Resumo: As máximas de experiência ocupam posição de realce no campo probatório. Seja através da função que exercem na interpretação e na valoração dos elementos que instruem o processo, seja no tocante à sua atuação instrumental nas provas indiciárias e na prova prima facie – além das demais atribuições supra mencionadas –, as regras da experiência estão presentes na formação do raciocínio judicial.
Palavras-chave: Máximas da experiência. Presunções. Direito Probatório. Prova indiciária.
Sumário: 1. Considerações preliminares. 2. As presunções legais. 3. As presunções simples. 4. Modelos de constatação aplicáveis à prova indiciária. 5. As máximas da experiência. 5.1. Definição de máximas da experiência. 5.2. Máximas da experiência comum e máximas da experiência técnica. 5.3. Diferenciação de outras categorias do direito probatório. 5.4. Funções das máximas da experiência no direito probatório brasileiro. 6. Conclusão.7. Bibliografia.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Inegável a relevância do estudo da disciplina do direito probatório àqueles que se aventuram no mundo jurídico-processual. Se o direito serve, dentre outras finalidades, à satisfação de direitos e interesses dos jurisdicionados, é preciso partir do pressuposto de que a concessão da tutela jurisdicional pretendida encontra-se vinculada à prova dos fatos alegados pela parte em juízo. Tal constatação revela a inelutável imbricação entre o direito fundamental de acesso à justiça – esculpido no inc. XXXV do art. 5° da Constituição Federal – e o direito à produção das provas suficientes e adequadas à comprovação daquilo que se alega.
2. AS PRESUNÇÕES LEGAIS
O Código de Processo Civil brasileiro, forjado sob o modelo do livre[1] convencimento do juiz no que tange ao sistema de apreciação probatória, admite todos os meios legais de prova, bem como os moralmente legítimos. Isso significa que, além do rol expressamente previsto a partir do seu art. 342, outros elementos de prova também são aceitos pelo sistema para apoiar ou complementar os fundamentos nos quais se encontra amparada a convicção judicial.
Tal constatação se revela de suma importância, sobretudo naqueles casos em que o fato probandum não puder ser apreendido pelos próprios sentido do juiz, tampouco representado, traduzido ou reproduzido pelos meios probatórios previstos no diploma processual.[2]
Há casos em que a situação se resolve mediante o recurso a alguma presunção legal que torne dispensável a produção de prova pela parte que a invocar. É o caso da presunção de paternidade deduzida a partir da negativa injustificada do indigitado genitor de se submeter a exame médico necessário para a confrontação do seu DNA com a da apontada prole (art. 231 e 232 do Código Civil e Súmula n. 301 do STJ). Em não havendo outros elementos probatórios que contrariem essa presunção, o que pode vir aliado a outros dados indiciários favoráveis ao pleito autoral, o decreto será pela procedência da demanda. Outras hipóteses legais também poderiam ser aqui invocadas como a presunção de pagamento das parcelas anteriores quando houver a quitação da última – no caso de pagamento em quotas periódicas (art. 322 do Código Civil) – ou quando ao devedor for entregue o título constitutivo de sua obrigação (art. 323 do diploma civil).
Observe-se que tais presunções legais nada mais representam do que máximas da experiência positivadas. Afinal, é razoável presumir – considerando aquilo que normalmente acontece – que o apontado genitor, que sem qualquer motivo plausível, nega-se a realizar exame de sua carga genética para cotejar com a do autor da ação investigatória provavelmente seja realmente o seu pai biológico. Da mesma forma, em sendo o título de crédito prova da obrigação do devedor (em razão do princípio da cartularidade), presume-se que a entrega deste pelo credor ocorra somente após o adimplemento.
