1. Introdução
A doutrina clássica se refere à verdade real como um dos objetivos do processo penal. Assim, no processo penal busca-se a verdade real, enquanto que no processo civil busca-se a formal.
Sob tal ótica, discute-se no presente trabalho a busca da verdade real à luz do art. 156, I, do Código de Processo Penal e o sistema processual penal brasileiro.
2. A busca da verdade real (art. 156, I, do CPP) e sistema processual penal brasileiro
Dispõe o art. 156, I, do Código de Processo Penal:
Art. 156.A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
O citado artigo permite ao juiz de ofício a produção de provas em busca da verdade real ou verdade possível. Segundo Sérgio Marcos de Moraes Pitombo (1993, p.74):
a doutrina dá o nome de princípio da verdade real ou material à regra, em razão da qual o juiz vela pela conformidade da postulação das partes com a verdade real, a ele revelada, pelos resultados da instrução criminal. Mas, acrescenta o que essa verdade de que se cuida não traz a marca da plenitude, e sendo, pois, realizável a aproximação, trata-se da ‘verdade possível’; da verdade, dita processual, ou atingível.
Assinala Antônio Magalhães Gomes Filho que a nossa cultura processual penal ainda predominantemente inquisitória, “valoriza tudo aquilo que possa ser útil ao esclarecimento da chamada verdade real” ( 2001. p. 234).
2.1 O papel do juiz na produção de provas segundo o sistema processual penal
Importante é o papel do juiz na produção de provas, cuja atuação muda de acordo com classificação do sistema processual penal: acusatório ou inquisitório.
No sistema inquisitório as funções acusatórias e julgadoras se concentram no mesmo órgão. O sistema acusatório é caracterizado pela separação de atribuições entre os órgãos estatais, onde a função estatal de julgar pertence ao Poder Judiciário, enquanto que a de acusar pertence ao Ministério Público.
Alguns autores afirmam que, no Brasil, o sistema é o acusatório. Outros doutrinadores discordam de tal posicionamento, alegando, que em função da atual legislação infraconstitucional brasileira, o sistema processual penal não poderia ser classificado como acusatório puro, mas sim inquisitivo garantista.
Na verdade não há no Brasil um sistema acusatório puro. Esse é o entendimento preconizado por Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 104/105):
É certo que muitos processualistas sustentam que o nosso sistema é o acusatório. Mas baseiam-se exclusivamente nos princípios constitucionais vigentes (contraditório, separação entre acusação e órgão julgador, publicidade, ampla defesa, presunção de inocência etc.). Entretanto, olvida-se, nessa análise, o disposto no Código de Processo Penal, que prevê a colheita inicial da prova através do inquérito policial, presidido por um bacharel em Direito, que é o delegado, com todos os requisitos do sistema inquisitivo (sigilo, ausência de contraditório e ampla defesa, procedimento eminentemente escrito, impossibilidade de recusa do condutor da investigação etc.) Somente após, ingressa-se com a ação penal e, em juízo, passam a vigorar as garantias constitucionais mencionadas, aproximando-se o procedimento do sistema acusatório. (...)
Defender o contrário, classificando-o como acusatório é omitir que o juiz brasileiro produz prova de ofício, decreta a prisão do acusado de ofício, sem que nenhuma das partes tenha solicitado, bem como se vale, sem a menor preocupação, de elementos produzidos longe do contraditório, para formar sua convicção. Fosse o inquérito, como teoricamente se afirma, destinado unicamente para o órgão acusatório, visando a formação da sua opinio delict e não haveria de ser parte integrante dos autos do processo, permitindo-se ao magistrado que possa valer-se dele para a condenação de alguém”.
