RESUMO: nesse artigo aborda-se, de forma resumida, as teoria de Celso Bastos/Carlos Aires Brito e Maria Helena Diniz a respeito da aplicabilidade das normas consitucionais. Primeiro faz-se a análise da teoria Celso Bastos/Carlos Aires Brito e depois de Maria Helena Diniz. Nas conclusões fizemos uma comparação entre as duas teorias e a análise de forma crítica de cada uma delas e se possuem atualidade para aplicação no atual momento da historia constitucional brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Aplicabilidade das normas constitucionais. Teoria de Celso Bastos/Carlos Aires Brito e Maria Helena Diniz.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Tema sempre relevante dentro da teoria da constituição é o referente a aplicabilidade das normas constitucionais. Não só no Brasil, como de resto em países que possuem uma Constituição semelhante a nossa, dotada de normas com características compromissórias e que busca traçar um programa de ação para o Estado e para coletividade, podendo mesmo ser conceituada como uma Constituição Dirigente, a temática a respeito da aplicabilidade das normas constitucionais ganha relevo, em razão dos mais de diversos problemas que enfrentam em se tornarem efetivas na realidade constitucional subjacente a norma.
Nesse artigo procuramos articular e comparar duas teorias a respeito do tema que foram desenvolvidas por autores brasileiros, que são a de Celso Bastos e Carlos Aires Brito e da Maria Helena Diniz.
Primeiro iremos esposar o pensamento de Celso Bastos e Carlos Aires Brito, depois o de Maria Helena Diniz para, ao final, em sede de conclusão, fazer um paralelo entre esses dois pensamentos e enfrentar a questão se as duas teorias permanecem atuais e podem ser aplicadas nos dias de hoje.
2. CLASSIFICAÇÃO DE CELSO BASTOS E CARLOS AIRES BRITO
Uma importante proposta de classificação das normas constitucionais foi feita por Celso Ribeiro Bastos e Carlos Aires Britto, em livro de 1982 que, além desse tema, aborda a interpretação constitucional.
Partem os autores, do mesmo pressuposto de Meirelles Teixeira (SARLET, 2003: p. 231, apud. TEIXEIRA, 1991: p. 317), qual seja, de que todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, contudo, o grau dessa é que irá oscilar de acordo com cada norma.
Embora o critério da primeira classificação proposta não seja o da eficácia das normas constitucionais, aborda esta forma, pois, conforme os autores, é mais amplo o critério quanto ao modo de incidência. “Por essa forma, o critério definidor que adotamos não é o da produção de efeitos das normas constitucionais, propriamente, mas o da vontade constituinte que se deseja retomada, em regime de convivência com outra que lhe ‘integre’ o sentido, ou, então, vontade que se quer aplicada com exclusividade, respeitantemente ao núcleo mandamental por ela plasmado” (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 63).
Como colocam os autores:
“Esse critério mais aglutinante de sistematização é o que se baseia no modo de incidência das normas constitucionais. E com a locução ‘modo de incidência’, queremos designar uma realidade complexa: a maneira pela qual a norma constitucional regula a matéria sobre que incide e, ao mesmo tempo, a forma como a sua vontade objetiva se relaciona com a vontade subjetiva dos seus endereçados. É exprimir, a maneira porque a Lei Maior apanha a matéria de que se reveste, e, nela, o tipo de relação que se estabelece entre a sua vontade e a vontade do seu aplicador” (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 115)
Tendo este critério como pressuposto, os autores, dividem as normas em duas formas de classificação, quais sejam: quanto ao modo de eficácia e quanto à produção de efeitos. A primeira, por sua vez, subdivide-se em normas integráveis (que compreende normas restringíveis e completáveis) e normas inintegráveis (que compreende as normas de conteúdo e operatividade reforçada e as de conteúdo e operatividade irreforçáveis). A segunda classificação, divide as normas com eficácia parcial (que compreende as normas completáveis) e as de eficácia plena (que abarca as normas inintegráveis e as restritíveis).
Ao final da obra os autores propõem um quadro que contempla as classificações e os grupos propostos. Para facilitar a compreensão em uma abordagem sucinta, inerente a este trabalho, faremos o caminho inverso.
