RESUMO: O texto faz uma abordagem acerca dos conflitos trabalhistas, dos contornos jurídicos, e das formas de composição.
O Direito surgiu como forma de organização das primeiras comunidades, conforme elucida o brocardo ubi societas, ibi jus – “onde há sociedade, aí se encontra o Direito”. Como bem explicitou Abelardo Torré “Y fácil es comprender la veracidad de tal afirmación, porque la convivencia humana implica necesariamente – aunque más no sea – um mínimo de límites em la conducta de sus integrantes; de lo contrario, la vida em común resultaría imposible” [1].
À análise da história do Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, observa-se que, primeiramente, só havia regulamentação dos conflitos individuais, não se atendo da importância em compor os litígios coletivos, em virtude de se mostrarem ainda incipientes. Não existia uma estrutura de representação de classe (sindicatos) que viabilizasse a uniformização de reivindicações, para, assim, proporcionar a propositura de uma demanda coletiva.
Com o advento da Revolução Industrial, houve um aumento das relações coletivas de trabalho, que deram ensejo à criação do Direito Coletivo do Trabalho, que é, para Mario de La Cueva, “el derecho colectivo del trabajo es la norma que reglamenta la formación y funciones de las asociaciones profesionales de trabajadores y patronos, o sus relaciones, su posición frente al Estado y los conflictos coletivos de trabajo” [2].
Nesse contexto, observa-se que houve a divisão dos conflitos, podendo apresentar-nos como individuais (singulares ou plúrimos) ou coletivos, distinguindo-se em razão de alguns critérios, a saber, partes, procedimento, competência, objeto, finalidade e efeitos da sentença.
As relações individuais são, conforme elucida, com maestria, Amauri Mascaro Nascimento “as que se constituem no âmbito do contrato individual de trabalho, tendo como sujeitos o empregado e o empregador, singularmente considerados e como objeto interesses individuais de ambos no desenvolvimento do vínculo de trabalho do qual são sujeitos”.[3] Estabelecem-se, sempre, com indivíduos determinados. O objeto do conflito travado nessas relações é concreto e específico.
O rito processual nos dissídios individuais é complexo, envolvendo todas as fases probatórias, assim como a inquirição de partes e testemunhas. Têm competência para conhecer dessa espécie de litígio, os juízes de primeira instância, figurando nas varas da Justiça do Trabalho.
A sentença que compõe a demanda tem efeito limitado às partes, caracterizando a singularidade do comando legal.
Já as relações coletivas de trabalho “são relações jurídicas que têm como sujeitos os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos de empregadores ou grupos e como causa a defesa dos interesses coletivos dos membros desses grupos”. [4] Isto é, temos sempre a presença de, no mínimo, uma coletividade (categoria econômica e profissional).
Nesse tipo de vínculo laboral, o objeto do conflito é abstrato e geral. A competência para composição dos conflitos coletivos é da justiça de segunda instância, originalmente, a saber, os Tribunais Regionais do Trabalho, ou o Tribunal Superior do Trabalho quando o litígio repercutir em mais de uma região. A competência é avocada pelo TST em virtude da possibilidade de respostas judiciais discrepantes, ou até conflitantes, de diferentes Tribunais Regionais, prejudicando, assim, a organização trabalhista do empregador, bem como a isonomia entre os empregados que exercessem a mesma função.
Quanto ao procedimento, os dissídios coletivos apresentam-se mais simplificados. Não há a necessidade de instrução probatória, bem como a oitiva de testemunhas e parte. Quando frustradas as tentativas de acordo ou convenção coletiva, instituem-se os dissídios coletivos, que têm por finalidade a criação, modificação ou interpretação de uma norma jurídica preexistente.
O pronunciamento jurisdicional, denominado sentença normativa, obriga não só as partes que provocaram o Estado-Juiz, mas a todos os que fazem parte da categoria envolvida, bem como os que passem a integrá-la, em virtude de sua eficácia ultra partes.
Uma questão interessante a ser analisada é o fenômeno da greve e do lock-out. A greve consiste na paralisação da atividade laboral por parte da classe operária. Já o lock-out é o ato pelo qual os empregadores fecham os estabelecimentos de trabalho, proibindo, assim, o exercício da profissão dos empregados. Ambas os fenômenos constituem modos de pressão para viabilizar a abertura de negociação, finalização de acordos, ou até mesmo forma de abstenção de reivindicações.
