RESUMO: no presente artigo vamos abordar a classificação das constituições feitas pelo Constitucionalista alemão Karl Loewenstein. Classifica o autor as Constituições em normativas, nominais e semânticas. Após o resumo dessas classificações, responderemos o questionamento inicial acerca de qual dessas classificações está inserida a constituição brasileira de 1988.
Palavras-chave: Constituição. Classificação. Classificação de Karl Loewenstein. Constituições normativas. Constituições nominais. Constituições semânticas.
Como em diversos ramos e matérias do direito a Constituição é objeto de classificação das mais variadas e com os mais diversos autores. Assim pode se classificar a Constituição de acordo com sua extensão; seu conteúdo, seus objetivos, entre tantas outras formas.
A classificação que propõe Karl Loewenstein está relacionada com as mudanças que sofre ou que sofreu a Constituição escrita perante a realidade social. O critério de classificação é a eficácia e a efetividade das Constituições perante a realidade do processo de poder e o estágio de desenvolvimento democrático, cultural, educacional, social e econômico de uma sociedade.
Expõe o constitucionalista alemão que “Su punto de partida es la tesis de que una constitución escrita no funciona por si misma una vez que haya sido adoptada por el pueblo, sino que una onstitución es lo que los detentores y destinatários del poder hacen de ella en la práctica”[i].
Para que uma Constituição seja real e efetiva, dependerá, dentre outros aspectos, do meio social em que está inserida e que seja "... «vivida» por destinatários y detentores del poder, necessitando un ambiente nacional favorable para su realización"[ii].
O jurista alemão denomina essa classificação de ontológica, classificando as Constituições como normativas, nominais e semânticas.
No presente artigo iremos analisar a proposta feita pelo pensador alemão para, ao final, trazê-la para a nossa realidade constitucional e analisá-la tendo como objeto a nossa Constituição brasileira de 1988 e, em quais das classificações, está inserida.
As Constituições normativas são as que têm plena eficácia e efetividade na realidade social, sendo observadas pelos detentores do poder e do processo político, bem como sendo inseridas no meio social, ocorrendo, consoante o ensinamento de Karl Loewenstein, uma simbiose entre a Lei Fundamental e a comunidade do país. A realidade subjacente favorece a força normativa da Constituição por ocorrer, nas palavras do professor alemão, "... una previa educación política, una democracia constitucional plenamente articulada..."[iii].
As normas das Constituições normativas são aquelas em que o processo de poder respeita e se adapta à Lei Fundamental, ou a própria Constituição os domina e os submete ao seu ordenamento.
As Constituições nominais possuem validade jurídica e não efetividade existencial. A presente classificação abrange as Constituições que, ao contrário das normativas, não possuem eficácia onde estão inseridas.
A não existência dos pressupostos que levam uma Constituição a ser classificada como normativa acarreta a falta de êxito das Constituições nominais na adaptação dos fatores reais de poder[iv] às suas normas ou dominação destes ao seu ordenamento.
Coloca o professor que a falta dos pressupostos sociais e econômicos, quais sejam, a educação em geral, em especial a política, a falta de independência da classe média e, ao nosso ver, a falta de participação democrática e a falta de incorporação das forças produtivas de interpretação na realidade do processo hermenêutico da Lei Fundamental, como assinala Peter Häberle[v], entre outros, que serão analisados no decorrer do presente trabalho, impede:
... o no permite por haora, la completa integración de las normas constitucionales en la dinámica de la vida política. Probablemente, la decisión política que condujo a promulgar la constitución, o este tipo de constitución, fue prematura. La esperanza, sin embargo, persiste, dada la buena valuntad de los detentores y los destinatários del poder, que tarde o temprano la realidad del processo del poder corresponderá al modelo estabelecido en la constitución. La función primaria de la constitución nominal es educativa; su objetivo es, en un futuro más o menos lejano, convertirse en una constitución normativa y determinar realmente la dinámica del processo del poder en lugar de estar sometida a ella[vi].
Em suma, esta classificação de Constituição cabe exatamente nos países onde as promessas da modernidade não foram cumpridas[vii].
