Resumo: O presente trabalho tem por desiderato a análise sistemática e crítica da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, introduzida pela Lei 12.441, de 11 de julho de 2011, considerando o histórico do instituto da sociedade unipessoal no Brasil e no Mundo. São abordados temas relevantes para o instituto, especialmente, capital mínimo de constituição, limitação da responsabilidade e constituição por pessoa física e jurídica.Fez-se uso da análise legal, jurisprudencial e doutrinária no direito nacional e comparado, na busca da melhor compreensão do instituto e dos desafios que representada para o aplicador do Direito.
Palavras-chave: Direito societário. Sociedade unipessoal. EIRELI. Lei 12.441.
1 Introdução
Realizar o presente estudo representou um desafio; que também motivou a escolha do tema, qual seja,a grande inovação que se constitui a empresa individual de responsabilidade limitada no Direito brasileiro, não obstante o instituto já ser velho conhecido do Direito europeu, especialmente o alemão, que introduziu a sociedade pessoal em seu ordenamento em 1980.
Duas frentes foram trabalhadas. Primeiro a questão conceitual que envolve o estudo da sociedade unipessoal, especialmente em relação ao pressuposto da pluralidade de sócios nas demais espécies, como a própria sociedade limitada, introduzida em nosso direito pelo Decreto 3.708, de 1919, e atualmente inserida no rol das sociedades constante em nosso Código Civil.
Posteriormente, abordaram-se as questões atinentes à interpretação da Lei 12.441 em aspectos eminentemente práticos e que tem gerado discussão nas comunidades jurídicas e empresarial; tais como a exigência de capital mínimo integralizado no ato da constituição, a possibilidade de uma pessoa jurídica constituir uma EIRELI e a desconsideração da sua personalidade jurídica.
Com a utilização da pesquisa legal, doutrinária e jurisprudencial pôde-se abalizar resultados significativos no estudo da questão proposta, alcançando conclusões relevantes na solução dos problemas apresentados.
2 As sociedades e a pluralidade de sócios
O Código Comercial (Lei 556, de 25 de junho de 1850), ainda em vigor na parte do comércio marítimo, não se ocupou da definição de sociedade. Observou Ferreira (1957, p. 407) que a tarefa ficou para o Código Civil de 1916, especificamente no artigo 1.363, quando afirma: “celebram contrato de sociedade as pessoas, que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”.
O atual Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), para não fugir ao hábito de abrigar definições, trouxe dizeres semelhantes no artigo 981, quando postula que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
Identificam-se parâmetros muito aproximados em ambas as definições. Vale destacar: a) união de duas ou mais pessoas; b) objetivo comum; c) exercício de atividade econômica; d) aporte de bens ou serviços; e) partilha de resultados. Assim, a pluralidade de sócios emerge como requisito essencial na formação de uma sociedade nos moldes atuais, sendo inolvidávelo concurso de, pelo menos, dois sócios para a formação regular da sociedade.
Dessa forma, o postulado contratualista inserto no Código Civil não deixou margem para dúvidas; a sociedade deveria, necessariamente, advir de uma convergência de vontades e esforços com finalidade econômica e participação nos resultados. A pluralidade sócios é, portanto, naqueles termos, requisito para a formação de uma sociedade. Não se admitindo, a não ser em exceções expressas, a existência de sociedade unipessoal e, muito menos, a sociedade sem sócio.
Acerca dos elementos contratuais em questão,Mamede (2004, p. 32-3) teceu os seguintes comentários:
A formação de um grupo é um fato: se há nessa formação um reflexo jurídico, se corresponde a um dos modelos, a uma das previsões anotadas no Direito Objetivo (norma agendi), subjetivando-a (tornando-a facultas agendi), haverá fato jurídico. A formação de um grupo, o ajuste de vontade que a conduz, nesse sentido, poderá definir, conforme as especifidades verificadas no caso em concreto, um contrato.
Nesse diapasão, a conjunção de vontades para a formação de uma sociedade reveste-se de natureza contratual por vontade da norma posta. A leitura do texto do Código Civil não deixa dúvidas acerca da mens legis. Sempre que há referência à pessoa do sócio como elemento formador da pessoa jurídica a menção ocorre no plural. Não é possível inferir, em uma interpretação teleológica, qualquer inclinação pela inserção da sociedade unipessoal no universo dos entes societários.
