução de Demandas judiciais (PRD) busca evitar a judicialização de conflitos previdenciários e a concessão de benefícios pelo Poder Judiciário, não seria possível coordenar ações visando à redução de demandas perante o próprio INSS? Naturalmente, um projeto nesse sentido repercute, por via de consequência, no PRD; b) de que forma a PFE/INSS pode, no seu âmbito de atuação, contribuir para o aprimoramento da comunicação interna e externa, e fortalecer a imagem institucional (objetivos constantes no Mapa Estratégico da AGU e da Previdência Social)?; c) como seria possível participar e estimular o debate acerca da saúde do trabalhador e da prevenção de riscos ocupacionais, bem como dos direitos e deveres do segurado da Previdência Social referentes aos benefícios por incapacidade?
Esse terceiro questionamento tem como premissa as seguintes constatações:
“No âmbito da Previdência Social, além de medidas de ordem preventiva, destinadas a todos, como a Educação Previdenciária, primordialmente relacionada à orientação da população e difusão da informação com fins de promoção da cidadania, a proteção aos afetados por incapacidade ocorre primordialmente através da concessão e manutenção de benefícios por incapacidade e da prestação de serviço de reabilitação profissional.
Essas prestações sociais de enorme relevância são responsáveis por números assombrosos na Previdência Social. Para que se tenha vaga noção da dimensão do desafio, cumpre citar que, até novembro, foram concedidos, em 2009, 1.600.011 auxílios-doença previdenciários e 313.872 auxílios-doença acidentários de acordo com o relatório do Ministério da Previdência Social de 11 de janeiro de 2010. O impacto financeiro e social do problema também assume proporção colossal, sendo as doenças profissionais e acidentes do trabalho responsáveis, em 2007, pelo afastamento de 580.592 trabalhadores de forma temporária, 8.504 de forma permanente e pelo óbito de 2.804 outros trabalhadores, sem contar autônomos ou empregados domésticos, gerando um custo na ordem de R$ 46,60 bilhões para o país. Não há de se esquecer, tampouco, o impacto e o custo disso na saúde pública.
O desafio é agravado pela possibilidade de fraudes praticadas por aqueles que pretendem perpetuar-se em gozo de tais benefícios, não buscando tratamento para seus problemas de saúde e utilizando-se das brechas do sistema para desvirtuar a finalidade dos benefícios, causando enorme prejuízos ao conjunto da população contribuinte.
O papel da PFE/INSS em juízo, nas ações que versem sobre benefícios por incapacidade, é verificar a legalidade dos pedidos de concessão/restabelecimento desses benefícios, fiscalizando o preenchimento dos requisitos legais, de forma a proteger o sistema previdenciário e o valor social do trabalho, ao mesmo tempo em que assegura aos cidadãos seus direitos, evitando que segurados que façam jus às prestações fiquem privados indevidamente da cobertura previdenciária”.[10]
Sabe-se que a grande maioria dos benefícios previdenciários são concedidos administrativamente. Essa constatação vem corroborada pelo ICRJ (índice de concessão e reativação em grau de recurso administrativo ou ação judicial). Essa ferramenta serviu e serve para avaliar o impacto da atividade judicial no dia a dia da autarquia.
Em 2004, o ICRJ da Gerência Executiva (GEX) de Passo Fundo correspondeu a 3,11%. Isso significa que, de todos os benefícios previdenciários concedidos, apenas 3,11% foram decorrentes de decisão em grau de recurso administrativo e de decisão judicial. Em 2005, o ICRJ foi de 3,69, em 2006 de 4,24%, em 2007 de 6,12%, em 2008 de 7,84%, e em 2009 foi de 10,81%[11]. No ano de 2010, foram requeridos na GEX desta cidade 13.476 benefícios de auxílio-doença, tendo sido 5.785 indeferidos e 7.295 concedidos. Deste número de concessões, apenas 252 foram devidos à determinação judicial.
Isso significa que uma política de redução de demandas judiciais, muito embora seja de extrema relevância e deva ser seguida por todas as PFEs/INSS, não reduz de maneira significativa os números assombrosos referidos acima. Isso porque essa política atua primordialmente sobre os processos judiciais e sobre os processos administrativos já instaurados.
O volume acachapante de concessão de benefícios por incapacidade sinaliza a complexidade do problema posto à Previdência Social. A pergunta que aqui se fez, então, diz com qual a contribuição que a Procuradoria Federal especializada junto ao INSS, no exercício de sua função social, pode prestar no âmbito dessa problemática.