O que se percebe é uma íntima ligação das presunções com a idéia do normal e com o princípio da economia, segundo o qual não há necessidade de provar aquilo que normalmente acontece e que, em razão disso, pode ser concebido como verdade provável[3]. Evidentemente, tais presunções podem ser afastadas por outras provas produzidas nos autos desde que estas se revelem hábeis a sustentar a inaplicabilidade do raciocínio presuntivo no caso concreto.[4]
3. AS PRESUNÇÕES SIMPLES
Ocorre que nem sempre o legislador tratou de contemplar em enunciados normativos regras da experiência. A situação se complica quando a parte não é capaz de provar diretamente os fatos constitutivos do seu direito diante das peculiaridades do caso em concreto ou da natureza do objeto de prova[5]. Nesses casos, conquista significativo relevo no seio processual a prova de fatos que não se referem diretamente ao evento que se quer provar, mas a um outro fato que com aquele se relaciona[6]. O juiz caminha, pela via do raciocínio dedutivo, desses fatos – conhecidos por indícios - ao fato por provar (factum probandum), valendo-se de uma máxima da experiência. Resumidamente, pode-se afirmar que é facultado ao magistrado presumir a existência do fato objeto da ação através da prova de um outro fato que, segundo as regras da experiência comum, traz como conseqüência o fato que se pretende provar.[7]
Um aspecto relacionado a essa temática que vem passando despercebido pela doutrina e pela jurisprudência pátria consiste na análise da força probatória dos indícios. Danilo Knijnik, ao enfrentar esse problema de inegável relevância prática, refere que o grau de probabilidade de existência de um fato desconhecido a ser inferido a partir de um indício será tanto mais intensa quanto maior for a possibilidade do fato que se quer provar ser conseqüência possível do fato provado[8].
Se assim é, o questionamento que se deve elaborar a partir dessa assertiva consiste em saber qual o grau de probabilidade exigível para que uma presunção simples (não legal) possa servir de prova de um fato desconhecido[9]. A resposta varia conforme o modelo de constatação aplicado pelo juiz, cuja escolha, por sua vez, depende da natureza do processo posto à sua apreciação.
Essa questão remete, inexoravelmente, à análise dos três standards de constatação aplicáveis à prova indiciária: teoria tradicional, teoria eclética e teoria da múltipla conformidade.[10]
4. MODELOS DE CONSTATAÇÃO APLICÁVEIS À PROVA INDICIÁRIA
Segundo a teoria tradicional, cada indício deve reunir, isoladamente, três requisitos, quais sejam: a gravidade (quanto à intensidade do convencimento); precisão (quanto à clareza de sua existência); e concordância com o fato probandum[11]. Somente um conjunto de indícios com esses caracteres serve de prova do fato probandum. Essa teoria, embora tenha surgido no âmbito penal, vem perdendo peso atualmente em razão do seu extremo rigorismo.
Em seu lugar, vem tomando assento a teoria eclética, que divide o tratamento da matéria indiciária em duas fases: na primeira, verifica-se se cada um dos indícios contempla os requisitos da gravidade e da precisão; na segunda, investiga-se a presença do elemento “concordância”[12], mas, diferentemente da etapa anterior, aqui se procede a uma avaliação conjunta de todos os indícios, que devem estar ligados a uma única causa.
Do ponto de vista jurisprudencial, percebe-se a aceitação da prova indiciária, embora não se constate no teor dos acórdãos referência aos modelos supracitados. O que se denota é a alusão freqüente ao princípio do livre convencimento do juiz e à tese de que “uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que é exigida para a condenação”.[13]
A teoria da múltipla conformidade, mais branda do que as supramencionadas e com aplicação na seara cível, determina a análise da gravidade, precisão e concordância em operação simultânea com todos os indícios. Consoante o ensinamento de Moacyr Amaral Santos, ocorrendo várias presunções, pode acontece que cada uma, de maneira isolada, não se apresente suficientemente grave e precisa; não obstante, se todas elas dirigirem-se num mesmo sentido e para o mesmo resultado, podem fundamentar a convicção do juiz[14]. Apenas não se revela possível afastar a exigência de prova da certeza da circunstância indiciante diante da vedação consagrada no sistema processual pátrio da chamada presumptum de presumpto (presunção da presunção ou presunção de segundo grau).[15] Tal ocorre quando o julgador vale-se de um indício para provar outro indício, e, a partir deste, convença-se da existência do fato probandum, o que contraria o disposto no art. 239 do Código de Processo Penal[16]. As presunções de segundo grau, pois, somente são admitidas como argumento de prova[17], atuando de forma a melhor fundamentar a convicção do juízo, e jamais como elementos a apoiar isoladamente o veredicto judicial.