A lógica da pluralidade vem imbricada no pensamento jurídico brasileiro desde os mais recônditos tempos de nosso direito societário e permanece até hoje nos cursos de graduação como um dogma irrebatível. Quando se estuda a figura da affectio societatis aprende-se que a própria formação da pessoa jurídica, no caso as sociedades contratuais, pressupõe não só a convergência de vontades, mas até mesmo um fator psicológico que une os sócios em seu desiderato comum.
Na ala das sociedades institucionais não se identificam grandes diferenças na lei das sociedades anônimas em relação à pluralidade de sócios. As inúmeras referências ao conjunto de participantes na formação e manutenção da S/A deixa claro a despretensão em permitir a formação de entes unipessoais. A exceção, que será mais adiante tratada, fica por conta da subsidiária integral.
Após essas breves considerações sobre a sociedade e a pluralidade de sócios no direito pátrio, passaremos nas linhas seguintes a tratar do objeto maior do presente trabalho, abordando aspectos gerais sobre as sociedades unipessoais e a empresa individual de reponsabilidade limitada recém introduzida no Código Civil.
3 As sociedades unipessoais
Como já depreendido linhas acima, a pluralidade de pessoas na formação da pessoa jurídica é regra no Direito brasileiro. Nesse tópico trataremos das exceções a essa regra com o intuito de ilustrar as bases formadoras da empresa individual até a inserção do artigo 980-A do Código Civil.
Mamede traz uma visão geral do sistema então vigente:
A afirmação de que uma pessoa jurídica corresponde a uma coletividade, embora corriqueira, deve ser vista com certa reserva. No caso de bens, não se exige, efetivamente, uma coletividade: uma fundação pode ser constituída a partir de um único bem, desde que seja suficiente para atingir os fins a que se destina, como fica claro nos artigos 62 a 64 do Código Civil. Em fato, a propriedade sobre uma única fazenda pode ser destinada à constituição de uma fundação. No plano das pessoas, a fora as exceções dispostas nos artigos 251 e 252 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), relativa à subsidiária integral, e artigo 1.033, IV, do Código Civil, que por força do princípio da preservação da empresa somente prevê a dissolução da sociedade por falta de pluralidade de sócios quando esta não é reconstituída no prazo de 180 dias (durante o qual se aceita a existência de sócio ou acionista único), o Direito Brasileiro não aceita a pessoa jurídica unipessoal. (Op. Cit., p. 61-2).
Na análise exposta pode-se perceber a existência de dois grupamentos distintos: a) formação de pessoa jurídica por escritura pública ou testamento através da destinação de uma universalidade de bens a fim específico, podendo indicar-se, no ato da constituição, o modo de administração da fundação; b) a existência de pessoa jurídica com apenas um sócio ou acionista.
No item “b” acima é possível vislumbrar duas situações diferentes. A primeira é a subsidiária integral, prevista nos artigos 251 a 253 da Lei 6.404/76. Note-se que aqui, inobstante haja apenas um proprietário de cem por cento das ações, tratar-se-á, inarredavelmente, de pessoa jurídica brasileira. Afasta-se então, nesse caso, a possibilidade de constituição de sociedade por uma única pessoa física.
A segunda ocorre no artigo 1.033, IV, do Código Civil quando verificada a perda da pluralidade de sócios. Nesse caso, permite-se a existência e sociedade unipessoal pelo prazo não superior a cento e oitenta dias (contados dia a dia e não mês a mês) até que se restabelecesse a pluralidade de sócios. Caso isso não ocorresse (o tempo verbal está no futuro do pretérito em razão de que o artigo 1.033 foi modificado pela Lei 12.441/2011, conforme se verá a seguir) no termo aprazado o sócio remanescente passaria a ser responsabilizado ilimitadamente pelas obrigações sociais.
Necessário destacar que a figurado empresário individual é expressamente permitida no Código Civil (artigos 966 a 971). Entrementes, não se trata de hipótese de pessoa jurídica constituída por um único membro e sim de exercício da atividade empresarial em nome próprio (pessoa física), com responsabilidade ilimitada, ou seja, todo o patrimônio do empreendedor responderá perante seus credores.
