O presente artigo tem por escopo apresentar algumas considerações acerca da evolução da advocacia pública no cenário jurídico brasileiro e demonstrar a importância da aprovação da PEC 82 no sentido de se permitir que tal atividade alcance seu papel desejado pelo constituinte.
Encontra-se atualmente em tramite no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n.º 82/2007, a qual propõe a concessão de autonomia funcional aos advogados públicos.
Tal proposta se mostra extremamente relevante no atual contexto jurídico em que a advocacia pública assume papel de protagonismo no desenvolvimento das políticas públicas.
Antes da Constituição Federal de 1988, oMinistério Público era o responsável pela defesa do Estado e da sociedade, havendo um corpo jurídico incumbido pela consultoria da União e suas autarquias, realizando, inclusive, sua representação judicial e extrajudicial.
Todavia, a atribuição dual exercida pelo Ministério Público, de defesa da sociedade e do Poder Executivo, passou a ser questionada antes da promulgação do texto constitucional, concluindo pela necessidade de uma separação de atribuições, que culminou na criaçãoda Advocacia-Geral da União, prevista no artigo 131 da CF/88.
A inscrição da Advocacia Pública na Carta Constitucional de 1988 harmonizou-se com o modelo Estado Democrático de Direito, também inaugurado na Constituição Federal.
Com efeito, o advogado público tornou-se figura essencial à preservação dos valores essenciais ao Direito ao efetuar o elo de comunicação entre a democracia e a juridicidade. Vale dizer, cabe ao advogado público viabilizar no plano jurídico as políticas públicas definidas pelos agentes políticos eleitos.
A atuação da advocacia pública deve sempre buscar o respeito ao Princípio da Juridicidade, mediante atuação preventiva de litígios, realizando acordos em prol do interesse público, reconhecendo direitos em prol da eficiência. Entretanto, para isso, é necessário que seja conferido aos advogados públicos as prerrogativas de Estado e não de Governo, afim de que tomem para si o poder decisório inerente a sua atuação.
Para o cumprimento de tal papel, e, consequente, atuação plena dos advogados públicos, imperioso se faz garantir à Advocacia Pública um ambiente de autonomia e estabilidade institucional.
Nesta toada, mostra-se abusiva qualquer interferência que comprometa a exclusividade nas carreiras ou suprima garantias que prejudique a atuação dos seus membros.
É necessário que lhes sejam garantidos segurança jurídica, autonomia técnica, impessoalidade e a igualdade de acesso aos cargos e empregos público mediante concurso público, sob pena de se tornar o advogado público mero refém da política, comprometendo, assim, a capacidade de exercer as funções que lhe foram constitucionalmente incumbidas.
Aliada aos elementos centrais que se impõem à atuação da Administração Pública no país, o ambiente verdadeiramente democrático também exige segurança jurídica.
Repugna-se os pareceres sob encomenda, as ações obscuras, as remoções arbitrárias e o desmantelamento de funções de Estado para a satisfação de projetos governamentais dissociados do interesse público.
O mesmo lugar e a mesma designação de mau ladrão atribuída pelo Padre Antônio Vieira, no seu Sermão do Bom Ladrão[1]merecem aqueles que dervirtuam funções de Estado, permanentes e estáveis, em funções de governo, provisórios e circunstanciais.
A necessária independência da advocacia pública corriqueiramente é objeto de pronunciamento judicial. Após período claudicante, o entendimento consolidado se firmou no sentido de queo advogado público, salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, não deve ser responsabilizado pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa.
Neste sentido, calha a fiveleta a análise do julgado ilustrativo, proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança 27867 AgR /DF. Senão vejamos:
EMENTA Agravo regimental em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Não ocorrência. Independência entre a atuação do TCU e a apuração em processo administrativo disciplinar. Responsabilização do advogado público por parecer opinativo. Presença de culpa ou erro grosseiro. Matéria controvertida. Necessidade de dilação probatória. Agravo regimental não provido. 1. Ausência de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A Corte de Contas providenciou a notificação do impetrante assim que tomou conhecimento de seu envolvimento nas irregularidades apontadas, concedendo-lhe tempo hábil para defesa e deferindo-lhe, inclusive, o pedido de dilação de prazo. O TCU, no acórdão impugnado, analisou os fundamentos apresentados pela defesa, não restando demonstrada a falta de fundamentação. 2. O Tribunal de Contas da União, em sede de tomada de contas especial, não se vincula ao resultado de processo administrativo disciplinar. Independência entre as instâncias e os objetos sobre os quais se debruçam as respectivas acusações nos âmbitos disciplinar e de apuração de responsabilidade por dano ao erário. Precedente. Apenas um detalhado exame dos dois processos poderia confirmar a similitude entre os fatos que são imputados ao impetrante. 3. Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que “salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa (MS 24.631/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º/2/08). Divergências entre as alegações do agravante e as da autoridade coatora. Enquanto o impetrante alega que a sua condenação decorreu exclusivamente de manifestação como Chefe da Procuradoria Distrital do DNER em processo administrativo que veiculava proposta de acordo extrajudicial, a autoridade coatora informa que sua condenação não se fundou apenas na emissão do dito parecer, mas em diversas condutas, comissivas e omissivas, que contribuíram para o pagamento de acordos extrajudiciais prejudiciais à União e sem respaldo legal. Divergências que demandariam profunda análise fático-probatória. 4. Agravo regimental não provido.[2]
De fato, o advogado público deve exercer o seu mister sem medo de perseguições, vez que a inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão possui proteção constitucional.