5. AS MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA
As máximas da experiência, conforme já mencionado no tópico precedente, exercem uma função de significativa valia no campo probatório. No que tange à prova indiciária, as regras da experiência servem de instrumento para que o juiz chegue ao fato desconhecido a partir de um fato conhecido e provado nos autos. Mas não só: influenciam o próprio legislador a positivá-las, transformando-as em presunções legais. Com total pertinência a observação de Moacyr Amaral Santos quando aponta que essas últimas são conseqüências extraídas de um indício em face do que ordinariamente acontece (id quod plerumque accidit), em que o juiz é substituído pela lei, que é quem realiza o raciocínio e estabelece a presunção, diferentemente das presunções simples, em que o magistrado “faz o raciocínio e estabelece a presunção”.[18]
Essa constatação contribui para a identificação do teor semântico do art. 335 do Código de Processo Civil[19], que faculta ao magistrado, na falta de normas jurídicas particulares, a aplicação das regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece. A ressalva operada pelo dispositivo em questão refere-se às normas sobre presunções legais e regras da prova legal.[20] As normas particulares, assim, segundo Moniz de Aragão, “são máximas de experiência já convertidas em disposição legal que o juiz terá de acatar, ficando-lhe vedado o emprego de outras quaisquer deduções acaso autorizadas pelo fato comprovado”[21]. Logo, já tendo sido estabelecida presunção legal, não pode o juiz valer-se de uma presunção simples extraída a partir de regras da experiência.
O artigo 335 aponta, pois, para a atuação desempenhada pelas máximas da experiência relativamente à prova indireta (indiciária), o que não afasta outras funções, como bem salientado por Francisco Rosito em sua dissertação de Mestrado específica sobre esse tema.[22] Porém, antes de adentrar nessa temática de suma importância, vale abordar, mesmo se de maneira sumária, o conceito de máxima da experiência, o que restará facilitado inclusive pelo confronto dessa categoria com alguns institutos similares.
5.1. Definição de máximas da experiência
Do ponto de vista estritamente conceitual, a elaboração dogmática das máximas de experiência é tributária da doutrina alemã do final do século XIX[23], encontrando-se condensada na obra “O conhecimento privado do juiz” (Das private Wissen des Richters) da autoria de Friedrich Stein.
Segundo o autor, as regras de experiência “são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, independentes dos fatos concretos julgados no processo, e que procedem da experiência, porém independentes dos casos particulares de cuja observação foram induzidos e que, sobrepondo-se a estes, pretendem ter validade para outros novos”[24]. Para que um determinado evento seja qualificado como uma máxima da experiência não importa o número dos fatos observados que lhe deram origem; o que releva é que esse evento consista num episódio que a experiência comum demonstre como sendo aquilo que normalmente acontece.
As máximas da experiência apresentam conteúdo heterogêneo, formado por leis científicas e lógicas, noções provenientes das ciências naturais e humanas, generalizações empíricas, prevalências de comportamento, resultados experimentais adquiridos na valoração das ações humanas, freqüências estatísticas etc.[25] Relativas e variáveis por natureza, as máximas pertencem ao patrimônio cultural de uma dada sociedade em um certo período histórico, dispensando a produção de prova a quem as invoca, mas abertas à comprovação da sua inaplicabilidade em um determinado caso concreto.[26]
5.2. Máximas da experiência comum e máximas da experiência técnica
A categoria em apreço, outrossim, é subdividida em máximas da experiência comum e técnica. Essas últimas, provenientes da ciência, arte ou profissão – mas que também ingressam no patrimônio comum[27], como a noção de que a água ferve a 100°C – diferenciam-se das primeiras em razão da sua exatidão e concisão científicas.[28]
Em realidade, a verdadeira problemática coloca-se na relevante distinção entre máximas da experiência técnica e aquelas informações específicas que dependem de prova pericial. Como observa Cândido Dinamarco, “é impossível traçar a priori uma nítida linha divisória entre a autorização a [ao juiz] valer-se de conhecimentos especializados próprios e a exigência de convocar peritos; cabe aos tribunais avaliar em cada caso o grau de convicção de que sejam portadores os raciocínios técnico-científicos desenvolvidos pelo próprio juiz. Em qualquer hipótese, na motivação da sentença ele tem sempre o dever de desenvolver os raciocínios e demonstrações técnico-científicas em que apóia a conclusão”[29]. O autor sustenta a imprescindibilidade da realização de perícia sempre que a matéria alcançar certa profundidade em termos técnicos porque sem ela as partes restariam privadas do exercício do contraditório e os tribunais não disporiam das demonstrações de ordem objetiva a cargo dos peritos. [30]
5.3. Diferenciação de outras categorias do direito probatório
As máximas de experiência diferem-se dos juízos plurais porque esses não têm o condão de se tornarem regras a serem observadas no futuro[31].