Ao que parece, a existência de sociedades unipessoais no Direito Pátrio seria indesejável e somente possível em razão da necessidade de incremento da atividade das grandes empresas (subsidiária integral) ou de circunstância transitórias na qual se permite a unipessoalidade unicamente com o intuito de permitir o restabelecimento da pluralidade de sócios.
A questão de fundo parece repisar o problema da limitação da responsabilidade do comerciante aliado à personificação de um ente não coletivo. Salomão Filho (1995, p. 15) expõe o problema. Veja-se:
Duas são as questões tratadas. A primeira é a possibilidade de personificação (no sentido de criação de um novo centro de imputação de direitos e deveres) de um ente não coletivo. A segunda diz respeito à possibilidade de separação de uma parte do patrimônio da pessoa natural para o exercício de uma determinada atividade. Inicialmente são expostas as idéias dos líderes das principais escolas de pensamento (teoria ficcionista de Savigny[1], a teoria do patrimônio de afetação de Brinz e Bekker[2] e a chamada ‘teoria da associação’ de Gierke[3]) e depois é analisada sua relevância para a discussão.
A questão da “personificação de um ente não coletivo” representa o maior dos problemas ao reconhecimento da sociedade unipessoal no século XIX, na medida em que, em maior ou menor intensidade, as três teorias apontadas (ficcionista, patrimônio de afetação e “teoria da associação”) parecem rejeitá-la.
Dalí houve uma crescente evolução teórica que possibilitou, já no Século XX, o surgimento das primeiras sociedades unipessoais, como no caso de Liechtenstein e, especialmente, em razão de sua maior relevância teórica, na Alemanha. Desincumbimo-nos de uma análise mais alongada sobre a questão, haja vista que a necessidade de uma abordagem mais aprofundada afastaria o foco do presente trabalho.
Corolário da formação de uma pessoa jurídica com um único participante seria a “separação de patrimônios”, possibilitando para o empreendedor o exercício do comércio sem o comprometimento de todos os seus com obrigações assumidas no interregno correspondente ao desempenho da atividade.
Salomão Filho (1995, p. 27) critica a expressão “patrimônio separado” referido que, em verdade, não se tratam de dois patrimônios reunidos em única pessoa, mas de limitação da responsabilidade atribuído ao sócio formador da sociedade unipessoal. Tal limitação representa grande incremento da atividade do pequeno e médio empresário, na medida em que seriam os principais interessados na forma societária unipessoal.
A grande vantagem reside justamente na limitação da responsabilidade em uma pessoa jurídica composta por apenas um sócio. Hipótese distinta da sociedade limitada pluripessoal, na qual se utiliza o artifício dos “homens de palha” (strohmann) para esconder e unipessoalidade e usufruir da limitação da responsabilidade.
Destoa igualmente do empresário individual, como dito linhas acima, que exercia a mercancia em nome próprio, mas não constitui pessoa jurídica e responde ilimitadamente perante credores, deixando seu patrimônio pessoal descoberto diante as vicissitudes da atividade mercantil.
Vale lembrar que o Código Civil francês, alterado pela Lei 85.697, de 11 de julho de 1985, passou a permitir a constituição da Empresa Unipessoal de Responsabilidade Limitada (EURL) na esteira de lei alemã de 4 de julho de 1980, que permitiu a criação da sociedade por cotas de responsabilidade limitada por uma ou mais pessoas.[4] Na Alemanha houve um especial desenvolvimento do tema. Entretanto, toda essa evolução não ecoou no Brasil.
Diante de todas essas questões, o legislador brasileiro tardou no reconhecimento da sociedade unipessoal, possibilitando uma crescente proliferação de sociedades irregulares com vistas a burlar a regra da pluralidade obrigatória de sócios com a finalidade de limitar a responsabilidade de seus “proprietários”.
4 A empresa individual de responsabilidade limitada
Em 2012 a Lei 12.441 inaugurou uma nova fase no Direito Societário brasileiro em vista da introdução da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada com acrônimo de EIRELI[5]. A mudança, vista como um avanço legislativo, foi alvo de diversas críticas.