Em sendo assim, apenas o afastamento da interpretação razoável é que permitirá verificar a má técnica ou inépcia do advogado. Admitir o contrário é caminhar para o esvaziamento da relevante função social do advogado público e retroceder à consolidação institucional da Advocacia Pública assegurada pela Constituição de 1988.
A Advocacia Pública, função essencial a Justiça, por expressa previsão constitucional, deve ter assegurada os meios necessários a consecução do seu relevantedever, afim de que as instituições republicanas e democráticas sejam fortalecidas.
Contudo, apesar da independência funcional ser condição sinequa nonpara a devida atuação dos advogados públicos, não restou expressamente consignada no texto constitucional, surgindo a necessidade de elaboração e aprovação de emenda que assim o fizesse.
Diante de tal cenário, como já ventilado anteriormente, foi elaborada a PEC 82[3], de autoria do Deputado Flavio Dino, que visa atribuir autonomia funcional e prerrogativas aos membros da Defensoria Pública, Advocacia da União, Procuradoria da Fazenda Nacional, Procuradoria-Geral Federal, Procuradoria das autarquias e às Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A aprovação da PEC 82, sem dúvida, representaria um grande avanço no tocante à autonomia, bem como também em relação a valorização do Advogado Público.
Caso aprovada, fortaleceria sobremaneira a Advocacia Pública, e a tornaria realmente uma Advocacia de Estado, desvinculada a esse ou aquele interesse de Governo.
Obviamente, não há como ignorarmos o fato de que se trata de questão com potencial para gerar enormes debates, uma vez que a Advocacia Pública tem como um de seus fundamentos viabilizar a implantação de políticas públicas, as quais, normalmente, estão diretamente direcionadas às prioridades definidas pelo grupo político governante.
Em que pese tal contraponto, o qual certamente restaria superado pelo próprio fortalecimento da Advocacia Pública como Instituição de Estado devidamente posicionada e valorizada no texto constitucional, pode-se concluir quepara se avançar institucionalmente e garantir a atuação plena dos advogados públicos em prol do cumprimento de suas funções constitucionais essenciais à Justiça e à probidade na Administração Pública,é necessário que se garanta autonomia funcional para os seus membros, a fim de que tenham plenas condições de trabalho,possibilitando o exercício de suas relevantes funções com tranquilidade.
Nesse cenário, a necessária aprovação da PEC 82 se impõe, sob pena de esvaziamento de importante função constitucional.
REFERÊNCIAS:
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AMORIM, Gustavo Henrique Pinheiro de. O Advogado Público na Função Consultiva, os Pareceres Jurídicos e a Responsabilidade deles Decorrente.
BINENBOJM, Gustavo. Parecer jurídico para o consulente Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal. Mar 2013.
__________ . A Advocacia Pública e o Estado Democrático de Direito. Juris Tantum. Suplemento integrante da ADVOCEF em Revista. Ano X, nº 103. Set 2011.
___________. A Advocacia Pública e o Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Revista Procuradoria Geral do Município de Juiz de Fora – RPGMJF. Ano 1, n.º 1, p. 219-227, 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Segurança n. 27867 AgR /DF. Relator: DIAS, Toffoli. Publicado no DJ de 04.10.2012. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2827867%2ENUME%2E+OU+27867%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/caapbqv>. Acesso em 30 jun. 2014.
CASTRO, Sonia Rabello de. Uma nova concepção para a advocacia pública no Brasil. A atuação da Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro no período 1993-1996. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Município do Rio de Janeiro. RDPGM. Rio de Janeiro. V. 1. N. 1. Pp. 13 a 28. 1997.
CASTRO, Aldemário Araújo. Os Contornos da Independência Técnica do Advogado Público Federal. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/independencia.pdf>. Acesso em 07 nov. 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Responsabilidade dos procuradores e assessores jurídicos da Administração Pública. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ.Jan. 2008.
MARINELA, Fernanda; BOLZAN. Fabrício (Org.). Leituras Complementares de Direito Administrativo - Advocacia Pública. Ed. Jus Podium. 2008.
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VIEIRA, Pe. Antônio. Sermão do Bom Ladrão.Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000025pdf.pdf>. Acesso em 29/10/2014.
[1]O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco faz os piratas, o roubar com muito os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e a outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponelatronem et piratam, quo regem animumlatronis et pirataehabentem. Se o Rei da Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome. – Sermão do Bom Ladrão <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16404->.Acesso em 29 out. 2014.
[2]http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2661649 – Acesso em 29/10/2014.
[3]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=354302- Acesso em 29/10/2014.
Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal de Minas Gerais. <br>Especialista em Direito Processual pela UNIDERP. Pós-graduanda em Advocacia Pública pelo IDDE. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Nayana Machado Freitas. PEC 82 e o necessário fortalecimento da advocacia pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41665/pec-82-e-o-necessario-fortalecimento-da-advocacia-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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