Introdução
A doutrina, de um modo geral, cataloga como marco inaugural do controle de constitucionalidade o emblemático caso Marbury vs. Madison, de 1803, na república americana. É bem verdade que esse é realmente o mecanismo precursor de um controle repressivo de normas, o qual somente se difundiu na Europa a partir da Constituição austríaca, de 1919.
No entanto, não se pode olvidar que sempre houve um controle político das cartas constitucionais pós-revoluções liberais. Ainda que não tenha a mesma efetividade do controle técnico realizado pelo Judiciário, tal qual hoje conhecemos, carece de estudo, vez que pode vir a ser um instrumento importante em um Estado Constitucional.
Assim, abordaremos, neste pequeno estudo, a evolução do Controle Político de Contitucionalidade de Portugal, trazendo algumas peculiaridades, que bem poderiam ter sido seguidas no Brasil. Tanto pela proximidade cultural, advinda do DNA brasileiro, como pela influência que a Constituição Portuguesa de 1976 teve em nossa Constituição.
Da evolução constitucional em Portugal
JORGE MIRANDA divide em três fases a evolução da fiscalização constitucional: uma incipiente fase de controle político, de 1822a 1911; uma segunda fase, de 1911 a 1976 e uma última fase, iniciada com o advento da Constituição de 76.[1]
Ainda que muitos autores não reconheçam a primeira fase apontada por JORGE MIRANDA como um período em que houvesse controle de constitucionalidade das leis, não há como negar a existência de um controle político, mesmo que pouco efetivo, a exemplo da tentativa francesa, inaugurada com a Revolução de 1789. É inegável que Portugal, assim como a França, viveu um período marcado por governos despóticos e absolutistas, sendo normal a influência trazida pelas revoluções liberais. Assim, a tendência natural de supervalorizar as regras trazidas pelo Parlamento, símbolo da vontade geral, esvaziou os mecanismos, meramente políticos, realizados pelas Cortes, trazidos na Constituição de 1822, aprimeira Constituição portuguesa, fruto de uma revolução ocorrida em 1820, que desaguou na eleição, em 1821, das Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes, também chamadas de Soberano Congresso, que elaboraram a referida Constituição, afastando a monarquia absolutista e criando a monarquia constitucional.
No segundo momento constitucional português, sob o império das Constituições de 1911 e 1933 e das leis constitucionais revolucionárias de 1974 e 1975, permanecendo no ordenamento os mecanismos de fiscalização política, preponderou o controle judicial difuso de constitucionalidade das leis. Consagrada em 1911, a fiscalização judicial difusa sobreviveria na vigência da Constituição de 1933 (com modificações) e das leis revolucionárias de 1974-1976. A sua prática mostrar-se-ia, entretanto, sempre muito escassa, por causas derivadas das situações políticas envolventes, pela deficiente força normativa das Constituições e pela timidez dos juízes.[2]
Já a terceira fase, iniciada com a Constituição de 2 de abril de 1976, é marcada por uma fiscalização repressiva concentrada, inaugurando a Jurisdição Constitucional em Portugal, mormente após 1982, com a criação do Tribunal Constitucional. Ainda assim, existem elementos de controle judicial difuso, bem como fiscalização a priori. Pertinente, em face do tema proposto no trabalho, algumas considerações acerca deste controle realizado no seio do legislativo.
Do controle político português
No controle preventivo, não é qualquer projeto ou protótipo de ato normativo que baterá às portas do Tribunal Constitucional. Ao contrário do amplo controle repressivo de normas previsto na Constituição Portuguesa, somente as normas das convenções internacionais, atos legislativos e decretos regulamentares regionais de leis gerais da República e leis orgânicas dão ensejo à fiscalização e confrontação com a Constituição.[3] Ainda: esta fiscalização não é automática, exigindo-se que os legitimados solicitem a análise pelo Tribunal. São legitimados: o Presidente da República, para o caso de lei ou decreto-lei ou acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura, bem como leis orgânicas que devam ser promulgadas; os Representantes da República, quanto às normas constantes de decreto legislativo regional;o Primeiro Ministro ou 1/5 dos Deputados da Assembléia da República, em relação aos projetos de leis orgânicas enviadas ao Presidente da República. A Constituição portuguesa também prevê um prazo para requerer a apreciação preventiva do Tribunal, além de predeterminarum prazo máximo para o pronunciamento da Corte, podendo o lapso ser reduzido, em caso de urgência, solicitada pelo Presidente da República. Caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma constante de qualquer decreto ou acordo internacional, deverá o diploma ser vetado pelo Presidente da República ou pelo Representante da República, conforme o caso, e devolvido ao órgão que o tiver aprovado.
