O Parlamentarismo em sua forma clássica nada mais é do que um sistema de governo resultante do desdobramento e da evolução das instituições inglesas.
Não resultou nem da obra de algum teórico e tampouco da elaboração política em um momento específico da história. Ao contrário, surgiu gradativamente a partir do amoldamento das instituições inglesas às variações do poder ocorrida ao longo da história daquele país. Suas características decorrem de circunstâncias históricas específicas enfrentadas pela Inglaterra, sendo impossível entendê-las senão a partir da análise de seu surgimento.
As raízes históricas daquilo que viria a se tornar o parlamento pode ser encontrada no século XII, quando após a rebelião dos barões e do clero contra a monarquia, que resultou na Magna Carta o rei passou a se assessorar por um conselho de nobres e clérigos.
Em 1213 o rei João Sem Terra convoca quatro cavaleiros de cada condado para com ele debater assuntos do reino. Como cavaleiros devem ser entendidos os nobres que não eram pares do reino.
Nos século XIII e XIV essa reunião passou ter cunho de assembléia política, bem como se verificou um aumento em sua base de representação, que para além da aristocracia, passou a ser integrada pelos cidadãos e pelos burgueses.
Isso ocorreu a partir da revolta contra o rei Henrique III liderada por Simon de Montfort, o qual passou a organizar reuniões de cunho político com pessoas de igual condição política, econômica e social. A despeito do falecimento deste ainda no ano de 1265, foi mantida a prática da realização de assembléia com caráter político, até que no ano de 1295 o rei Eduardo I oficializou tais reuniões, dando origem à criação do Parlamento[1].
A partir de 1332, começa-se a ganhar forma o bicameralismo. Os nobres que eram pares do reino reuniam-se em uma assembléia, agora sem a presença do clero, enquanto os cavaleiros, os burgueses e os cidadãos passaram a compor outra, que restou denominada Câmara dos Comuns.
Após fase inicial de grande prestígio, o parlamento sofreu, a partir do século XV, por período que se estendeu até o século XVIII, um declínio em sua influência. Neste período reinaram os Tudor e os Stuart, dinastias que implantaram monarquias com tendências a abusos e arbítrios.
O aumento da base de representação do Parlamento atingiu o ápice durante o reinado dos Tudor, quando se arrogou da representação de toda nação e mais apenas das classes que a compunham.
Além da ampliação da base de representação, pode-se verificar correlatamente, um considerável acréscimo na função fiscalizatória dos atos do governo, bem como uma tentativa de utilização do tributo como forma de contenção do poder do rei, na medida em que a instituição de impostos demandava autorização parlamentar.
O Parlamento barrou as tentativas dos dois primeiros reis Studarts de impor um retorno à monarquia absolutista, obrigando que se firmasse a petição de direitos, documento em que eram ratificadas conquistas históricas consistentes em direitos e liberdades em face da Coroa.
Como resultado dos conflitos entre o Parlamento e a Coroa, o primeiro restou dissolvido por período de onze anos. Após tal período convocou-se novo Parlamento. Na sequência dos acontecimentos, a Inglaterra se viu em meio a uma guerra civil que resultou na decapitação do monarca Carlos I e na instauração em 1649 de uma República, que nada mais era do que uma ditadura parlamentar.
Contra este governo parlamentar levantou-se revolução capitaneada por Cromwell. Malgrado este tenha alcançado o poder e governado até sua morte (quando se restabeleceu a monarquia), o Parlamento não perdeu as prerrogativas que havia alcançado com a República.
Com a Revolução Gloriosa, de 1688, o Parlamento se consolida como detentor da força política mais expressiva da Inglaterra, destronando Jaime II (da linhagem dos Stuarts) e colocando em seu lugar Guilherme de Orange e Maria. Da Revolução Gloriosa surgiu o Bill of Rights, que transferia ao Parlamento poderes e prerrogativas antes pertencentes à Coroa.
A partir do reinado do rei Guilherme de Orange surge o costume de o soberano convocar um Gabinete, para lhe assessorar nos costumes do reino. Todavia, ainda não existia a figura do primeiro ministro, central no sistema parlamentarista de governo.
Celso Bastos destaca que o surgimento de uma autoridade com essas características não seria possível senão com o descaso e a negligência no exercício do poder régio pelo monarca de então[2].
Isso ocorreu quando após o falecimento da rainha Ana, que havia sucedido Guilherme de Orange, ascende ao trono Jorge I, príncipe de Hanover que não estava afeto aos problemas políticos ingleses e tampouco demonstrava qualquer interesse por eles.
Tanto Jorge I, quanto Jorge II, que lhe sucedeu, sequer falavam inglês, dirigindo-se ao parlamento em latim e, por não entenderem o idioma não conseguiam entender os debates nas reuniões ministeriais, a ponto de deixarem de comparecer às reuniões com os respectivos gabinetes.
Roberto Walpole, um dentre os Ministros do Gabinete se destacou, ganhou ascendência sobre os demais e se tornou o interlocutor entre o Governo e o Parlamento, a quem expunha e justificava as políticas adotadas.
A necessidade da justificação junto dos projetos e políticas adotadas pelo Governo decorria da influência política ostentada pelo Parlamento e que era manifestada diretamente, entre outros aspectos, nas funções de fiscalização das funções de governo, no controle do orçamento que era votado anualmente e na necessidade de autorização parlamentar para a instituição de tributos. Ou seja, com a formatação do poder, o exercício do governo era impossível sem o apoio do Legislativo.
