Resumo: O artigo trata da responsabilidade do dono da obra sobre as obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro nos contratos de empreitada de construção civil, bem como da responsabilidade trabalhista do empreiteiro principal no caso de subempreitada.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende realizar um estudo sobre a responsabilidade do dono da obra pelas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro nos contratos de empreitada de construção civil. Busca-se, assim, analisar se o dono de um imóvel em construção ou reforma pode ser responsabilizado pelos valores devidos aos trabalhadores contratados pelo empreiteiro para prestar aquele serviço.
Para a verificação dessa responsabilidade, é fundamental distinguir a figura do dono da obra que não exerce atividade econômica relacionada à construção civil da figura da construtora ou incorporadora que contrata outra empreiteira para realizar o serviço, em típica hipótese de subempreitada. Neste caso, cabe verificar se a responsabilidade trabalhista do empreiteiro principal é solidária ou subsidiária.
2. CONTRATO DE EMPREITADA E SUBEMPREITADA DE CONSTRUÇÃO CIVIL
O contrato de empreitada está disciplinado nos artigos. 610 a 626 do Código Civil e pode ser definido como o “contrato em que uma das partes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar certo trabalho para outra (dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho executado” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, p. 315).
Trata-se de um contrato de resultado, no qual o empreiteiro irá assumir a direção do trabalho para executar determinada obra, conforme as especificações do contratante, porém sem relação de subordinação.
Não havendo restrição contratual, o empreiteiro poderá realizar a obra por meio de terceiros. Nesta hipótese, configura-se a subempreitada, por meio da qual o empreiteiro transfere parte ou toda a obrigação de realizar a obra a outro empreiteiro. A subempreitada é um fenômeno comum da dinâmica empresarial moderna da construção civil e permite a redução de custos e geração de maior demanda, possibilitando maior crescimento e competitividade para o setor.
Na seara trabalhista, a subempreitada está disciplinada no art. 455 da CLT, que dispõe que:
Art. 455 - Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único - Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.
Embora essa norma celetista tenha sido editada na década de 40, muito antes da difusão do fenômeno da terceirização, a doutrina trata essa figura como autêntica forma de terceirização, em que o tomador se beneficia da mão de obra do trabalhador da empresa subcontratada. Logo, em que pese a terceirização nos demais ramos da economia ser tratada como delegação de atividade meio, esta seria uma hipótese de delegação de atividade fim, que possui expressa autorização legal, dado o regramento próprio conferido à construção civil.
3. RESPONSABILIDADE DO DONO DA OBRA
De início, verifica-se que o supratranscrito art. 455 da CLT somente prevê a responsabilidade do dono da obra em caso de subempreitada, e não nos casos de empreitada simples em que o dono da obra não é construtora ou incorporadora.
Ainda assim, há quem defenda que, mesmo que o dono da obra não seja uma empreiteira, deve responder subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas do empreiteiro com relação às verbas devidas aos empregados que trabalharam na obra. Para tanto, os defensores dessa corrente argumentam que seria injustificada a irresponsabilização do dono da obra. Ademais, seria caso de aplicação da Súmula 331 do TST, que determina a responsabilidade subsidiária nos casos de terceirização.
No entanto, esse não é o melhor entendimento. O contrato de empreitada não se confunde com a terceirização de serviços, pois não há delegação de serviços inerentes à atividade do tomador, mas apenas a contratação para a realização de obra certa e determinada. Logo, no caso de empreitada simples, ausente a delegação de qualquer das atividades inerentes à dinâmica do tomador de serviços, o dono da obra não responde pelos débitos trabalhistas dos empregados do empreiteiro. Entendimento contrário implicaria, por exemplo, na responsabilidade trabalhista de um advogado que contrata uma empresa para realização de serviço de pintura e reparos gerais em seu escritório de advocacia. Nesse caso, não é razoável que o advogado responda por eventuais débitos trabalhistas provocados por inadimplência da empresa contratada, pois não se trata de risco inerente à sua atividade.
O Tribunal Superior do Trabalho consolidou sua jurisprudência no sentido de que o contrato de empreitada simples não enseja responsabilidade do dono da obra nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, conforme disposto na Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-I do TST, com redação dada pela Resolução 175/2011:
191. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE. (nova redação) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.
Por fim, convém indagar se a supratranscrita Orientação Jurisprudencial nº 191 também afasta a responsabilidade do dono da obra em caso de acidente de trabalho nas dependências do imóvel. Neste caso, a responsabilidade decorre de ilícito civil, consoante os artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Portanto, a ausência de responsabilidade por verbas trabalhistas não alcança indenizações civis decorrentes de indenização por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de acidente de trabalho, já que não constituem verba trabalhista stricto sensu.
4. RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO PRINCIPAL NO CASO DE SUBEMPREITADA
Ao contrário da empreitada simples, tanto o art. 455 da CLT quanto a parte final da OJ 191 do TST deixam claro que, se o dono da obra for uma construtora ou incorporadora, terá responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas dos empregados do subempreiteiro. Contudo, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tipo de responsabilidade.