Saliente-se, ainda, segundo doutrina portuguesa, que havendo um ato normativo, declarado constitucional previamente pelo Tribunal, não estará afastada a possibilidade de um novo controle, pela via repressiva, seja na modalidade difusa, seja pelo controle em abstrato.[4]
Conclusão
A guisa de conclusão, é interessante salientar a necessidade da comunhão de mecanismos prévios e repressivos de controle de constitucionalidade. JORGE MIRANDA, um dos autores do projeto de lei que criou o Tribunal Constitucional português, é enfático em defender os elementos de controle prévio de constitucionalidade, pois evita a consumação de atos legislativos com inconstitucionalidades grosseiras, além de entender ser a forma mais adequada de fiscalização constitucional dos acordos e convenções internacionais.[5]
Referências Bibliográficas
MIRANDA, Jorge. O controlo da constitucionalidade em Portugal. Antecedentes e criação do órgão da Justiça Constitucional. Revista da Faculdade de Direito da PUCRS: O ensino jurídico no limiar do novo século. Edição comemorativa do Cinqüentenário (1947-1997). Porto Alegre: Edipucrs, 1997: p. 467
MIRANDA, Jorge. Fiscalização da constitucionalidade –uma visão panorâmica. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, n.o. 5, Ano 3, p. 40-56, janeiro/junho de 1995.
MIRANDA, Jorge. Os dez anos de funcionamento do Tribunal Copnstitucional. Texto extraído da internet no site: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030206.html?pesquisa=leis%20constitucionais%20revolucionárias%201974#PESQ001. acessado em 16.08.2010.
MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais –Garantia Suprema da Constituição, 2a edição,São Paulo: Atlas, 2003:p.189
[1] MIRANDA, Jorge. O controlo da constitucionalidade em Portugal. Antecedentes e criação do órgão da Justiça Constitucional. Revista da Faculdade de Direito da PUCRS: O ensino jurídico no limiar do novo século. Edição comemorativa do Cinqüentenário (1947-1997). Porto Alegre: Edipucrs, 1997: p. 467
[2] MIRANDA, Jorge. Os dez anos de funcionamento do Tribunal Copnstitucional. Texto extraído da internet no site: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030206.html?pesquisa=leis%20constitucionais%20revolucionárias%201974#PESQ001. acessado em 16.08.2010.
[3] Artigo 278º(Fiscalização preventiva da constitucionalidade)
1. O Presidente da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado internacional que lhe tenha sido submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura.
2. Os Representantes da República podem igualmente requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional que lhes tenha sido enviado para assinatura.
3. A apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data da recepção do diploma.
4. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções.
5. O Presidente da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da República.
6. A apreciação preventiva da constitucionalidade prevista no n.º 4 deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data prevista no número anterior.
7. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o Presidente da República não pode promulgar os decretos a que se refere o n.º 4 sem que decorram oito dias após a respectiva recepção ou antes de o Tribunal Constitucional sobre eles se ter pronunciado, quando a intervenção deste tiver sido requerida.
8. O Tribunal Constitucional deve pronunciar-se no prazo de vinte e cinco dias, o qual, no caso do n.º 1, pode ser encurtado pelo Presidente da República, por motivo de urgência.
Artigo 279º(Efeitos da decisão)
1. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma constante de qualquer decreto ou acordo internacional, deverá o diploma ser vetado pelo Presidente da República ou pelo Representante da República, conforme os casos, e devolvido ao órgão que o tiver aprovado.
2. No caso previsto no n.º 1, o decreto não poderá ser promulgado ou assinado sem que o órgão que o tiver aprovado expurgue a norma julgada inconstitucional ou, quando for caso disso, o confirme por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
3. Se o diploma vier a ser reformulado, poderá o Presidente da República ou o Representante da República, conforme os casos, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas.
4. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma constante de tratado, este só poderá ser ratificado se a Assembleia da República o vier a aprovar por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
[4] MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais –Garantia Suprema da Constituição, 2a edição,São Paulo: Atlas, 2003:p.189
[5] MIRANDA, Jorge. Fiscalização da constitucionalidade –uma visão panorâmica. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, n.o. 5, Ano 3, p. 40-56, janeiro/junho de 1995.
Procurador Federal, mestre em Direito pela UFRGS, professor da pós-graduação da IMED-RS e formado em engenharia civil pela UFRGS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Odilon Carpes Moraes. O Controle Político de Constitucionalidade português Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41553/o-controle-politico-de-constitucionalidade-portugues. Acesso em: 23 dez 2024.
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