Em relação aos fatos notórios, estes guardam semelhança com as máximas por também integrarem o patrimônio das noções comuns de uma determinada esfera social[32] e por dispensarem prova de seu conteúdo. Quanto a esse ponto importa esclarecer que, “para que um fato seja notório [o que igualmente vale para as máximas da experiência] não é preciso que, efetivamente, êle seja conhecido, bastando que o possa ser por meio de ciência pública ou comum”[33]. Bastará, pois, “a circunstância de normalmente o serem ao tipo médio de homem pertencente a uma certa esfera social”[34]. Embora a existência de tais concordâncias, faltam aos fatos notórios aquele dado empírico próprio das regras de experiência.[35]
Friedrich Stein, ao abordar a categoria, faz menção ao “conhecimento especificadamente judicial” obtido pelos magistrados em razão do exercício de sua atividade jurisdicional. O autor alemão procura vislumbrar limites à sua admissão por recear que, em nome da existência de um fato notório judicial, o juiz possa indeferir a produção de prova. Nesse contexto, Stein sugere a admissão do conhecimento especificadamente judicial apenas quando este for alcançado em virtude da atuação oficial do magistrado, tenha o condão de se converter em conhecimento público e seja recordado de forma convincente pelo juízo.[36] A categoria, todavia, é contestada pela maior parte dos processualistas.
As máximas de experiência também distinguem-se das noções de senso comum, de que seriam exemplos as seguintes assertivas: “quem não chora não está machucado”; “os bons genitores amam os filhos”; “quem se ruboriza mente”; “quem foge é culpado” etc[37]. Por serem dotadas de um significativo dado subjetivo, tais noções mostram-se de pouca confiança, não servindo para revelar situações que a experiência demonstra como hábeis de serem observadas no futuro, tal qual o são as regras da experiência.[38]
5.4. Funções das máximas de experiência no direito probatório brasileiro
Conforme já antecipado nas linhas acima, as máximas da experiência desempenham outras funções além daquela prevista no art. 335 do diploma processual civil. Atuam, por exemplo, na valoração da credibilidade das provas diretas e indiretas e na interpretação das provas produzidas. Por esse raciocínio, compreende-se porque a versão testemunhal apresentada por um profissional confiável, honesto e respeitado na sociedade, sem contradições em seu depoimento, é em regra aceito como verdadeiro pelo juízo, diante da máxima da experiência de que pessoas com esses atributos dizem a verdade. [39]
Outra utilidade desempenhada pela categoria consiste na inversão do ônus da prova. As máximas da experiência, embora dispensem produção probatória por parte de quem as invoca, permitem prova em contrário, hábil a demonstrar a inaplicabilidade da regra comum a determinado caso concreto. Veja-se o exemplo de uma ação por erro médico ajuizada em razão do esquecimento de certo material cirúrgico no corpo do paciente. A máxima de experiência faz presumir a culpa do médico, considerada a incompatibilidade entre o fato verificado e uma operação médica procedida com a esperada diligência[40].
É se mencionar, outrossim, a presença das máximas da experiência na integração do conteúdo semântico de cláusulas gerais e conceitos indeterminados toda vez que esse esclarecimento demandar noções empíricas de caráter geral.[41]
Por fim, as máximas também exercem uma função instrumental. Além de servirem de meio empregado pelo juízo para chegar ao fato desconhecido partindo de um fato desconhecido e provado nos autos, como ocorre nas provas indiretas, a categoria também atua como fundamento à aplicação das chamadas provas prima facie (ou prova de primeira aparência).