Sem grande ressonância na doutrina; talvez ante a massa restrita de estudiosos que se dediquem ao assunto, alguns, em ampla minoria, simplesmente discordam da possibilidade conceitual de uma sociedade unipessoal, ante o próprio caráter aglutinador das sociedades e conceito trazido no artigo 981 do Código Civil, que revela a índole contratual das sociedades no Brasil.
Por outro lado, a grande repercussão, especialmente no setor empresarial, foi de comemoração ante a inovação trazida pela Lei, que, em resposta a antigos brados, inseria a EIRELI no rol das espécies societária elencadas no Código Civil. Adiante passaremos ao estudo das principais questões que envolvem a inovação legislativa e que têm suscitado polêmica entre a comunidade jurídica.
4.1 Pressupostos
Os requisitos para constituição da EIRELI estão elencados no artigo 980-A do Código Civil. São eles: a) constituição por uma única pessoa, que será o titular da totalidade do capital social; b) integralização do total do capital social no momento de sua constituição; c) capital social nunca inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Por motivos aparentes e já discutidos nos itens anteriores, só é permitida a constituição de EIRELI por um único sócio, por se tratar de uma sociedade unipessoal. Caso haja a presença de dois ou mais sócios poderão ser adotadas quaisquer das formas previstas no Código Civil ou na Lei das Sociedades Anônimas.
No aspecto financeiro exige-se a integralização do capital social no momento da constituição, capital este que nunca será inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente. Respalda-se o dispositivo na tutela da confiança, posto que limitação da responsabilidade pudesse gerar dúvidas acerca da boa fé do instituidor da sociedade. É salutar a lembrança que o artigo 422 do Código Civil remete aos princípios da probidade e da boa fé nas relações contratuais.
A exigência de capital mínimo na constituição da EIRELI já foi alvo de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Popular Socialista – PPS (ADI 4.637) na relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Os dois argumentos trazidos pelo autor na alegação de inconstitucionalidade são: a) vedação de vinculação ao salário mínimo para qualquer fim (artigo 7º, IV); b) violação ao princípio da livre iniciativa (art. 170, caput).
Houve manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. Ambos opinaram pela constitucionalidade da norma. Parece, de fato, não haver qualquer inconstitucionalidade no dispositivo, uma vez que o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido que a vedação à vinculação ao salário mínimo refere-se ao seu uso como indexador de vantagens ao servidor público (Súmula Vinculante nº 4) ou qualquer outro fim estranho à sua função,o que inocorre na hipótese.
Quanto à violação do princípio da livre iniciativa, a alegação também parece não prosperar, posto que haja uma enormidade de meios pelos quais o interessado poderá exercer atividade comercial; sociedades limitadas, sociedade anônimas, sociedades em nome coletivo, dentre outras. Na hipótese erigiu-se uma nova espécie não antes prevista na legislação, que trouxe consigo alguns requisitos formadores previstos em lei e que tem como finalidade clara resguardar o interesse dos credores e do crédito em geral contra investidas aventureiras perpetradas por agentes maliciosos.
4.2 Nome empresarial
Poderá ser adotado o nome na forma de firma; com menção ao patronímico do empresário ou a parte dele, ou denominação, com menção ao objeto social,em ambos os casos seguidos da expressão EIRELI, com o objetivo de identificar a espécie societária frente a eventuais contratantes e o público em geral. Não há qualquer novidade em relação à sistemática já adotada para as sociedades limitadas no artigo 1.158 do Código Civil.
Note-se, igualmente, que, por aplicar-se ao tipo societário o regime das sociedades de responsabilidade limitada, a omissão no nome empresarial da partícula EIRELI deverá imputar ao único sócio responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais, nos termos dos artigos 980-A, §6º e 1.158, §3º do Código Civil.
4.3 Sujeitos
A Lei 12.441/2011 não foi expressa com a relação à questão de quem pode ser titular da EIRELI, se apenas pessoas físicas ou também pessoas jurídicas. A conclusão cabe aos aplicadores mediante esforço hermenêutico, especialmente os métodos sistemático e teleológico.
