1. CONCEITO GERAL
O instituto da deserdação se apresenta no ordenamento jurídico pátrio como ato de vontade exclusivo do autor da herança exarado somente por meio de testamento e que venha a excluir herdeiro necessário da legítima, pelo fato de ele ter praticado atos ilícitos, expressamente arrolados em lei de maneira taxativa, contra o próprio autor da herança ou pessoas próximas a ele. Ainda que a deserdação ocorra somente se houver vontade juridicamente válida do autor da herança, por se tratar de penalidade que alija herdeiro necessário da legítima, que é prevista em lei como norma cogente, ou seja, de ordem pública, somente se o herdeiro incorrer em atos expressamente previstos em lei é que poderá ocorrer tal exclusão.
Ainda que o autor da herança seja o dono de todo o patrimônio a ser herdado, muitas vezes tendo ele o construído sem qualquer concurso de terceiros, a exclusão somente é legítima, e portanto válida, se forem observadas as hipóteses legais, que devem ser comprovadas em ação própria. Somente a lei em sentido estrito, ou seja, lei civil ordinária, que poderá estipular as hipóteses de incidência em que ocorrerá a exclusão via deserdação.
O artigo 1.850 do Código Civil prescreve os casos de exclusão dos demais herdeiros legítimos, mas não necessários, referente ao processo sucessório, que restou vazado nos seguintes termos:
“Art. 1.850. Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.”
Nesse caso não há falar em deserdação, que é considerada pena, o que há é uma exclusão volitiva dos herdeiros legítimos que não se apresentam diante do ordenamento jurídico como herdeiros necessários.
Questão importante ocorre no bojo do enunciado do artigo 1.845, que estabelece o rol de herdeiros necessários sendo os descendentes, ascendentes e o cônjuge, não havendo qualquer alusão ao companheiro. Em que pese a lacuna legislativa, a jurisprudência admite o companheiro como herdeiro necessário, caso haja comprovação de inexistência de impedimento de transformação da união em casamento.
2. DA EFETIVAÇÃO DA EXCLUSÃO
O instituto da deserdação ocorre por meio de vontade expressa pelo autor da herança, em sede da confecção de seu testamento, declarando expressamente a causa pela qual se dá a exclusão do herdeiro do processo sucessório. Ainda que haja a justificativa mais plausível possível, não é juridicamente válida a deserdação por meio de escritura pública, por exemplo, ou mesmo por escrito particular.
A efetiva exclusão do deserdado ocorre por meio de ajuizamento de ação própria, na qual o herdeiro instituído que esteja na ordem de chamamento da sucessão comprove a causa justificadora da exclusão. Importante ressaltar que não basta o interessado comprovar a veracidade da causa invocada pelo autor da herança, deverá ele ainda demonstrar que os atos praticados pelo herdeiro a ser excluído se subsumem ao rol taxativo de causas ensejadoras da exclusão.
A sentença que exclui o herdeiro necessário por se considerado indigno é declaratória, e somente depois de transitada em julgado opera de fato sua exclusão. Vale ressaltar que o parágrafo único do artigo 1.965 do Código Civil outorga prazo de quatro anos, a contar da abertura da sucessão, para o ajuizamento da ação de deserdação, sob pena de decadência do direito.
O ônus da prova cabe ao herdeiro interessado na exclusão, sendo que, não comprovada a justa causa, resta nula a disposição testamentária, ou seja, não produz quaisquer efeitos, recebendo o herdeiro necessário sua legítima.
3. DAS CAUSAS DA DESERDAÇÃO
Como já dito alhures, as causas da deserdação são arroladas em lei civil de maneira taxativa e se encontram nos artigos 1.814 e 1.962 do Código Civil, na deserdação dos descendentes por seus ascendentes. Considerando a taxatividade das causas, colaciona-se os referidos artigos:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Já o artigo 1.963 do Codex invoca também o artigo 1.814 e arrola as justificadoras a ensejar a deserdação dos ascendentes pelos descendentes. Percebe-se que as causas são praticamente idênticas, sendo alteradas somente as duas últimas, onde a lei prevê as relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou neta, assim como o desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.
4. DOS EFETOS DA DESERDAÇÃO
Assim como na indignidade, os efeitos da deserdação são pessoais, ou seja, não se estendem aos filhos do indigno. A doutrina majoritária não deixa qualquer dúvida acerca dos limites pessoais da pena, entretanto, o imortal Washington de Barros Monteiro (1998) discorda da doutrina, uma vez que a regra contida no instituto da indignidade (art. 1.816, caput e parágrafo único) não se repete na deserdação.
Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.
Parágrafo único. O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens.
Logo, conclui o renomado autor, não havendo dispositivo expresso sobre os efeitos da indignidade, cabe sua aplicação mais ampla. Por outro lado Sílvio de Salvo Venosa (2003) nos ensina que:
“da mesma forma que a indignidade, a deserdação é pena. A punição não pode passar da pessoa do culpado. Seus efeitos só podem ser pessoais. Destarte, inelutavelmente se aplica o disposto pelo art. 1.816, colocado no capítulo da indignidade.”
A nossa opinião sobre o assunto é de que somente um dispositivo expresso em lei poderia ampliar os efeitos da condenação para além da pessoa do culpado (e ainda assim sua constitucionalidade seria discutível). O simples fato de não haver lei restringindo o efeito da pena não autoriza o aplicador do Direito em estender culpa a quem não é culpado. Ademais, o legislador utilizou a expressão “excluído”, e não indigno ou deserdado, o que revela sua vontade de tratar dos efeitos da exclusão de maneira conjunta, tanto a exclusão pela indignidade quanto pela deserdação, desde que baseadas em atos ilícitos taxativamente arrolados em lei.
Dessa forma, uma vez aberta a sucessão, o herdeiro necessário é chamado a recolher sua herança, vigendo o princípio da saisine, ou seja, não há bens sem titulares, sendo que após a abertura do testamento, será conhecida disposição testamentária de exclusão do processo sucessório por deserdação, sendo que qualquer disposição onerosa a terceiros de boa-fé prevalecerá como válida.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1989
GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1997
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva. 1998.
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1957.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito das Sucessões. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Pós-Graduado em Direito pela Universidade Anhanguera-Uniderp<br>Procurador Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SECCO, Henrique de Melo. Da deserdação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41994/da-deserdacao. Acesso em: 22 dez 2024.
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