1. Introdução
Dentre os princípios que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, desempenha papel de relevo o devido processo legal como informador de toda relação jurídica de natureza processual. De origem anglo-saxônica, tal princípio encontra-se hoje expressamente consagrado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, integrando o rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão e consubstanciando um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Como corolários do devido processo legal emergem outros princípios, tais como o contraditório, a ampla defesa, a isonomia e a celeridade e razoável duração do processo, todos intimamente ligados e amplamente reconhecidos no sistema jurídico atual.
A enumeração desses princípios, contudo, ainda é variável no âmbito doutrinário.
Angélica Arruda Alvim (1994, p. 20), por exemplo, arrola entre os princípios constitucionais derivados do devido processo legal a isonomia, a inafastabilidade do controle jurisdicional (ou direito de ação), o contraditório, a ampla defesa, a proibição de prova ilícita, a publicidade dos atos processuais, a motivação das decisões judiciais, o juiz natural e a independência do magistrado. Já Nelson Nery Junior (2013, p. 111) acrescenta a esse rol o duplo grau de jurisdição, a presunção de não-culpabilidade e a celeridade e duração razoável do processo.
Nesse contexto, torna-se oportuna uma análise mais minuciosa dos princípios que compõem a garantia do devido processo legal, ou que dela decorrem. No presente estudo, a ênfase será dada, no entanto, a apenas dois desses princípios: a isonomia, por sua influência na formação do convencimento do julgador, e a celeridade e razoável duração do processo, incorporada mais recentemente na Constituição Federal com o advento da Emenda nº 45/2004.
2. A isonomia
O princípio da isonomia se manifesta no tratamento paritário dispensado às partes, a fim de que possam, em igualdade de condições, exercer seus direitos e cumprir seus deveres processuais. A Constituição Federal consagra tal princípio em seu artigo 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. A igualdade perante a lei conduz, assim, à garantia de igualdade perante o juiz, assegurando que os litigantes desfrutem das mesmas oportunidades em juízo para sustentar suas razões.
Nos dias atuais, a isonomia entre as partes é concebida como garantia não apenas formal, mas também material. Uma vez que a igualdade jurídica absoluta não consegue eliminar a desigualdade econômica, política e social, chegou-se ao conceito de igualdade substancial, que pugna pela isonomia proporcional, traduzida, basicamente, na máxima que determina a dispensa de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais.
Consoante lição de Alexandre de Moraes (2013, p. 35), “o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”. Percebe-se, com isso, a proteção a certas finalidades eleitas pelo constituinte, de modo que o princípio da isonomia somente será lesado quando o fator discriminador não estiver a serviço de tais finalidades.
De fato, embora a tarefa de equilibrar processualmente os litigantes que não se encontram em igualdade de condições seja de suma relevância para a satisfação do princípio da isonomia, apresenta também bastante complexidade na medida em que as concessões não devem suplantar o estritamente necessário para que haja o restabelecimento do equilíbrio rompido.
O princípio da igualdade, de acordo com o escólio de Alexandre de Moraes (2013, pp. 35-36), opera como um limitador em três planos distintos: ao legislador, ao intérprete e ao particular. O legislador, ao editar as leis, não poderá criar distinções abusivas, diferenciando pessoas que se encontrem em situações idênticas, sob pena de serem tidas como inconstitucionais. O intérprete (ou autoridade pública), por sua vez, deverá aplicar as normas de modo igualitário, conferindo interpretação uniforme às regras jurídicas, sem criar ou ampliar diferenças arbitrárias. Por último, o particular não poderá agir de forma discriminatória ou preconceituosa; caso contrário, poderá sofrer responsabilização nas esferas cível e criminal.
Nessa perspectiva, infere-se que o princípio constitucional da isonomia simboliza a garantia fundamental da igualdade jurídica, da qual decorre o direito de defesa, essencial ao caráter dialético do processo.
3. A razoável e célere duração processual
A Emenda Constitucional nº 45/2004 – popularmente conhecida como “Reforma do Judiciário” –, ao incluir o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal, assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Tais garantias vieram complementar e dotar de maior eficácia outros postulados constitucionais já previstos, como o direito de petição aos poderes públicos, a inafastabilidade da jurisdição, o contraditório, a ampla defesa e, especialmente, o devido processo legal (PAULO e ALEXANDRINO, 2007, p. 187).
O princípio da duração razoável possui dupla função: a primeira, referente ao tempo do processo em sentido estrito, ou seja, desde o seu início até o seu término, que ocorre com o trânsito em julgado (judicial ou administrativo), incluído nesse tempo, portanto, a fase recursal; a segunda, relativa à adoção de meios alternativos de resolução de conflitos, visando, com isso, aliviar a carga de trabalho do Judiciário e, por conseguinte, contribuir para a redução do tempo médio de duração dos processos (NERY JUNIOR, 2013, p. 329).
A preocupação exclusiva com a celeridade do processo, entretanto, é refutada diante da exigência concomitante de razoabilidade em sua duração, também expressa no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Como esclarece André Ramos Tavares (2013, p. 597), “o processo deverá durar o mínimo, mas também todo o tempo necessário para que não haja violação da qualidade na prestação jurisdicional”.
Comungando desse entendimento, Alexandre de Moraes (2013, p. 111) enfatiza que “Os processos administrativos e judiciais devem garantir todos os direitos às partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratização de seus procedimentos e na busca de qualidade e máxima eficácia de suas decisões”.
Para aferição da razoabilidade na duração do processo, Nelson Nery Junior (2013, p. 330), por seu turno, propõe a adoção dos seguintes critérios: natureza e complexidade da causa; conduta das partes e de seus procuradores; atividade e comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; e, por fim, fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Desse modo, percebe-se a importância na adoção de critérios objetivos visando assegurar que a duração dos processos judiciais e administrativos, em cada caso concreto, observe não apenas o ditame da celeridade, mas também o da razoabilidade, conforme consagrado pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Com isso, tende-se a potencializar, em última instância, a eficácia de outros princípios constitucionais, como o do devido processo legal.
4. Considerações finais
No atual estágio de evolução do ordenamento jurídico brasileiro, identifica-se um conjunto mínimo de garantias representadas pelo devido processo legal. Esse princípio, alçado ao nível constitucional desde 1988, quando passou a integrar o rol de direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição, constitui um dos pilares da relação jurídica, estabelecendo as garantias constitucionais do processo.
Diante da relevância atribuída ao devido processo legal no sistema jurídico atual, grande parte da doutrina reconhece a essa cláusula a condição de matriz de todos os demais princípios e regras constitucionais. Nessa linha, entre outros princípios considerados dela decorrentes, sobressaem a isonomia e a duração célere e razoável do processo como garantias intrínsecas nas esferas judicial e administrativa.
5. Referências bibliográficas
ALVIM, Angélica Arruda. Princípios constitucionais do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, vol. 74, abril 1994.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 1ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEZZOMO, Renato Ismael Ferreira. Isonomia e duração razoável do processo à luz do devido processo legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41924/isonomia-e-duracao-razoavel-do-processo-a-luz-do-devido-processo-legal. Acesso em: 23 dez 2024.
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