O Departamento Nacional do Registro do Comércio - DNRC já fixou entendimento pela impossibilidade de pessoas jurídicas constituírem uma empresa individual[6], o que gerou brados, em especial da comunidade jurídica ligada ao assessoramento de grandes empresas. O motivo é simples: há consideráveis vantagens para grandes conglomerados que desejem ingressar em outros ramos de atividades sem correr grandes riscos, haja vista que constituindo uma EIRELI estariam limitando a sua responsabilidade a parte do patrimônio vertido para a formação do capital social da mesma.
Entretanto, uma análise acurada do texto da Lei parece dar razão ao DNRC. Veja-se no teor do artigo 980-A, §2º que “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. Ora, se for admitida a possibilidade de constituição de uma empresa individual por pessoa jurídica, estar-se-ia permitindo que uma pessoa jurídica criasse um número indeterminado de EIRELI, posto que só à pessoa natural seja vedado ter mais de uma. Qual a razoabilidade dessa conclusão? Por que a pessoa jurídica poderia constituir quantas empresas quisesse enquanto que a pessoa física só poderia constituir uma?
Outra questão intrigante que não pode ser olvidada respeita ao artigo 980-A, §4º, vetado pela Presidente da República ante o risco de vir a causar discussão sobre as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas no artigo 50 do Código Civil. O texto do dispositivo vetado dizia o seguinte:
Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente. (grifomeu).
Da leitura do dispositivo é clarividente o intuito do legislador em permitir a constituição de sociedades individuais apenas por pessoas físicas, caso contrário não haveria responsabilidade limitada para pessoas jurídicas que constituíssem empresa individual, o que se constituiria em uma contradição em termos, ante ao afastamento da própria finalidade da EIRELI.
Em outra frente, questiona-se se estrangeiro pode constituir sociedade unipessoal. A Lei é silente, entretanto, nesse caso não se suscita grandes polêmicas. Resulta mais coerente a posição que permite aos estrangeiros a criação da EIRELI, com as vedações e restrições contidas na lei e na Constituição. O DNRC manifestou-se nesse sentido remetendo aos termos da Instrução Normativa DNRC 76, de 28 de dezembro de 1998, no tocante ao cumprimento das formalidades.
4.4 Capital
O capital social deverá ser de, no mínimo, cem vezes o maior salário mínimo vigente no país no momento da sua constituição, mantido esse valor global com os reajustes anuais. Esse entendimento quanto à atualização foi esposado pelo DNRC[7] e parece o mais ajustado à finalidade do legislador de proteção ao interesse creditício e à confiança necessária ao saudável exercício da atividade mercantil.
Conforme dito alhures o teto mínimo para o capital social é objeto de questionamento no STF sem, no entanto, grandes chances de êxito ante a contrariedade dos argumentos colacionados à própria jurisprudência daquela Corte.
4.5 Responsabilidade limitada
O parágrafo sexto do artigo 980-A do Código Civil remete no que couber, a aplicação das regras concernentes às sociedades limitadas à empresa individual. Portanto, incide sobre a responsabilidade a regra contida no artigo 1.052, segundo a qual o limite total do patrimônio que pode ser alcança por eventuais execuções é o total do capital social, tendo a cota de cada um como limite individual.
Como na EIRELI só há um sócio e o capital social é obrigatoriamente integralizado no momento da constituição, a parcela do patrimônio pessoal do empresário que poderia ser alcançada, em situação regular, por eventuais execuções já está vertida no patrimônio da sociedade.
Na se olvide que o sócio tem a obrigação de manter o capital social atualizado na monta de cem vezes o maior salário mínimo vigente no país. Sendo, assim, responsável por eventuais complementações.
4.6 Desconsideração da personalidade
A questão da desconsideração da personalidade jurídica da empresa individual não demanda muitas discussões. Conforme informado no item 4.3 o veto ao parágrafo quarto do artigo 980-A teve por finalidade evitar embates acerca do tema, possibilitando a desconsideração da personalidade jurídica da EIRELI.
Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio. (grifo meu).