Tais provas conservam a estrutura de uma presunção calcada numa norma da experiência[42]. Em síntese, a própria prova é extraída da experiência da vida, o que se revela de significativa valia naqueles casos em que se vislumbra notória dificuldade do emprego dos meios probatórios normais[43]. Um vazamento de certa quantidade de substância nociva em alto mar, por exemplo, faz presumir aos olhos do cidadão comum lesão ao meio ambiente. Nesse sentido, mesmo se impossível a comprovação do dano ambiental mediante perícia, as regras da experiência podem ser invocadas como fundamento ao direito de indenização.[44]
6. CONCLUSÃO
Traçado o panorama em que se projetam as máximas de experiência, observa-se facilmente a posição de realce que estas ocupam no campo probatório. Seja através da função que exercem na interpretação e na valoração dos elementos que instruem o processo, seja no tocante à sua atuação instrumental nas provas indiciárias e na prova prima facie – além das demais atribuições supra mencionadas –, as regras da experiência estão presentes na formação do raciocínio judicial.
Somente um estudo mais firme a respeito da categoria – um dos intentos desse trabalho – viabilizará um controle mais sólido do uso das máximas da experiência pelo Judiciário. Em primeiro lugar, o controlador deve verificar se, caso invocadas, as máximas realmente identificam-se com aquelas noções empíricas de natureza geral e objetiva que se aplicam indistintamente a eventos futuros. Indispensável ainda que sejam submetidas ao contraditório entre as partes e que venham expressas na sentença, o que também permitirá a fiscalização das conclusões delas extraídas pelo juízo.[45]
O mesmo raciocínio aplica-se à prova indiciária. Um estudo que se imponha de forma mais consistente sobre o assunto permitirá analisar a correção do recurso às presunções estabelecidas a partir de indícios como meio de prova do factum probandum. Como já explicitado, a natureza do processo indicará o modelo de constatação aplicável à prova indiciária, matéria essa que não pode ser descurada pelo operador jurídico dada a sua direta implicação com o resultado da demanda judicial.
Enfim, se o presente texto logrou suscitar interesse e debate sobre a matéria aqui versada, terá alcançado seus objetivos.
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[1] Na verdade, não se trata propriamente de um “livre” convencimento, como bem destacam Danilo Knijnik (A Prova nos Juízos Cível, Penal e Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 16) e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 161-164). Consultar também, deste mesmo autor, Problemas atuais na livre apreciação da prova. In: Prova cível. OLIVEIRA, C.A.(org.).2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
[2] AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova judiciária no cível e comercial. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1968, v. 5, p. 392.
[3] GIULIANI, Alessandro. Il concetto di prova: contributo alla logica giuridica. Milano: Giuffrè, 1971, p. 165.
[4] Somente as presunções relativas aceitam prova em contrário. As presunções simples (não previstas em lei) são sempre relativas, ao contrário das presunções legais, que podem ser relativas ou absolutas.
[5] Como é o caso da prova da scientia fraudis na ação pauliana. No âmbito penal, os indícios também corroboram para demonstrar a existência do dolo do agente, como se infere da seguinte ementa: “RECEPTAÇÃO. POSSE DE MOTOCICLETA SABENDO SER PRODUTO DE CRIME. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. 1. O simples encontro da res em mãos do agente constitui indício, e não certeza de que soubesse ou deveria saber de sua origem ilícita. Porém, no caso em tela, o acusado conduzia o veículo e, ao deparar-se com o policial que atendia a ocorrência, tentou evadir-se imediatamente do local. 2. É indispensável que o agente tenha prévia ciência da origem criminosa da coisa para que reste tipificado o delito de receptação dolosa. Como se trata de um comportamento subjetivo é difícil a prova do conhecimento que informa o conceito do crime. Daí a importância da análise dos fatos circunstanciais que envolvem a infração e a própria conduta do agente (...)” (Ap.-crime n° 70013708532, 7ª Câmara Criminal TJ/RS, Rel. Des. Nereu Giacomolli, j. 23.03.06).