Ressalta Denílson Feitoza Pacheco (2006,p. 49) que não há como defender um sistema acusatório puro no Brasil, até mesmo porque:
[…] culturalmente, o sistema inquisitivo domina claramente no Brasil. O juiz brasileiro pode, de ofício, ou seja, sem qualquer requerimento ‘das partes’: determinar a produção de provas em geral, seja durante a investigação criminal ou processo penal, como busca-apreensão, interceptação telefônica, oitiva de testemunhas, oitiva do ofendido, prova documental etc; requisitar instauração de inquérito policial (art. 5º, II, do CPP); decretar prisão preventiva (art. 311, CPP)
Observa-se, contudo que, para aqueles que defendem o sistema acusatório puro, a ofensa a esse princípio foi basicamente o fundamento da inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 9.034/95 na ADI nº 1.570-2, que discutiu a possibilidade do juiz realizar pessoalmente diligências na fase pré-processual, conforme descrito no trecho do voto do Ministro Relator Maurício Corrêa:
[...] 12. Para Walter Nunes da Silva, 'a psicologia judiciária logrou demonstrar que o inconveniente do juízo de instrução é a vinculação inconsciente do juiz às descobertas angariadas com as investigações feitas por ele, diminuindo-lhe a capacidade de enxergar com maior acuidade e isenção todas as provas pertinentes à elucidação do caso (...) Nesse passo, entendo que o art. 3º, §3º da Lei nº 9.034/94 é inconstitucional pois o sistema acusatório puro, tendo como uma de suas características a atribuição da atividade investigatória preparatória à polícia judiciária e o Ministério Público, está expressamente catalogada na Constituição da República.
Fundado nessa premissa, há quem defenda a inconstitucionalidade do artigo 156, I, do Código de Processo Penal, com redação dada Lei nº 11.690/08 que conferiu a possibilidade de o juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
Os defensores da inconstitucionalidade sustentam que o magistrado deve-se manter imparcial, sob pena de ofensa ao sistema acusatório. Alegam que a produção de provas antes de iniciada a ação penal, só poderá ser realizada mediante provocação das partes e não de ofício. A participação do juiz deve ser realizado de forma supletiva e na fase processual, em regra, pois a função probatória é ônus que incumbe às partes.
Acerca da imparcialidade do juiz, ensina o professor Eugênio Paccelli (2005, p. 328) que ela se relaciona “à atuação concreta do juiz na causa, de modo a impedir que este adote postura tipicamente acusatória no processo, quando, por exemplo, entender deficiente a atividade desenvolvida pelo Ministério Público".
A imparcialidade do juiz é necessária para que não sejam violados os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa e, notadamente, a isonomia processual.
3. Conclusão
Considerando a inexistência de um sistema acusatório puro no ordenamento jurídico pátrio, tratando-se o sistema processual penal brasileiro de um sistema misto ou inquisitivo garantista, não há que perquirir a inconstitucionalidade no artigo 156, I, do Código de Processo Penal.
O art. 156, I, do Código de Processo Penal não concede poderes investigatórios ao juiz e sim apenas a possibilidade de realização de medidas cautelares, de ofício, se houver necessidade, em busca da verdade real ou da verdade possível, devendo ser preservada sempre a imparcialidade nas decisões judiciais.
Referências bibliográficas
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O juiz penal e a pesquisa da verdade real, in: MARQUES PORTO & MARQUES DA SILVA (orgs.), Processo Penal e Constituição Federal.1993.São Paulo: Acadêmica, p. 74.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais.2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 234.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3a. Edição. 2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 104/105.
PACHECO, Denílson Feitoza.Direito Processual Penal – Teoria, Crítica e Práxis. 4a. Edição 2006. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, p. 49.
ADI 1570, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ 22-10-2004 PP-00004 EMENT VOL-02169-01 PP-00046 RDDP n. 24, 2005, p. 137-146 RTJ VOL-00192-03 PP-00838
PACCELLI, Eugênio.Curso de processo penal. 2005. Belo Horizonte: Editora Del Rey, p. 328.
Procuradora Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Chefe do Serviço de Gerenciamento Estratégico, pós graduada em Direito Processual pela AVM Faculdade Integrada e pós-graduanda em Direito Administrativo. Fui analista judiciária do Superior Tribunal de Justiça, com exercício nos Gabinetes dos Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Nilson Naves. Fui também advogada da Embrapa, com exercício na Embrapa-Sede.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Agueda Cristina Galvão Paes de. A busca da verdade real (art. 156, I, do CPP) e o o sistema processual penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41664/a-busca-da-verdade-real-art-156-i-do-cpp-e-o-o-sistema-processual-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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