O dissídio coletivo consiste em, segundo Amauri Mascaro Nascimento, “um processo destinado à solução de conflitos coletivos de trabalho, por meio de pronunciamentos normativos constitutivos de novas condições de trabalho, equivalentes a uma regulamentação para os grupos conflitantes. Assim, dissídios coletivos são relações jurídicas formais, geralmente da competência originária dos Tribunais, destinadas à elaboração de normas gerais. Confia-se, assim, à jurisdição, a função de criar direito novo, como meio de resolver as controvérsias dos grupos” [1].
Ocorre que com a nova ordem constitucional do Brasil, deve-se conceituar o dissídio coletivo não como processo, mas como ação, uma vez que é esta quem garante a instauração do processo. Dessa forma, mais precisamente, observa-se que o dissídio coletivo constitui uma ação coletiva, facultada a determinadas entidades coletivas, a fim de tutelar a defesa de interesses de grupos ou categorias econômicas, seja criando, modificando ou apenas interpretando normas reguladoras das relações laborais.
Há algumas formas de classificações dos dissídios coletivos, vejamos algumas delas.
Para Wagner D. Giglio [2], os dissídios coletivos podem apresentar-nos das seguintes formas:
- de revisãoà têm a função de rever as disposições, condições trabalhistas então vigentes. É estabelecido por meio da previsão legal contida nos artigos 873 a 875, da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:
“Art. 873 - Decorrido mais de 1 (um) ano de sua vigência, caberá revisão das decisões que fixarem condições de trabalho, quando se tiverem modificado as circunstâncias que as ditaram, de modo que tais condições se hajam tornado injustas ou inaplicáveis.
Art. 874 - A revisão poderá ser promovida por iniciativa do Tribunal prolator, da Procuradoria da Justiça do Trabalho, das associações sindicais ou de empregador ou empregadores interessados no cumprimento da decisão.
Parágrafo único - Quando a revisão for promovida por iniciativa do Tribunal prolator ou da Procuradoria, as associações sindicais e o empregador ou empregadores interessados serão ouvidos no prazo de 30 (trinta) dias. Quando promovida por uma das partes interessadas, serão as outras ouvidas também por igual prazo.
Art. 875 - A revisão será julgada pelo Tribunal que tiver proferido a decisão, depois de ouvida a Procuradoria da Justiça do Trabalho.”
- constitutivosà são propostos objetivando-se a criação de novos comandos normativos reguladores da atividade laboral; constituem novos parâmetros legais da relação trabalhista. Recebem de outros doutrinadores outras denominações, como conflitos econômicos, ou de interesse.
- declaratóriosà têm por dever a interpretação de normas coletivas, sejam convencionais ou legais. Recebem de outros doutrinadores os nomes de jurídicos ou de direito.
Amauri Mascaro Nascimento [3] elabora uma classificação mais simples, porém, bastante elucidativa, dividindo os dissídios em:
- jurídicos à quando têm por finalidade a interpretação ou aplicação de uma norma preexistente;
- de interesses à instaurado visando-se o julgamento sobre novas condições de trabalho.
Já o Tribunal Superior do Trabalho, em seu Regimento Interno, estabelece, em seu artigo 220, que os dissídios coletivos podem ser:
- de natureza econômicaà visam a constituição de novas normas e condições de trabalho.
- de natureza jurídica à são intentados a fim de que o órgão jurisdicional interprete as cláusulas de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, sentenças normativas.
- originários à quando inexistentes ou em vigor condições especiais de trabalho, decretadas em sentença normativa.
- de declaração à devem ser propostos objetivando soluções acerca de greves.
Seja qual for a classificação empregada, é certo que o dissídio coletivo de natureza econômica pode se apresentar como gênero das demais espécies. Com efeito, qualquer que seja a intervenção do Estado-Juiz na solução de um dissídio coletivo, haverá repercussão econômica, tanto para a classe operária, quanto para a empregadora.
A antiga redação do artigo 114, §2°, da Constituição Federal, exigia, para a propositura do dissídio coletivo, a tentativa prévia de negociação. O jurista Arion Sayão Romita fez alusão acerca desse dispositivo, entendendo que a tentativa de negociação prévia seria condição específica da ação, afirmando: “inexistindo prova do preenchimento desse requisito, é impossível a sentença de mérito: o suscitente é carecedor da ação e o processo se extingue sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil” [4].