São as Constituições que, ao contrário das normativas e nominais, procuram formalizar o poder político em benefício dos detentores dos fatores reais de poder. As Constituições semânticas são meramente simbólicas e possuem como função primordial revestir de uma máscara constitucional e democrática as nações que as adotam, para estabilizar os detentores do poder fático. Como assinala o professor alemão que "Si no hubiese en absoluto ninguna constitución formal, el desarrolo fáctico del processo del poder no sería notablemente diferente."[viii]
Ao contrário das Constituições normativas e nominais, que para diferenciá-las é necessário analisar a realidade onde estão inseridas e contemplá-las com as normas constitucionais, a semântica pode ser notada com a leitura de seu texto. Normalmente são as Constituições ligadas aos regimes autoritários e ditatoriais. Estabelecem, em regra geral, um regime partidário único ou, embora dual (como a caso brasileiro pós 1964), a eterna predominância do partido dos detentores do poder; o chefe do executivo possui poder de veto irrestrito às decisões do parlamento; o executivo interfere tanto no judiciário como no legislativo, por meio de cassação de representantes do povo e de membros do judiciário, geralmente, em nome da nação, confundindo, propositadamente, esta com o regime estabelecido.
Em sede de conclusão, antes de abordarmos o questionamento inicial que nos propomos, acerca de quais dessas classificações mais se adéqua a nossa Constituição, se faz necessário a transcrição de Jorge Miranda, ao comentar a classificação de Karl Loewenstein:
... a taxionomia constitucional de Loewenstein é elaborada em face de uma Constituição ideal, e não da imbricação dialéctica Constituição-realidade constitucional, pelo que acaba por ser uma classificação axiológica ligada à concordância entre Constituição normativa e democracia constitucional ocidental. Mas não sem menos razão, poderá igualmente observar-se que ela vem pôr em relevo as diferentes funções da Constituição por referência àquilo que foi o modelo inicial da Constituição material moderna - a Constituição limitativa e garantista liberal; assim como vem, por outro lado, ajudar a captar os diversos graus de efectividade de normas e institutos pertencentes a determinada Constituição[ix].
Expostas as três classificações propostas por Karl Loewenstein, muito embora sua obra tenha sido escrita no final da década de cinqüenta do século passado, sua proposição de classificar as Constituições em normativas, nominais e semânticas permanece atual, haja vista que a realidade em que se baseia, apesar da velocidade de transformação que a modernidade imprime às circunstâncias sociais, não foi capaz de alcançar, na maioria dos países, Constituições classificadas como normativas.
Portanto, voltando-se para a observação das Constituições e da realidade constitucional subjacente à Lei Fundamental, comprovam-se os três tipos de classificações propostas, dependendo do Estado-nação que é vislumbrado e de seu texto constitucional, podendo ser classificado como Constituições normativas, nominais ou semânticas.
Posto isso, retornando ao nosso questionamento inicial acerca de quais das classificações se enquadraria a Constituição brasileira de 1988, por tudo quanto foi exposto, podemos afirmar, extreme de dúvidas, que nossa Lei fundamental pode ser chamada e classificada como uma Constituição nominal. Isso pelo fato de que não há dúvidas de que possui eficácia jurídica e também não há duvidas de que está longe de ter eficácia social.
COELHO, Inocêncio Mártires. Konrad Hesse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais de poder. Revista dos Tribunais: Revista dos Tribunais, São Paulo, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 26, 1999.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para interpretação pluralista e ‘procedimental` da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabres, 1997.
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1976.
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição Rio de Janeiro: Forense, 2002.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
[i] LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1976, p. 217.
[v] Para tanto, ver: p HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para interpretação pluralista e ‘procedimental` da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabres, 1997. COELHO, Inocêncio Mártires. Konrad Hesse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais de poder. Revista dos Tribunais: Revista dos Tribunais, São Paulo, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 26, 1999.
[vi] LOEWENSTEIN, Karl. Op. cit. p. 218.
Procurador Federal da Adovocacia-Geral da União - AGU, especialista em Direito Público pela Universidade Nacional de Brasília - UNB, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FURIAN, Leonardo. Classificação das Constituições conforme Karl Loewenstein Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41593/classificacao-das-constituicoes-conforme-karl-loewenstein. Acesso em: 23 dez 2024.
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