Fazenda Pública é um termo tradicionalmente atrelado à faceta da Administração Pública responsável pelas finanças do Estado e pelo estabelecimento e realização das políticas econômicas (tal assertiva fica evidente ao se observar as atribuições do Ministério da Fazenda).
Todavia, o termo acabou criando uma variação para designar a atuação do Estado em Juízo. O Código de Processo Civil de 1939 já se utilizava da expressão com essa acepção.
Leonardo Carneiro da Cunha observa que a despeito da origem do termo, atualmente a expressão Fazenda Pública é utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira.
O termo abrange a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios, assim como as respectivas fundações e autarquias (inclusive as agências, cuja natureza jurídica é de autarquias especiais). Não se inserem no conceito, todavia, as empresas públicas e tampouco as sociedades de economia mista, na medida em que possuem personalidade jurídica de direito privado.
O Estado estrangeiro, não goza é considerado Fazenda Pública, não possuindo as prerrogativas destinadas a esta quando em Juízo.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça ao se deparar com a questão, decidiu que:
(...) Com efeito, o princípio da igualdade entre Estados é acolhido na Carta Política do Brasil. Todavia a sua aplicabilidade restringe-se à vida internacional das soberanias estatais (...). De modo diverso, se uma legislação nacional, em particular, concede privilégios de ordem processual interna a entidades públicas domésticas, não se pode falar da extensão do benefício a entes externos. A igualdade entre Estados, no caso, é desinfluente porque o prazo privilegiado não é verificável nem em tratado, nem em costume internacional, apenas em ordenamento jurídico interno. E é nesse regramento que se devem pautar as relações processuais domésticas[1]. |
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O mesmo Tribunal Superior já decidiu que a Câmara Municipal, a Assembléia Legislativa e o Congresso Nacional estão abrangidos no termo Fazenda Pública, gozando da prerrogativa de prazo diferenciado, nos termos que seguem:
(...) o termo "Fazenda Pública", empregado no art. 188 do CPC, que confere-lhe o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, diz respeito a qualquer das entidades que compõem o poder público, abrangendo, não só o Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário, na esfera municipal, estadual ou federal[2]. (...)
Questão peculiar é ostentada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Isso porque a despeito de se tratar de uma empresa pública, o artigo 12 do diploma legal que a criou (Decreto-Lei n° 509/1969) prescreve que A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.
Ao se depararem com a questão, tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o Supremo Tribunal Federal entenderam recepcionado o artigo 12 do Decreto-Lei n° 509/1969 e que diante do fato de a EBCT desenvolver serviço público da União se encontra inserida no conceito de Fazenda Pública.
A legislação processual estabelece algumas prerrogativas que se verificam quando da atuação da Fazenda Pública em Juízo, como o prazo diferenciado, isenção ou cobrança postergada de custas processuais, duplo grau de jurisdição necessário, juízo privativo, rito de execução diferenciado (tanto quando atua como exeqüente, quanto como figura na qualidade de executado), obrigatoriedade da citação/intimação pessoal ocorrer pessoalmente, restrição à concessão de liminares e à antecipação dos efeitos da tutela, dispensa de depósito nas ações rescisórias, não verificação dos efeitos da revelia, entre outros.
Há quem afirme que no contexto da atual Constituição da República, mais do que prerrogativas, o tratamento peculiar dispensado processualmente à Fazenda Pública caracterizar-se-ia como privilégio por ferir o princípio da isonomia, não se coadunando com a prestação jurisdicional que deve ser efetiva e não meramente declaratória ou reparatória. Nesse sentido, se destaca Cássio Scarpinella Bueno.
Todavia, a despeito das respeitosas opiniões em contrário, as prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública, longe de ferir o princípio da isonomia, acabam justamente por lhe dar aplicação. Como bem sintetiza Leonardo da Cunha Carneiro, O princípio da igualdade, longe de pretender conferir tratamento substancialmente idêntico a todas as pessoas, entes, sujeitos e organismos, leva em conta as diversidades de cada um[3].
Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta a existência de três questões a serem respondidas na análise acerca da ocorrência de quebra do princípio da isonomia nas situações em que há alguma forma de diferenciação. Leciona que tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional[4].
A razão que justifica a concessão de prerrogativas processuais à Fazenda Pública advém de seu regime jurídico-administrativo, que segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro é expressão reservada tão somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa[5].