A ação objeto do presente trabalho versa sua atenção, em última análise, no tema da saúde do trabalhador.
O benefício previdenciário por incapacidade pressupõe a existência de uma doença incapacitante. É natural que os segurados da previdência social, por diversas razões, desenvolvam doenças que impeçam o gesto laboral e gerem, assim, o direito ao recebimento de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez.
O chamado “risco social” é empregado para designar esses fatos ou acontecimentos que ocorrem na vida de todos os homens, com certeza ou significativa probabilidade, provocando um desajuste nas condições normais de vida, sobretudo a percepção de rendimentos do trabalho, gerando necessidades que devem ser atendidas. Os regimes previdenciários, dessa forma,
“são instituídos com a finalidade de garantir aos seus beneficiários cobertura de determinadas contingências sociais. Em sua essência, as normas buscam amparar os trabalhadores e seus dependentes quando vitimados por eventos (reais ou presumidos) que venham a produzir uma perda integral ou parcial dos rendimentos familiares ou despertem outra necessidade considerada socialmente relevante”[12].
O auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, nesse contexto, foram concebidos para amparar o trabalhador incapaz de realizar seu trabalho ou sua atividade habitual por ter sido acometido por uma moléstia incapacitante. O ser humano, em realidade, devido à sua fragilidade e à sujeição a tantos eventos/acontecimentos/acidentes que colocam em risco a sua higidez física e/ou mental, pode vir a precisar ficar afastado do seu trabalho. A previdência social surge, então, para fazer frente a essa contingência, garantindo ao trabalhador seu sustento e o de sua família durante o período de afastamento.
Não se pretende questionar esse direito do segurado da Previdência Social. A cobertura dos eventos de doença e invalidez pela previdência social, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, tem previsão constitucional (art. 201, I). A lei ordinária (Lei 8.213/91) apenas regulamenta esse dispositivo, explicitando os termos deste direito e os requisitos para a sua concessão. Assim, uma vez atendidos os requisitos legais, impõe-se a concessão do benefício de auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez.
O problema que aqui se coloca, todavia, perpassa essa dinâmica natural de concessão desses benefícios previdenciários.
Alude-se, aqui, aos benefícios por incapacidade concedidos em razão das fraudes praticadas por aqueles que pretendem perpetuar-se em gozo de tais benefícios, deixando de buscar tratamento para seus problemas de saúde. Há também os segurados que permanecem laborando no mercado informal e, concominantemente, percebem benefício de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez. Por fim, existem os casos de concessão de alguma prestação social por parte do INSS em razão da ocorrência de acidente de trabalho por culpa do empregador. O deferimento de benefícios pelo INSS, nessas hipóteses, causa enormes prejuízos ao conjunto da população contribuinte.
Subjacente a essas três problemáticas está a questão da saúde do trabalhador. Necessitar de prestação do INSS por ter a empresa desrespeitado a legislação de proteção à saúde e à segurança dos empregados (1), bem como permanecer no gozo de benefício por incapacidade por não buscar tratamento para seu agravo (2), são matérias relacionadas ao âmbito da saúde do trabalhador. O fato de alguém fraudar a Previdência Social, dissimulando a existência de uma doença (3), pode ser indício da existência de problemas com sua saúde mental[13]. A sensação de insegurança e a angústia decorrente do risco de ser “flagrado” recebendo benefício indevidamente pode igualmente repercutir nessa esfera.
Quanto a esses dois segundos pontos (2 e 3), porém, não se pode descurar a existência de uma dimensão cultural que também motiva a perpetração de fraudes e estimula o “encosto” perante a Previdência. Em outras palavras, percebe-se na sociedade a difusão de uma cultura que incentiva a (a) percepção indevida de benefícios por incapacidade e a (b) ausência de interesse e dedicação pessoal na reabilitação profissional.
Considerando que o problema que se denota apresenta, pois, diferentes vieses, embora interligados entre si, há quatro metas idealizadas a serem concretizadas.
META 1: mudança de cultura
A primeira delas visa à mudança dessa cultura que incentiva a percepção indevida de benefícios por incapacidade mediante: a) simulação de doenças incapacitantes que não existem e/ou deixaram de existir; b) não submissão aos procedimentos de reabilitação profissional quando há esse encaminhamento.