Para uma primeira corrente, haveria responsabilidade solidária do empreiteiro. Nessa linha de raciocínio, o art. 455 da CLT deve ser interpretado no sentido de que, embora caiba ao subempreiteiro o débito, tanto o empreiteiro quanto o subempreiteiro responderiam solidariamente no caso de inadimplência deste último. Nesse sentido, o seguinte acórdão do TST:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CONTRATO DE SUBEMPREITADA. EMPREITEIRO PRINCIPAL.
A decisão do Tribunal Regional que reconheceu a responsabilidade solidária da empreiteira principal pelos encargos trabalhistas oriundos do contrato de trabalho está conforme o disposto no art. 455 da CLT, sendo certo que o dispositivo assegura ao empregado o direito de acionar em juízo o empregador (subempreiteiro) ou o empreiteiro principal. Agravo de instrumento a que se nega provimento. MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. Não enseja o processamento do recurso de revista a indicação de ofensa aos artigos 5º, II e LV, da Constituição Federal, porquanto não são passíveis de ofensa direta, conforme jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(TST, Relator: Pedro Paulo Teixeira Manus, Data de Julgamento: 05/03/2008, 7ª Turma,)
Embora aparentemente essa posição esteja mais alinhada com o princípio da proteção ao trabalhador, não é o entendimento que prevalece atualmente.
Uma segunda corrente, que goza de maior prestígio na doutrina e atual jurisprudência, entende que a responsabilidade do empreiteiro é subsidiária, já que o art. 455 da CLT não dispõe expressamente sobre a solidariedade, sendo certo que a solidariedade não se presume, mas decorre de previsão legal ou contratual. Além disso, a interpretação do art. 455 indica uma espécie de benefício de ordem, o que conduz à subsidiariedade. Por fim, ao contrário da empreitada simples, a subempreitada pode ser considerada como espécie de terceirização, motivo pelo qual está abrangida pelo item IV da Súmula 331 do TST, que dispõe que:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Nesse sentido é a lição do Ministro Maurício Godinho Delgado (in Curso de Direito do Trabalho, LTr, 11ª edição, 2012, p. 490):
“Hoje, contudo, a partir da uniformização jurisprudencial sedimentada pela Súmula 331, IV, do TST, engloba-se também a situação-tipo aventada pelo art. 455 da CLT, no cenário jurídico geral da terceirização, passando-se a considerar como subsidiária a responsabilidade do empreiteiro principal, em casos de subempreitada. A responsabilidade subsidiária em exame, como se sabe, é também automática, exigindo simples inadimplemento do devedor principal (Súmula n. 331, IV, TST).”
Essa posição pode ser encontrada na jurisprudência atual do TST, conforme ilustrado pelo seguinte acórdão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. SUBEMPREITADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
A decisão regional está de acordo com o teor do art. 455 da CLT, segundo o qual a existência de relação de subempreitada enseja a responsabilidade subsidiária do empreiteiro principal pelas obrigações trabalhistas do subempreiteiro. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
(TST, Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 04/06/2014, 4ª Turma)
Assim, considerando ainda o exemplo anterior da reforma no escritório de advocacia, imagine-se que a empresa contratada pelo advogado subcontrate uma outra empresa especializada para efetuar os serviços de pintura. Nesta hipótese, os empregados da subempreiteira especializada em pintura poderão reivindicar eventuais créditos trabalhistas em face da subempreiteira com a qual possuem vínculo trabalhista e, subsidiariamente, da empreiteira principal contratada pelo advogado.
5. CONCLUSÃO
Por todo o exposto, verifica-se que, para a verificação de eventual responsabilidade trabalhista no contrato de empreitada, é fundamental efetuar a distinção entre empreitada simples e subempreitada.
A empreitada simples consiste no contrato de natureza civil em que um empreiteiro se compromete a realizar uma construção ou reforma, sem subordinação, em troca de uma remuneração ajustada a ser paga pelo dono da obra. Por outro lado, a subempreitada é uma modalidade de empreitada autorizada por lei, na qual o empreiteiro contratado pelo dono da obra contrata um outro empreiteiro para realizar parte ou todo o serviço que se obrigou a fazer. Desse modo, feitas as distinções entre empreitada simples e subempreitada, é possível analisar a responsabilidade do contratante em cada um dos casos.
Destarte, conclui-se que o dono da obra que contrata uma empreiteira não pode ser responsabilizado por débitos trabalhistas devidos pelo empreiteiro aos seus empregados, salvo se o dono da obra for construtora ou incorporadora. Além disso, no caso de subempreitada, o empreiteiro principal responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas assumidas pelo subempreiteiro.
REFERÊNCIAS
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2010.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012
MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2013.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho, 11. ed. Sâo Paulo: Método, 2010.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. A responsabilidade do contratante pelos encargos trabalhistas nos contratos de empreitada e subempreitada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41414/a-responsabilidade-do-contratante-pelos-encargos-trabalhistas-nos-contratos-de-empreitada-e-subempreitada. Acesso em: 23 dez 2024.
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