O quadro conclusivo dos autores, que compreende as duas classificações propostas, a primeira quanto ao modo de incidência da norma e, a segunda, quanto à produção de efeitos é assim exposto (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 122):
CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS |
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Quanto ao Modo de Incidência |
Normas Integráveis (ou de Integração)
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Normas Restringíveis |
Normas Completáveis |
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Normas Inintegráveis (ou de mera aplicação) |
Normas de conteúdo e Operatividade Reforçada
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Normas de Conteúdo e Operatividade Irreforçáveis |
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Quanto à Produção de Efeitos |
Normas de Eficácia Parcial |
Normas Completáveis |
Normas de Eficácia Plena |
Normas Inintegráveis |
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Normas Restringíveis |
2.1. Classificação quanto ao modo de incidência
Posto isso, veremos o que significa, resumidamente, cada classificação e cada subgrupo, começando pela primeira proposta, qual seja, quanto ao modo de incidência.
Com relação as normas integráveis ou de integração, “têm por traço distintivo a abertura de espaço entre o seu desiderato e o efetivo desencadear dos seus efeitos. No seu interior, existe uma permanente tensão entre a predisposição para incidir e a efetiva concreção. Padecem de visceral imprecisão, ou de deficiência instrumental, e se tornam, por si mesmas, inexequíveis em toda a sua potencialidade. Daí por que se coloca, entre elas e a sua real aplicação, outra norma integradora de sentido, de modo a surgir uma unidade de conteúdo entre as duas espécies normativas” (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 48). As normas que necessitam integração, por sua vez, se subdividem em normas completáveis e restringíveis. As primeiras, são as que estabelecem que a legislação infraconstitucional irá regulamentar seu campo de incidência, ou seja, como e de que modo a norma vai produzir seus efeitos, mas, nunca irá restringir tais efeitos. As normas restringíveis, por sua vez, permitem à legislação ordinária fazer o que as completáveis negam, ou seja, a possibilidade de restrição dos seus efeitos.
O segundo grupo de normas que fica na classificação quanto ao modo de aplicação, abarca as normas, chamadas pelos autores, de mera aplicação ou inintegráveis, por se tratar de “normas íntegras, cheias, maciças, quando focadas sob o ângulo da matéria que veiculam, não apresentam frinchas ou brechas passíveis de colmatação. Logo, prescindem de qualquer normação complementar, pois nada se pode introduzir em algo que já é, por si, compacto” (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 38). As normas de mera aplicação se dividem em normas irregulamentáveis que, como o nome propõe, não só prescindem de regulamentação, como, também, rechaçam qualquer forma nesse sentido que não seja em hierarquia constitucional; e, regulamentáveis, que abarca “Regras que, malgrado o seu conteúdo pétreo, admitem sua regulamentação por via subalterna. Aceitam um regramento ancilar, que se revele como instrumental à sua melhor aplicação. Diferentemente, pois, das normas irregulamentáveis, auto-instrumentadas o bastante para inadmitirem legislação regulamentadora, ainda que sob o color de reforçá-las” (BASTOS, BRITTO, 1982: p. 44).
2.2. Classificação quanto à produção de efeitos
A classificação quanto a produção de efeitos das normas constitucionais é dependente, na concepção dos constitucionalistas, da anterior, pois utilizam a mesma nomenclatura e do mesmo sentido para classificá-las. Nessa esteira, as normas de mera aplicação, desde sua entrada em vigor, ocorrerá todo a produção de efeitos pretendida. Com as regras de integração, contudo, o fenômeno será diferente, uma vez que, ou terão a plenitude de seus efeitos, quando se tratarem de normas restringíveis, ou terão a parcialidade de seus efeitos, se forem as normas ditas “completáveis”.
3. CLASSIFICAÇÃO DE MARIA HELENA DINIZ
Maria Helena Diniz, já na vigência da Constituição de 1988, propôs uma teoria quadripartida das normas constitucionais, dividindo-as em (1) normas com eficácia absoluta (também denomina de normas supereficáveis); (2) normas com eficácia plena; (3) normas com eficácia relativa restringível; e, (3) normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de complementação.
3.1. Normas constitucionais com eficácia absoluta (supereficáveis)
Para autora as normas constitucionais com eficácia absoluta “são as intangíveis; contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem uma força paralisante total de qualquer legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem necessidade de legislação complementar posterior, são emendáveis” (DINIZ, 2001: 110). Por esta concepção somente seriam normas com eficácia absoluta as que, além de aplicáveis imediatamente, fizessem parte dos limites de reforma da Constituição.