A ideia é estimular a criação na comunidade de grupos de apoio com foco na saúde do trabalhador, que serão denominados de “Círculos de Estudo e Debate sobre Cidadania”. Vários temas existenciais poderão ser trabalhados e, paulatinamente, serem introduzidas noções básicas sobre direito previdenciário, sobre o valor dignificante do trabalho, sobre direitos e deveres dos segurados da previdência social, o que inclui a informação sobre as consequências do recebimento indevido de benefícios por incapacidade. A dinâmica a ser adotada é similar àquela dos Alcoólicos Anônimos e de outros grupos de apoio.
Importante deixar bem claro que não compete à Procuradoria a participação efetiva nesses círculos e nas ações práticas a serem desenvolvidas na comunidade. Evidentemente, não obstante se esteja aqui alicerçando a realização desse projeto na função social afeta aos procuradores federais, exigir deles uma participação de tal gênero poderia inclusive inviabilizar (por falta de tempo) o desempenho de suas funções institucionais típicas.
O que se projetou, nessa linha de ideias, é uma atuação apenas na coordenação desse trabalho. Essa coordenação resta facilitada pela autoridade (que não deve ser confundida com autoritarismo) que advém do cargo de procurador federal e pela aproximação com outros órgãos e entidades públicas. Nesse sentido, já foram feitas parcerias com algumas organizações não-governamentais (Escola de Pais do Brasil e Associação de Voluntários desta cidade), bem como com o poder público municipal, com a Delegacia Regional do Trabalho, com o Ministério Público do Trabalho, com instituições de ensino superior (professores e alunos da UPF e da IMED) e com outros órgãos públicos. Tem-se dado importância, ainda, ao contato direto com os vários setores do INSS. Como já referido no início desse trabalho, o aprimoramento da comunicação interna e externa são inclusive objetivos institucionais da AGU.
A atividade de coordenação que aqui se refere, logo, circunscreve-se ao aprimoramento do relacionamento com outras instituições (e com os vários setores do INSS) por meio de organização de reuniões, do estabelecimento de parcerias e de um processo de cooperação interinstitucional. É nesses espaços de interação que ocorre a troca de informações, de ideias e de experiências, e onde se articulam as várias ações a serem empreendidas pelas entidades/autoridades/associações que participam das reuniões, de acordo com as respectivas competências e áreas de atuação.
Naturalmente, a iniciativa dessa coordenação não inibe a ação de outras instituições ou órgãos visando ao mesmo objetivo; ao contrário, isso só somaria maiores resultados. É bom deixar assentado que a possibilidade dessas outras instituições e órgãos de atuarem com o mesmo propósito não pode servir de motivo para deslegitimar a iniciativa da própria Procuradoria.
META 2: combate à fraude
A segunda meta prevista é dar continuidade à discussão sobre a melhor forma de dar encaminhamento às denúncias de recebimento indevido de benefícios por incapacidade, o que inclui a boa instrução dos processos administrativos que analisam os indícios de fraude. O objetivo específico é incentivar as denúncias de fraude por recebimento indevido de benefícios por incapacidade. Convém destacar que o aumento natural dessas denúncias provavelmente será decorrência do trabalho a ser realizado na comunidade.
Para tanto, pretende-se estabelecer um procedimento adequado e célere de apuração dos fatos objetos dessas denúncias, em parceria com a Seção de Benefícios da Gerência Executiva e com o Ministério Público Federal (responsável por dar seguimento às notícias-crime encaminhadas pela Procuradoria Federal). Isso proporcionará uma atuação eficaz na repressão das fraudes perpetradas contra a Previdência Social. Um resultado também esperado da adoção dessa estratégia é a prevenção de futuras fraudes. É cediço, dentro dessas coordenadas, que um trabalho preventivo exige uma atuação repressiva igualmente eficiente.
META 3: ação regressiva coletiva
Por fim, a terceira meta idealizada, que pertence a essa mesma lógica da prevenção-repressão, consiste no ajuizamento de uma grande ação regressiva contra uma empresa localizada nesta cidade, cujas condições de trabalho são responsáveis por um considerável número de afastamentos por LER/DORT. O trabalho contará com o envolvimento da PFE/INSS, bem como com as sugestões da Divisão de Gerenciamento das Ações Regressivas Acidentárias. Pretende-se, com isso, fortalecer a imagem institucional do INSS e da Procuradoria Federal, além de atuar na repressão dessa empresa que viola a legislação de proteção à saúde do trabalhador.