[6] SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 392. Importante referir que os indícios não se confundem com as presunções. Na verdade, as presunções representam o raciocínio lógico-dedutivo operado pelo magistrado para, a partir dos indícios e de uma máxima de experiência, chegar à prova do facto probandum. Ademais, importa referir que, segundo o pensamento tradicional, a prova indiciária é classificada como prova indireta justamente por ter como objeto não o fato principal da lide (factum probandum), mas um outro fato (factum probatum) que com aquele se relaciona. As provas diretas, de outro lado, recaem sobre o próprio fato controvertido. Do ponto de vista ontológico, todavia, não há não há diferença entre elas: ambas são provas indiciárias, pois, em última análise, são indícios de um fato passado que se quer reconstruir. A diferença entre elas está no grau: as provas diretas são menos indiciárias do que as provas indiretas. Em razão disso, o raciocínio do juiz ao avaliar uma prova indireta é mais complexo, demandando uma atitude mais prudente por parte do juízo (MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. A prova das intenções no processo civil. In: Revista de Processo, ano 29, n. 155, p. 85, mai./jun. 2004). Carnelutti, ao abordar o tema, refere que “a superioridade da prova direta sobre a prova indireta não tem necessidade de ser sublinhada: a prova é tanto mais segura quanto mais próxima dos sentidos do juiz se encontre o fato a provar”(A prova civil. 2 ed. Trad. Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2002, p. 83).
[7] O clássico exemplo que se costuma referir é a presunção de que o motorista do veículo que se defronta com a traseira de outro veículo é presumido culpado. Afinal, a experiência demonstra que o fato de alguém albarroar a traseira de outro automóvel geralmente é conseqüência de uma sua atitude imprudente, negligente ou imperita.
[8] KNIJNIK, Danilo, op. cit., p. 49. O autor apóia-se no pensamento de MANZONI, Ignazio. Potere di acertamento e tutela del contribuente nelle imposte dirette e nell’iva. Milano: Giuffrè, 1993.
[9] MANZONI, Ignazio, op. cit., p. 188, apud KNIJNIK, D., op. cit., p. 49.
[10] KNIJNIK, D., op. cit., p. 50.
[11] Importa sublinhar que no art. 192, inc. II, do Código de Processo Penal e no art. 2.729 do Código Civil italianos estão referidas as expressões precisão, gravidade e concordância.
[12] O requisito da concordância, embora não exibido sob essa denominação, é expressamente invocado no seguinte acórdão:“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. INDÍCIO. A simples residência na casa onde apreendida droga, isoladamente, não oferece base segura a uma condenação máxime quando nada foi encontrado pelos agentes da autoridade policial em poder do paciente ou entre seus pertences ou em seu quarto. A condenação com base em indícios somente terá lugar, conforme advertência na doutrina, quando a relação entre o fato demonstrado (residência na casa de estudantes) e o fato que se infere (tráfico de drogas), ‘seja tão evidente de modo a não ser possível uma conclusão diversa daquela a que se chega’. Ordem concedida”(HC n. 8.928/SP. Rel. Min Fernando Gonçalves. Publicação DJ 24.05.99; j. 27.04.06. 6ª Turma. STJ)
[13] REsp. n° 130.570/SP, Rel. Min. Felix Fisher, 5ª Turma do STJ. Nesse mesmo sentido, Ap.crime n° 7000964767, 6ª Câm. Crim., Rel. Des. Sylvio Baptista, j. 08.06.00, em cuja ementa se lê: “PROVA. INDÍCIOS. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. Desde os primórdios do Direito, os indícios e presunções são admitidos como elementos de convicção, e integram o sistema de articulação de provas (ar. 239 do CPP). Valem por sua idoneidade e pelo acervo de fatores de convencimento. A quantidade e sucessão de indícios têm força condenatória, pois, de forma lógica e coerente, indicam a autoria com certeza.”
[14] AMARAL SANTOS, Moacyr, op. cit., p. 496.
[15] KNIJNIK, D., op. cit., p. 56. O autor cita como exemplo de utilização de indícios de segundo grau o convencimento formado exclusivamente com base em estatísticas e médias, como é o caso de um lançamento fiscal forjado no fato de que os preços praticados pelo contribuinte divergem significativamente das médias do setor, conduzindo a um reajustamento de seu faturamento. Apoiando-se em Ignazio Manzoni (op. cit., p. 201), Knijnik ressalta que as estatísticas nada mais são do que meras ilações, e não fatos certos e provados (indícios), como se exige no raciocínio presuntivo (op. cit., p. 60).
[16] O art. 239 do Código de Processo Penal conserva a seguinte redação: “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Veja-se que o dispositivo refere-se a circunstância conhecida e provada, que tem relação com o fato probandum, o que não permite extrair a possibilidade da adoção das presumptum de presumpto.