Entretanto, não bastaria apenas a alegação da frustração da negociação coletiva, seria preciso comprovar tal assertiva. Esse entendimento foi regulado na Instrução Normativa n. ° 4/93, do Tribunal Superior do Trabalho, que estabelece a obrigatoriedade de se anexar à petição inicial a prova documental do insucesso da negociação.
Com o advento da novel redação trazida pela Emenda Constitucional n. ° 45, a expressão “de comum acordo” remete-nos à ideia de fragilização das categorias profissionais de empregados, uma vez que, na hipótese de frustração da convenção, negociação ou acordo coletivo, o órgão de classe só poderá recorrer aos serviços jurisdicionais se o empregador (grupo econômico) anuir com a instauração do dissídio coletivo. Vejamos:
“§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”
A redação em tela foi alvo de demasiadas críticas, tendo alguns até cogitado tratar-se de erro material (de redação) na Emenda Constitucional n. º 45. Sobre o tema, assim de posicionou Amauri M. Nascimento:
“Teria todo sentido a escolha, pelas partes, da arbitragem por proposta comum. Mas não tem nenhum sentido o processo judicial do dissídio coletivo, como tal, ajuizável somente quando as duas partes desejarem o processo, figura inexistente no direito processual contencioso. Se a natureza jurídica do dissídio coletivo é a de processo, condicioná-lo à autorização do réu, para que o processo pudesse ser movido, seria o mesmo que transferir o direito de ação do autor para o réu, portanto uma hipótese absurda e que contraria o princípio constitucional do direito de ação e inafastabilidade da jurisdição, na medida em que é óbvio que ninguém autorizará outrem a processá-lo porque, como contestante no processo, seria total a incompatibilidade entre o seu consentimento para que fosse demandado e a contestação que teria que fazer ao pleito para cuja propositura deu a sua aquiescência. ”
Infelizmente o Tribunal Superior do Trabalho se alinhou à tese de imprescindibilidade do “comum acordo”, eis que pressuposto para o ajuizamento da ação coletiva. Nesse sentido, vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. AUSÊNCIA DE COMUM ACORDO, PRESSUPOSTO ESPECÍFICO PARA AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO. A regra, ante o que dispõe o art. 114, § 2º, da Constituição Federal, é a exigência de comum acordo para instauração do dissídio coletivo. Havendo, como no caso, clara evidência de que a parte contrária se opôs à instauração da instância, força é manter a extinção do processo, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC, por ausência do requisito do comum acordo. Recurso a que se nega provimento. (RO 4343-41.2010.5.01.0000; RO 33600-57.2010.5.03.0000; RO 2867-43.2010.5.09.0000)
Mister registrar que em face da redação atual do art. 114, 2º§, foram interpostas algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. º 3392, 3423 e 3432, questionando a necessidade do “comum acordo” como requisito para a propositura do dissídio coletivo. Até o presente momento o Pretório Excelso não julgou as referidas ADI’s.
Diante desse novo panorama, deve-se otimizar ao máximo a negociação coletiva (suponho que o interesse de tal modificação tenha sido este), uma vez que, restando prejudicada, caberá aos sindicatos de trabalhadores utilizar a última “carta” que lhes sobra (deflagrar greves), uma vez que, provavelmente, os empregadores relutarão em anuir com a propositura da ação coletiva.
Como qualquer outra ação, o dissídio coletivo deve obedecer ao procedimento específico, bem como aos seus pressupostos e às suas condições, que são estabelecidas pela legislação processual.