Dentro dessa perspectiva, é digno de registro que as ações regressivas, além dos cunhos ressarcitório e punitivo, são dotadas também de uma função dissuasória[14]. Discorrendo sobre o caráter pedagógico das ações de regresso, Sergio Luis Marques leciona que:
“a ação de regresso que o INSS começará a propor visa, não só, reaver do responsável pelo infortúnio do trabalho o que efetivamente se dispendeu, mas objetiva, precipuamente, forçar as empresas a tomar as medidas profiláticas de higiene e segurança do trabalho. A fim de que a médio e curto espaço de tempo o número de acidentes de trabalho diminua. Aliás, tal meta é de interesse não só do acidentado, mas de toda a sociedade, que vê estirpado de seu âmago indivíduo, muitas vezes, no limiar de sua capacidade produtiva, com prejuízo para todos”.[15]
Dito isso, espera-se reduzir o número de benefícios previdenciários por incapacidade concedidos a empregados dessa empresa, o que está em sintonia com o objetivo geral proposto pela Procuradoria.
3. Notas conclusivas.
Resumindo, portanto, o presente trabalho objetiva fazer frente àquelas situações de concessão de benefícios por incapacidade que, em última análise, poderiam ser evitadas. Com efeito, ao se coordenar um trabalho repressivo-preventivo, seguindo as metas já explanadas, espera-se reduzir o número de benefícios por incapacidade concedidos pelo INSS. É bom deixar claro que a política a ser adotada continua sendo a de que é dever da Previdência Social conceder benefício aos segurados que realmente atendem aos requisitos legais.
Esse propósito, além de vir em prol da saúde do trabalhador, contribui também para fortalecer a imagem institucional e o relacionamento com outras instituições, metas estratégicas da AGU. Outrossim, são colocados em prática os valores referidos no Mapa Estratégico da Advocacia-Geral da União, a saber: a autonomia, o compromisso com o resultado, a cooperação, o empreendendorismo, a ética, a inovação, a defesa do interesse público, a integração, a participação, o profissionalismo e a transparência social.
Contudo, essa estranha sensação inicial cede espaço, paulatinamente, a uma outra: a de que é possível, sim, inovar com ideias empreendedoras, estratégicas e comprometidas com os objetivos e valores contemplados no Mapa Estratégico da AGU. Os resultados pretendidos com esse trabalho beneficiam diretamente a sociedade e valorizam a imagem da Procuradoria Federal e da Previdência Social.
É de se ressaltar que um trabalho dessas proporções não substitui, mas complementa as funções típicas desempenhadas. Depende, ainda, da atuação de uma equipe engajada e da coordenação estratégica a cargo do procurador federal e, é claro, da consciência de que todos temos uma função social a cumprir.
4. Referências bibliográficas
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[1] ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Reforma do judiciário. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília a.35, n.137 jan./mar. 1998, p. 240.
[2] PESSOA, Robertônio Santos. Alerta! A "nova Administração Pública". Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=318>. Acesso em: 31 jul. 2010.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 83.
[4] MENDONÇA, Grace Maria Fernandes. A missão institucional da Secretaria-Geral de contencioso e seus reflexos na defesa das políticas e dos interesses públicos. In: Revista da AGU, n. 21, p. 12.
[5] AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Prefácio da obra Função Social do Direito. TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bicca (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009.
[6] TARUFFO, Michele. La giustizia civile in Italia dal ‘700 a oggi. Bologna: il Mulino, 1980, p. 363-364.
[7] CAPPELLETTI, Mauro. Giudici irresponsabili? Studio comparativo sulla responsabilità dei giudici. Milano: Giuffrè, 1998, p. 90.
[8] E-mail enviado à lista PFE/INSS Redução de Demandas.
[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 540.
[10] PFE/INSS para o futuro: Gestão Estratégica em Matéria de Benefícios. Santo Amaro da Imperatriz, maio/2010.
[11] Dados extraidos do banco de dados informatizados do INSS.
[12] ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 30.
[13] Segundo Hélio Possamai, a dissimulação de uma doença ocorre quando a pessoa busca um ganho secundário, que pode ser através de uma compensação monetária, como é o caso do assegurado do INSS, ou quando a pessoa busca um ganho secundário através da atenção e afeto de outra pessoa.
[14] Vide, a respeito do tema, a obra de MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. São Paulo: LTr, 2010, p. 27-33.
[15] MARQUES, Sérgio Luis. Ação regressiva e o INSS. In: Revista da Previdência Social, n. 187, p. 478.
Procuradora Federal. Mestre em Direito pela PUC/RS.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCHINI, Nicole Mazzoleni. Função social dos Procuradores Federais: atuação inovadora questão dos benefícios por incapacidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41279/funcao-social-dos-procuradores-federais-atuacao-inovadora-questao-dos-beneficios-por-incapacidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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