Walpole preencheu, assim, lacuna de poder formada pelo fato de rei se afastar dos assuntos do Governo. Surge a partir do fato histórico a distinção entre o Chefe de Governo, função exercida pelo Primeiro-Ministro e o Chefe de Estado, função que permaneceu com o rei.
A partir de então, o Chefe de Estado permanece alheio às decisões políticas, desempenhando apenas funções de caráter quase simbólico, de representação, realizando a função de vínculo moral do Estado. Convencionou-se que deveria manter-se afastado das disputas políticas. A Chefia do Executivo, por sua vez desde então é exercida pelo Chefe de Governo.
Nesse período, surgem na Inglaterra os partidos políticos: os Tories e os Whigs.
Formado o Parlamento, tornou-se praxe o rei convocar para formar o seu Gabinete os lideres do partido que detinha a maioria parlamentar e dentre eles escolher o Primeiro-Ministro. Sempre que o partido perdesse a maioria parlamentar, o Gabinete deveria demitir-se, para que o Chefe de estado formasse novo Gabinete com o partido que se tornou majoritário.
Outra característica do parlamentarismo, a existência de responsabilidade política do Chefe do Governo perante o Parlamento e da possibilidade de destituição do Gabinete mediante o voto de desconfiança, surge não uma de construção teórica, mas do desenrolar dos fatos, que amoldaram as instituições na Inglaterra.
O Parlamento passou a se utilizar o impeachment, processo que possuía feições atreladas à responsabilidade penal para forçar o afastamento dos Ministros de cuja política discordava. Imputava-se a prática de delito, a Câmara dos Comuns realizava o julgamento e impunha sanção penal, o que resultava, ainda, na perda do Ministério.
Com o tempo, os Ministros passaram a entender mais conveniente deixar o cargo assim que manifestado o descontentamento do Parlamento e a responsabilidade que inicialmente era apenas penal, tornou-se política. Isso ocorreu pela primeira vez com o Primeiro Ministro Lord North, que optou por se afastar da função, malgrado gozasse da confiança de Jaime III, que o havia nomeado.
Surge, da mesma forma, o costume de se submeter à chancela da Câmara dos Comuns a escolha do Primeiro Ministro.
De tais fatos insculpiu-se outra característica do parlamentarismo que a o desempenho da Chefia de Governo com responsabilidade política.
Ao contrário do que ocorre no presidencialismo, o Chefe de Governo no parlamentarismo não possui mandato predeterminado, podendo exercer a função por alguns dias ou várias décadas. A destituição do Gabinete pode ocorrer pela perda da maioria parlamentar ou em decorrência da apresentação de voto de desconfiança aprovado pela maioria do Parlamento.
O voto de desconfiança pode ser desconsiderado (embora muito raro) ou superado pela dissolução do parlamento.
A possibilidade de dissolução serve como um contrapeso, com o intuito de evitar que o Chefe de Governo reste “refém” das vontades do Parlamento.
Tal possibilidade ocorrerá quando o Chefe de Governo houver recebido o voto de desconfiança entenda que a política adotada atende melhor aos interesses do povo, cuja representação pelo parlamento deixou de ser adequada.
Com a dissolução do Parlamento, encerram-se prematuramente os mandatos dos membros das Câmaras dos Comuns e realizam-se novas eleições parlamentares. Caso na eleição seja eleita maioria favorável ao Primeiro Ministro, ele restabelece sua sustentação política e permanece no cargo.
Outra possibilidade de dissolução ocorre quando é necessária ampla maioria parlamentar para a realização dos projetos e o primeiro Ministro entenda possível obtê-la mediante novas eleições.
Paulo Bonavides leciona que no sistema parlamentar a dissolução é legítima, constituindo o ‘derradeiro meio que resta a um gabinete para manter-se no poder depois de haver caído em minoria no Parlamento. Neste, uma política contrária ao interesse nacional, abraçada contra a vontade do ministério, não vingará se o corpo de eleitores, chamado a pronunciar-se soberanamente, em conseqüência da dissolução, eleger novo parlamento, desta feita favorável ao gabinete, cuja linha de governo fora impugnada pelo Parlamento anterior na matéria que determinou a crise de confiança[3].
Tais características fazem com que Celso Bastos repute que no sistema de governo parlamentar a Executivo encontra-se em uma situação de subordinação ao Legislativo, na medida em que este possui o controle sobre a Chefia da Administração. Bonavides vai ainda mais longe ao sustentar a existência de separação entre tais poderes, na medida em que entende que não há a mera entrega de substancial parcela do Executivo ao Legislativo, mas sim a fusão entre esses dois Poderes do Estado.
Referências biliográficas
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e Ciência Política. 6ª edição. São Paulo : Celso Bastos Editora, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 18 edição. São Paulo : Malheiros Editores, 2011.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de teoria geral do Estado. 31 edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Conforme DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemento de teoria geral do Estado. 31 edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
[2] Bastos, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e Ciência Política. 6ª edição. São Paulo : Celso Bastos Editora, 2004.
[3] Bonavides, Paulo. Ciência Política. 18 edição. São Paulo : Malheiros Editores, 2011. pp. 352/353.
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Características do sistema de governo parlamentarista como resultado da evolução histórica das instituições inglesas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41322/caracteristicas-do-sistema-de-governo-parlamentarista-como-resultado-da-evolucao-historica-das-instituicoes-inglesas. Acesso em: 23 dez 2024.
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