3.2. Normas com eficácia plena
As normas com eficácia plena pela teoria de Maria Helena Diniz correspondem as mesmas da doutrina clássica (auto-aplicáveis ou bastantes em si), as de Meirelles Teixeira (SARLET, 2003: p. 231, apud. TEIXEIRA, 1991: p. 317) e José Afonso da Silva (normas de eficácia plena, SILVA, 2003: p. 81), ou seja, de aplicação imediata a entrada em vigor da Constituição, retirando as que formam os limites ao processo de reforma, uma vez que as classifica como as normas supereficazes.
3.3. Normas com eficácia relativa restringível
As normas com eficácia relativa restringível correspondem as normas com eficácia contida proposta por José Afonso da Silva, só mudando, a expressão, pois a autora aceita a proposta de Michel Temer, “por serem de aplicabilidade imediata ou plena, embora sua eficácia possa ser reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer; têm, portanto, seu alcance reduzido pela atividade legislativa” (DINIZ, 2001: p. 113).
3.4. Normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa
As normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa correspondem as normas de eficácia limitada de José Afonso da Silva, ou seja, dependem para produzir todos seus efeitos da interpositio legislatoris. A autora também divide essas normas tal qual o faz José Afonso, isto é, em normas de princípios institutivos e normas programáticas.
Posto a concepção da professora Maria Helena Diniz, observa-se, que a única diferença substancial com a doutrina de José Afonso é o grupo das normas de eficácia absoluta por serem limites ao processo de reforma da constituição, pois, os demais, corresponde ao do publicista.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede de conclusão, passamos a uma comparação entre as duas doutrinas para depois responder o questionamento inicial de que se as teorias ainda são aplicáveis na atual realidade brasileira.
Primeiro aspecto a ser constatado é que a teoria de Celso Bastos e Carlos Aires Brito utiliza uma concepção bipartida das normas constitucionais ao passo que Maria Helena Diniz utiliza uma concepção quadripartida das normas constitucionais. Contudo, basta “retirar” da classificação bipartida a primeira divisão das normas constitucionais que fazem os autores quanto ao modo de incidência e quanto a produção de efeitos que a ficamos com quatro grandes grupos. Mesmo porque, discutível é a divisão das normas com relação ao modo de incidência e a produção de efeitos, na medida em que o modo de incidência é, ao certo, uma produção de efeitos das normas
Continuando, podemos questionar do mesmo modo a repartição da teoria de Celso Bastos e Carlos Aires Brito em “normas inintegraveis”, haja vista que toda norma não está “solta” no ordenamento por fazer parte de plexo de outras normas de hierarquia constitucional e infraconstitucional que com elas devem conviver e ser interpretadas conjuntamente. Essa mesma crítica pode ser direcionada a classificação das normas de eficácia parcial como se essas seriam complementáveis, isto é, não são só as normas de eficácia parcial que são complementáveis no sentido hermenêutico.
Ademais, pelo ano que foi publicado o trabalho não foi atentado ou debatido a divisão entre princípios e regras como espécies de normas.
Com relação a proposta de Maria Helena Diniz já em sua primeira divisão temos uma objeção, qual seja, não há normas de eficácia absoluta! No caso concreto toda norma, seja princípio seja regra, pode ser relativizada de dar lugar a outra de maior hierarquia ou, seguindo a lógica dos princípios e aplicando-se a ponderação ou o princípio da proporcionalidade para afastar outra norma/princípio de mesma hierarquia sem revogá-la. Sendo assim, não havendo norma de eficácia absoluta a teoria de Maria Helena Diniz fica restrita a três classificações remonta a José Afonso da Silva, entre outros.
Por fim, com relação a aplicabilidade atual das duas teorias de Celso Bastos e Carlos Aires Brito e da Maria Helena Diniz, com as restrições e objeções colocadas acima presentes, podem auxiliar no estudo das normas constitucionais da constituição de 1988 e sua problemática da aplicabilidade.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Aires. Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.
DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos, 5a ed., São Paulo: Saraiva, 2001.
SARLET. Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 3a ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 6a ed., 2a tiragem, São Paulo: Malheiros, 2003.
Procurador Federal da Adovocacia-Geral da União - AGU, especialista em Direito Público pela Universidade Nacional de Brasília - UNB, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURIAN, Leonardo. Teoria da aplicabilidade das normas constitucionais: comparativo das doutrinas de Celso Bastos/Carlos Aires Brito e Maria Helena Diniz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41396/teoria-da-aplicabilidade-das-normas-constitucionais-comparativo-das-doutrinas-de-celso-bastos-carlos-aires-brito-e-maria-helena-diniz. Acesso em: 23 dez 2024.
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