[17] KNIJNIK, Danilo, op. cit., p. 62. Moacyr Amaral Santos entende ser lícito ao juiz fundar uma presunção noutra presunção, embora advirta que o valor probante seja inferior do que aquele extraído de uma presunção simples (op. cit., p. 492).
[18] AMARAL SANTOS, Moacyr, op. cit., p. 423.
[19] Outros dispositivos legais que fazem menção às máximas da experiência são o art. 6°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, e o art. 5° da lei n° 9.099/95.
[20] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2 , p. 198.
[21] ARAGÃO, Egas Moniz de. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Aide [s.d]. v. 4-1, p. 115, apud MARIULZA FRANCO. Máximas de experiência. Legitimação pela fundamentação. In: Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 397.
[22] ROSITO, Francisco. A aplicação das máximas de experiência no processo civil de conhecimento. Dissertação de Mestrado, apresentada no curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil, UFRGS, 2004, p. 142.
[23] ROSITO, Francisco, op. cit., p. 78.
[24] STEIN, Friedrich. El conocimiento privado del juez. Trad. Andrés de la Oliva Santos. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, p. 22.
[25] PASTORE, Baldassare. Giudizio, prova, ragion pratica: un approccio ermeneutico. Milano: Giuffrè, 1996, p.174.
[26]É o que ocorre no seguinte acórdão: “ENERGIA ELÉTRICA. PLEITO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO. FATURA EM QUE A ENERGIA MEDIDA É DISCREPANTE COM RELAÇÃO À MEDIA MENSAL CONSUMIDA PELO AUTOR – MAIS DE 10 VEZES SUPERIOR. O caráter público dos serviços de fornecimento de energia elétrica confere presunção de correção em favor da ré [máxima da experiência]. Tal presunção, contudo, é relativa e pode ceder diante de prova em contrário. Elementos probatórios dos autos - exorbitância da fatura impugnada se comparada ao consumo usual do autor e inovação da tese recursal em relação à defensiva – retiram a credibilidade das assertivas da ré. Não comprovação de que o autor impediu o acesso ao seu aparelho medidor, ensejando a recuperação do consumo. Ausente, igualmente, a demonstração de como a ré chegou à quantidade de energia recomposta na fatura impugnada, já que, de acordo com os demonstrativos que colacionou, nos meses em que o autor supostamente dificultou o acesso ao seu aparelho medidor houve aferição dos serviços, constada quantidade inclusive superior à dos meses antecedentes. Fato novo trazido à baila apenas em sede recursal, do qual não há que se conhecer, sob pena de cercear a defesa da parte adversa. RECURSO DESPROVIDO” (Recurso inominado, n. 71000743013, 3ªTurma Recursal. Rel. Dr. Eugênio Facchini Neto, j. 27.09.05).
[27] O fato de os conhecimentos comuns ou técnicos integrarem o mesmo patrimônio cultural de uma sociedade – e portanto, dispensarem produção de prova do seu conteúdo – faz com que certos juristas entendam que a diferenciação das máximas em comuns e técnicas é apenas doutrinária, como é o caso de José Carlos Barbosa Moreira, Regras de experiência e conceitos indeterminados. Revista Forense, v. 261, jan./mar. 1978, p. 14.
[28] HENKE, Horst-Eberhard. La cuestion de hecho: el concepto indeterminado en el derecho civil y su casacionabilidad. Buenos Aires: E.J.E.A., 1979, p. 96.
[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 3, p. 124.
[30] DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit, p. 124.
[31] Stein, a propósito do tema, refere a seguinte hipótese: mesmo se vários parentes de um acusado comportarem-se da mesma forma em uma certa situação (depondo todos, por exemplo, em seu favor), não se mostra lícito extrair desse exemplo uma regra que se espera seja aplicada indistintamente a casos futuros. Essa hipótese, pois, representa um juízo plural, valendo no máximo como mero argumento de prova (STEIN, Friedrich, op. cit., p. 20-21).
[32] Como bem salientado por Amaral Santos, a notoriedade, assim como as regras da experiência, é um conceito essencialmente relativo: “há fatos conhecidos em todo o mundo cristão – o dia 25 de dezembro é o dia de Natal; há fatos notórios apenas a um dado país – a época da colheita de café é notória no Brasil, especialmente no Estado de São Paulo; há fatos notórios somente em relação a dada região – a época em que se realiza a feira de animais em certa cidade”(Prova judiciária no cível e comercial. 4.ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 1970, v. 1, p. 166). Veja-se a necessária contextualização também do ponto de vista temporal em que se inserem os fatos notórios, assim como as máximas da experiência: se na época da redação da célebre obra de Amaral Santos era fato notório a época da colheita do café, hoje é discutível se esse conhecimento ainda pertence ao patrimônio cultural paulistano.