Se houver greve de alguma categoria profissional de atividade essencial, com possibilidade de dano ao interesse público, o Ministério Público Federal poderá ajuizar dissídio coletivo, cabendo aos Tribunais trabalhistas decidir a controvérsia.
Embora a Constituição Federal seja omissa, entendo que o §3°, do art.114, abrange, por analogia, o fato social do lock-out. Caso este ocorra, interferindo numa atividade essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, poderá, da mesma forma, o Ministério Público propor o dissídio para composição do litígio.
Dado o exposto, faz-se necessário elucidar acerca das formas de resolução dos conflitos coletivos, apresentando-nos por meio da autocomposição e da heterocomposição.
A primeira forma consiste na resolução do conflito pelas próprias partes, inexistindo a interferência de partes estranhas à lide. É um modo de solução extrajudicial dos conflitos, baseado no princípio da autonomia privada coletiva. Tem como espécies o acordo coletivo, fruto de uma negociação composta pelo sindicato da categoria profissional e por uma ou várias empresas que se comprometem com o que foi acordado (trata-se de uma forma de composição de reivindicações mais específicas); convenção coletiva, produto final de processo de negociação integrado pelos sindicatos trabalhistas e patronais.
Sobre essa forma de solucionamento, bem se posicionou Wagner D. Gliglio[5]:
“o resultado da autocomposição dos conflitos coletivos depende da liberdade da negociação, e essa liberdade requer igualdade de situação, que já não existe mais. A pressão exercida pelas condições da economia atual, de desemprego generalizado, sem perspectiva de melhora, torna ineficazes as formas tradicionais de composição dos conflitos: a negociação direta, a mediação e a conciliação dela resultantes. Como conseqüência das condições atuais, os resultados dessas formas de autocomposição dos conflitos coletivos têm sido bastante desfavoráveis aos trabalhadores: na melhor das hipóteses, são mantidos os direitos anteriores e garantidos, temporariamente, os empregos; na pior, reduzem-se benefícios, negociam-se rescisões contratuais e generaliza-se a insatisfação, que vai eclodir nas etapas seguintes da negociação”.
Já a modalidade heterocompositiva consiste na composição do conflito por uma pessoa ou órgão, que não as partes. Apresentam a forma extrajudicial, a arbitragem, e a judicial, que é exercida pelos Tribunais Trabalhistas.
A arbitragem é o procedimento no qual se elege um terceiro, pessoa física ou jurídica (órgão) para exercer a função de árbitro, com a finalidade de pôr fim ao conflito. Tal forma de composição é largamente utilizada nos Estados Unidos da América.
No ordenamento jurídico brasileiro, a arbitragem era estabelecida como modo alternativo à solução dos conflitos coletivos, conforme disposto no art. 114, §§ 1° e 2°, da Carta Magna. Importante registrar que a Lei Complementar n. ° 75/93 estabelece que o Ministério Público Federal poderá atuar como árbitro para a resolução dos conflitos coletivos (art. 83, IX).
A decisão proferida pelo árbitro vincula as respectivas partes, sendo detentora de força de título executivo extrajudicial, obrigando-as, pois, a respeitar o comando normativo. É obrigatória a tentativa de conciliação antes de iniciada a arbitragem.
No Brasil, quando as partes não se compuseram na forma autocompositiva, o modo de solução jurisdicional dá-se por meio do dissídio coletivo, consistindo no procedimento judicial de solução dos conflitos, sejam eles econômicos ou jurídicos.
Referências bibliográficas
CUEVA, Mário de La. Derecho mexicano del trabajo. 2 ed. México: Porrúa, 1959. t. 1 e 2.
GIGLIO, Wagner D.Direito Processual do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTR, 2004.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 28 ed. São Paulo: LTr, 2002.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10 ed. Buenos Aires: Editorial Perrot.
[1] Introducción al derecho, Buenos Aires, Editorial Perrot, p. 558.
[2] Derecho mexicano del trabajo, 2 ed. México: Porrúa, 1959, v. 2, p. 234.
[3] Iniciação ao Direito do Trabalho, 28ª ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 515.
[4] Curso de Direito do Trabalho, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.764.
[5] Solução dos conflitos coletivos: conciliação, mediação, arbitragem, resolução oficial e outros meios. Revista LTr, vol. 64, n. 3, mar./2000, p.307 et seq. apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra Leite. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2004, p.734.
Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Membro da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO Sá ARAúJO THé, . Dos conflitos trabalhistas e das formas de composição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2014, 10:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41488/dos-conflitos-trabalhistas-e-das-formas-de-composicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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