Assim, a clarividência da posição do legislador não deixa espaço para controvérsias e está de acordo com os ditames de proteção da boa fé que embasam a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
5 Conclusão
Não obstante as questões técnicas apontadas, é louvável a inovação legislativa que, com grande atraso, inseriu em nosso arcabouço legal a sociedade unipessoal, aqui nomeada empresa individual de responsabilidade limitada; abrindo caminho para novas possibilidades na esfera empresarial.
A exigência de capital mínimo integralizado, não obstante a finalidade positiva que contêm, pode ser um obstáculo à popularização da EIRELI, haja vista que muitos, decerto, continuarão optando pela sociedade limitada e seus “homens de palha”, posto não haver exigência de capital mínimo nem de integralização prévia.
O rumo a ser tomado ainda depende do amadurecimento da empresa individual na doutrina e na jurisprudência, na busca de solução ante as diversas questões que surgirão no curso da existência legal desse novo ente. Entretanto, a evolução representada pela empresa individual enveredará o Direito Societário por caminhos nunca antes trilhados e, certamente, representará grande evolução para o conhecimento jurídico empresarial no Brasil.
REFERÊNCIAS
FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de direito comercial, v. 1, t. 2. 5. ed. rev. e aument. São Paulo: Max Limonad, 1957. 1.052 p.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro, v. 2. São Paulo: Atlas, 2004. 673 p.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. 613 p.
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. 242 p.
[1]Cfr. Calixto SALOMÃO FILHO, cit., p. 16, “A opção de Savigny pela explicação ficcionista ou normativa da pessoa jurídica justifica-se. A ficção é para ele um meio de afirmar o caráter artificial de tal atribuição, sem negar a realidade própria dos grupamentos humanos aos quais é atribuída a personalidade jurídica. Savigny nunca negou a sozialeRealitätdesVerbandes (realismo social da associação). Acreditava, no entanto, que tal realismo, por ser excessivamente múltiplo, não pertencia ao conceito de pessoa jurídica”.
[2] Cfr. Calixto SALOMÃO FILHO, cit., p. 18, “Ambos os autores reafirmam o princípio naturalista segundo o qual apenas as pessoas humanas podem ser sujeitos de direitos e obrigações. Admitem, como os ficcionistas, a existência de patrimônios que não podem ser atribuídos aos homens. Ao contrário desses, no entanto, não vêem uma solução para o problema na extensão do conceito de sujeito de direito”.
[3] Cfr. Calixto SALOMÃO FILHO, cit., p. 20, “Gierke concentra suas críticas no individualismo incorporado pela pandectística, que leva a reconhecer o poder absoluto do Estado ao lado de uma soma de vontades autônomas dos indivíduos. Afirma que esse individualismo burguês, de inspiração francesa, é contra a tradição e a história o povo germânico, construída a partir de corpos econômicos intermediários”.
[4] MARTINS, 1991, p. 208.
[5]Como se trata de um acrônimo composto por partículas das palavras que compõem a expressão (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI), o correto seria Eireli (apenas a primeira letra maiúscula). Entretanto o legislador optou pela expressão EIRELI, com todas as letras maiúsculas (art. 980-A. §1º, do Código Civil).
[6]Disponível em: http://www.dnrc.gov.br/Servicos_dnrc/arquivos/Constituicao_novo.pdf
[7]Disponível em: http://www.dnrc.gov.br/Servicos_dnrc/arquivos/Constituicao_novo.pdf
Doutorado em Direito em curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (início 2013), possui mestrado em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Federal do Ceará (2001) e graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995). É Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia. Tem ênfase em Direito Comercial e Administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Falimentar, Direito Marítimo, Direito Societário, Direito Internacional Privado, Direito de Energia Elétrica, Direito de Petróleo e Gás e Direito Minerário. Lecionou na Universidade Federal do Ceará - UFC, na Universidade de Fortaleza - Unifor, no Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, dentre outros. Atuou na construção dos marcos regulatórios do pré-sal e da mineração. Autor da obra A Licitação na Sociedade Economia Mista, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FABRICCIO QUIXADá STEINDORFER PROENçA, . A empresa individual de responsabilidade limitada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41610/a-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada. Acesso em: 23 dez 2024.
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