[33] AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, op. cit., p. 167.
[34] AMARAL SANTOS, Moacyr, Prova judiciária no cível e comercial, v. 1, op. cit., p. 167.
- [35] Há outras diferenças que também vem sinalizadas pela doutrina Consultar, a propósito, Francisco Rosito, op. cit., p. 100-101. Esse mesmo autor faz menção ao fato notório judicial, cuja categoria é reconhecida por alguns doutrinadores, principalmente alemães. São fatos conhecidos pelo juiz ou tribunal em razão da atividade oficial ou de processos anteriores de qualquer natureza.
[36] STEIN, Friedrich, op. cit., p. 133-156.
[37] MANNARINO, Nicola. Le massime d’esperienza nel giudizio penal e il loro controllo in Cassazione. Padova: CEDAM, 1993.
[38] MANNARINO, Nicola, op. cit., p. 72.
[39] Ver, também, Recurso Inominado 71000980243, 3° Turma Recursal Cível/RS, Rel. Eugênio Facchini Neto, j. 31.10.06, com a seguinte ementa: “ACIDENTE DE TRÂNSITO. CRUZAMENTO DOTADO DE SEMÁFORO. VERSÕES CONFLITANTES SOBRE QUAL DOS CONDUTORES ESTAVA COM A PASSAGEM LIBERADA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE FAZEM PRESUMIR ESTAR CORRETA A VERSÃO DO AUTOR. PROVIMENTO DO RECURSO DO AUTOR. DESPROVIMENTO DO RECURSO DO RÉU. No corpo do acórdão o magistrado refere que ambas as versões são possíveis, eis que cada uma das partes atribuiu à outra o desrespeito à sinalização. Ademais, cada uma das testemunhas sustentou a versão da parte que a arrolou. Porém, levando-se em conta que a parte ré não contestou, tampouco apresentou contrapedido, o que permanece sem explicação diante da máxima de experiência de que não é usual que quem tenha colidido em alguém que desrespeitou o semáforo e lhe cortou a frente, simplesmente absorva os prejuízos (ainda mais quando não tem cobertura securitária), a demanda foi julgada procedente.
[40] Observe-se que a teoria da res ipsa loquitur (“a coisa fala por si só”), invocável no caso narrado, baseia-se justamente numa máxima de experiência.
[41] STEIN, Friedrich, op. cit., p. 42-43. Consultar também Judith Matins-Costa, quando afirma que as expressões indeterminadas podem ser precisadas com base em regras de experiência (A boa fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 325).
[42] AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova judiciária no cível e comercial. v. 5, op. cit., p. 502.
[43] AMARAL SANTOS, Moacyr. Prova judiciária no cível e comercial. v. 5, op. cit., p. 503. Importante mencionar a conceituação elaborada por Pistolese, citado por Amaral Santos: “prova prima facie ou prova da primeira aparência é a que facilita a formação da convicção judicial, permitindo extrair a prova necessária dos princípios práticos da vida e da experiência daquilo que geralmente acontece de acôrdo com o normal andamento das coisas (...) Ela se relaciona com a prima facie evidence, conhecida e estudada no direito inglês, no qual é possível a formação de uma prova fundada em circunstâncias evidentes e, em geral, facilmente a todos perceptíveis”(p. 503).
[44] Ap. Cível 9803067546-0, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, 3ª Turma, TRF 3° Região, DJU 29.01.03.
[45] A respeito do tema, consultar ROSITO, Francisco, op. cit., p. 128-138.
Procuradora Federal. Mestre em Direito pela PUC/RS.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCHINI, Nicole Mazzoleni. Prova presuntiva e indiciária e a teoria das máximas da experiência (art. 335 do CPC): uma breve sistematização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41307/prova-presuntiva-e-indiciaria-e-a-teoria-das-maximas-da-experiencia-art-335-do-cpc-uma-breve-sistematizacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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