A supremacia do interesse público sobre o privado é reputado por Celso Antonio Bandeira de Mello como verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Entende ser este uma das pedras de toque do Direito Administrativo, ao lado da indisponibilidade do interesse público. Do reconhecimento da supremacia do interesse público sobre o privado decorrem duas consequências: (i) posição privilegiada do órgão encarregado de zelar pelo interesse público e de exprimi-lo, nas relações com os particulares e (ii) posição de supremacia do órgão nas mesmas relações[6].
Outro fator que justifica as prerrogativas concedidas é que as condições de atuação da Fazenda Pública em juízo não são as mesmas quando comparadas as de um particular.
Pode-se citar a burocracia inerente ao serviço público, o que torna mais dificultosa o acesso aos subsídios, documentos, fatos, elementos e dados da causa, além do notório volume de trabalho que enfrentam as procuradorias que realizam a defesa do estado em juízo como justificativa para a concessão de prazos diferenciados.
Além disso, a questão da dispensa ou postergação de preparo ou de pagamentos, sejam de custas processuais, honorários periciais ou de qualquer outra verba devida no curso processo, decorre do procedimento específico que a Administração necessita se submeter para realizar pagamentos, cujo tempo de tramitação não coaduna com os prazos processuais para depósito de tais valores, que desta forma inviabilizariam a participação da Fazendo em Juízo de forma efetiva.
A questão da existência de juízos privativos, não se trata na verdade de privilégio, mas de mera questão de especialização do trabalho do Judiciário, objetivando respaldar o princípio da eficiência, verificando-se não apenas no caso de a Fazenda Pública ser parte no processo, mas ocorrendo também em razão da matéria (com a existência de Varas Cíveis, Criminais, de Família, do Trabalho, entre outras).
O fato de a Fazenda Pública ter rito próprio de execução quando figura no pólo passivo da execução também esta ligado à questão da necessidade de submeter-se a procedimento especial, constitucionalmente previsto, para pagar suas obrigações pecuniárias. Com efeito, não haveria como submeter a Fazenda Pública ao procedimento de execução comum previsto pelo artigo 475-J do Código de Processo Civil quando o valor devido deve ser pago, por imposição constitucional, repita-se, mediante Precatório Judicial ou, quando menos, por Requisição de Pequeno Valor, cujos prazos não se coadunam com aqueles impostos aos particular e cuja expedição somente pode ocorrer quando não mais houverem dúvidas acerca do montante efetivamente devido, razão pela qual se justifica o fato de os embargos opostos pela Fazenda possuir efeito suspensivo, ao contrário do que usualmente ocorre com os embargos opostos à execução comum, bem como o fato de não ser cabível execução provisória em face do poder público.
Dessa maneira, verifica-se que as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública fundam-se em valores que respeitam o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade e objetivam compatibilizar o rito judicial a procedimentos impostos à Administração Pública, bem como a atribuir situação de igualdade entre o particular e a Administração, que se figura em desvantagem em relação àquele na defesa de seus interesses em Juízo.
Referências Bibliográficas
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. Malheiros Editores: São Paulo, 2008.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 16ª tiragem. Malheiros Editores: São Paulo, 2008.
BUENO. Cassio Scarpinella, O Poder Público em Juízo, 4ª. ed., São Paulo: Editora
Saraiva. 2008.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª edição. São Paulo : Dialética, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. Atlas : São Paulo, 2004.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Agravo de Instrumento n° 297.723/SP. Relator: Min. Antonio de Padua Ribeiro. Orgão Julgador: Terceira Turma. Julgamento: 08/06/2000.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n° 5.096/RJ. Relator: Min. Eliana Calmon. Orgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 14/09/2004.
[3] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª edição. São Paulo : Dialética, 2008. p. 30.
[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. 16ª tiragem. Malheiros Editores: São Paulo, 2008. pp. 21/22.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. Atlas : São Paulo, 2004. p. 64.
[6] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. Malheiros Editores: São Paulo, 2008. pp. 69/70.
Procurador Federal - AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GIANNINI, Marcelo Henrique. Da legitimidade da concessão de prerrogativas processuais à Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41934/da-legitimidade-da-concessao-de-prerrogativas-processuais-a-fazenda-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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