Os requisitos formais para instauração do conflito têm previsão no inciso VI, da Instrução Normativa n. ° 4/93 do Tribunal Superior do Trabalho que dispõe acerca dos requisitos da petição inicial, a saber:
“VI - A representação para a instauração da instância judicial coletiva formulada pelos interessados será apresentada em tantas vias quantas forem as entidades suscitadas mais uma e deverá conter:
a) a designação e qualificação da(s) entidade(s) suscitante(s) e suscitada(s), sindical ou empregadora(s);
b) a indicação da delimitação territorial de representação das entidades sindicais, bem assim das categorias profissionais e econômicas envolvidas no dissídio coletivo e, ainda, do "quorum" estatutário para deliberação da assembléia;
c) exposição das causas motivadoras do conflito coletivo e/ou da greve, se houver, e indicação das pretensões coletivas, aprovadas em assembléia da categoria profissional, quando for parte entidade sindical de trabalhadores de primeiro grau, ou pelo conselho de representantes, quando for suscitante entidade sindical de segundo grau ou de grau superior;
d) a comprovação da tentativa de negociação ou das negociações realizadas e indicação das causas que impossibilitaram o êxito da composição direta do conflito coletivo;
e) a apresentação em forma clausulada de cada um dos pedidos, acompanhados de uma síntese dos fundamentos a justificá-los;
f) data e assinatura do representante, petição inicial em tantas vias quantos forem os suscitados;”
Com a alteração acima apontada, verifica-se que passa a ser pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo a concordância de ambas as partes para a instauração da demanda judicial.
Caso as partes não tenham anuído com a propositura do dissídio coletivo, extinguir-se-á o processo sem julgamento do mérito, com fundamento no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, conforme entendimento exarado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
Em relação à legitimidade, verifica-se que apenas as categorias profissionais a possuem, havendo decisões dos Tribunais Regionais no sentido de extinguir, sem julgamento de mérito, dissídios coletivos propostos por empresas. Entretanto, há exceção para que tal entidade exerça o direito de ação quando inexistente a representação por sindicato patronal (inciso IV da Instrução Normativa n. ° 4/93 do Tribunal Superior do Trabalho).
De acordo com a Lei Complementar n. ° 75, o Ministério Público do Trabalho também possui legitimidade para propor dissídio coletivo, uma vez que é órgão constitucionalmente incumbido de tutelar o interesse público e coletivo, in verbis:
“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
(...)
VIII - instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir;
IX - promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal;”
Outros dispositivos legais asseguram tal prerrogativa, como os artigos 856 e 874 da Consolidação das Leis do Trabalho, o artigo 8° da Lei de Greve (Lei n. ° 7.783/89), assim como o inciso V, da instrução normativa 4/93 do Tribunal Superior do Trabalho, vejamos:
“Art. 856 - A instância será instaurada mediante representação escrita ao Presidente do Tribunal. Poderá ser também instaurada por iniciativa do presidente, ou, ainda, a requerimento da Procuradoria da Justiça do Trabalho, sempre que ocorrer suspensão do trabalho.
(...)
Art. 874 - A revisão poderá ser promovida por iniciativa do Tribunal prolator, da Procuradoria da Justiça do Trabalho, das associações sindicais ou de empregador ou empregadores interessados no cumprimento da decisão.”
“Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.”
“V - Ocorrendo a paralisação do trabalho, pela greve, sem ajuizamento do correspondente dissídio coletivo, o Ministério Público do Trabalho poderá instaurar a instância judicial, quando a defesa da ordem jurídica ou o
interesse público assim o exigirem.”
CONCLUSÃO
Observe-se que o dissídio coletivo é um importante instrumento para solução dos conflitos trabalhistas, cujo manejo foi mitigado pela novel redação do artigo 114, 2º§ da Constituição Federal.
Face o ajuizamento de diversas ações diretas de inconstitucionalidade, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar a inconstitucionalidade da exigência do “comum acordo” como pressuposto para propositura do dissídio coletivo, dada a ofensa à inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Carta Magna).
REFERÊNCIAS
GIGLIO, Wagner D.Direito Processual do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTR, 2004.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 28 ed. São Paulo: LTr, 2002.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A questão do dissídio coletivo 'de comum acordo'. São Paulo: Revista LTr, 2006.
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Manual de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 2 ed. São Paulo: RT, 2000.
[1] Curso de direito processual do trabalho. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
[2] Direito Processual do Trabalho. GIGLIO, Wagner D. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 364.
[3] Curso de Direito Processual do Trabalho. NASCIMENTO, Amauri Mascaro Nascimento. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 635.
Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Membro da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO Sá ARAúJO THé, . Dos dissídios coletivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2014, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41731/dos-dissidios-coletivos. Acesso em: 23 dez 2024.
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