Resumo:Princípios: Espécie de normas que consagram valores e servem de fundamento para todo o ordenamento jurídico.O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio capaz de conferir unidade valorativa e sistemática ao Direito Civil, enunciado pelas Constituições contemporâneas. Dignidade da pessoa humana foi elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, colocando a pessoa como o centro do sistema jurídico, havendo uma inversão de paradigmas, ou seja, de uma ordem patrimonialista passou-se a uma ordem personalista.
Palavras-chaves:Princípios. Regras. Normas. Dignidade da Pessoa Humana. Constituição Federal de 1988.
Introdução
Os princípios flexibilizam a ordem jurídica estática, que possui os códigos como seus representantes, os quais não acompanham as mudanças ocorridas na sociedade. Segundo Gustavo NEVES,
Os autores que trabalham na linha do direito civil-constitucional se servem da teoria dos princípios como forma de se desenredar da malha firme dos Códigos e da legislação arcaica. Ao fazerem referência à Constituição, fazem referência também aos princípios, apesar de toda interpretação constitucional corretamente situada ser uma interpretação principiológica.[1]
Primeiramente, para se entender a sistemática proposta, necessário distinguir normas, princípios e regras. Posteriormente, será analisado o conceito de princípios fundamentais para se compreender o conceito do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988.
Por fim, será aborado o tema relativo à dignidade da pessoa humana, que foi elevado à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, colocando a pessoa como o centro do sistema jurídico, havendo uma inversão de paradigmas, ou seja, de uma ordem patrimonialista passou-se a uma ordem personalista.
1.1 Distinção entre normas, regras e princípios
Os princípios, acima de tudo, têm a nobre função de informar não só a própria Constituição, como impregnar, de maneira contundente, as normas infraconstitucionais, bem como todo o atuar dos juristas. São eles que dão consistência ao sistema constitucional, havendo íntima conexão com os valores consagrados pela estrutura jurídica.[2]
Regras e princípios são duas espécies de normas, sendo estas ‘gênero’ de duas ‘espécies’. A distinção entre regras e princípios é a distinção entre duas espécies de normas.
“As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.”[3]
A recíproca influência entre os aspectos sociais, econômicos, políticos incide, às vezes profundamente, sobre a ordem normativa e vice-versa. A norma sempre é fruto de demandas, de necessidades, de impulsos já existentes na sociedade. O direito, com seus instrumentos, torna possível a transformação social.[4]
Em palavras de André TAVARES, “princípios são normas que consagram valores que servem de fundamento para todo o ordenamento jurídico e se irradiam sobre este para transformá-lo em verdadeiro sistema, conferindo-lhe a necessária harmonia. Não seria exagero dizer que ‘os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores.’”[5] [grifo nosso]
Segundo CANOTILHO[6], citado por José Afonso da SILVA (1992, p. 85), os princípios constitucionais são basicamente de duas categorias:
a) Princípios políticos–constitucionais: constituem-se de decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. Segundo Carl Shmitt, são decisões políticas fundamentais sobre a particular forma de existência política da nação.
b) Princípios jurídicos-constitucionais: princípios gerais informadores da ordem jurídica nacional, decorrentes de certas normas constitucionais e muitas vezes são desdobramentos dos princípios fundamentais ou princípios derivados. Ex: princípio da isonomia, princípio da autonomia individual decorrentes da declaração dos direitos.
Os princípios servem para informar a atividade do interprete para que a Magna Carta não seja ferida, fazendo emergir dela a norma a ser aplicada.
1.2 Princípios fundamentais
Os princípios fundamentais, no ordenamento constitucional brasileiro, desempenham papel de singular importância.
Os princípios constitucionais são de natureza variada. CANOTILHO e MOREIRA[7], citados por José Afonso da SILVA (1992, p. 86), dizem que os “princípios fundamentais visam essencialmente definir e caracterizar a colectividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-constitucionais.”
José Afonso da Silva conclui a idéia dos autores acima citados, dizendo que:
Relevam a sua importância capital no contexto da constituição e observam que os artigos que os consagram ´constituem por assim dizer a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais [grifo nosso], que àquelas podem ser directa ou indirectamente reconduzidas.[8]
Nesse contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado um princípio fundamental, na medida em que é o vetor de interpretação da Constituição, como será demonstrado.Ainda, a dignidade da pessoa humanafoi elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, o que enseja uma releitura dos intitutos de direito privado até então existentes.
1.3 Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição Federal de 1988
Profundas mudanças dentro da ordem civil vêm ocorrendo desde meados do século XX. Substituiu-se à tutela da liberdade individual (autonomia privada) para a proteção da pessoa humana, dentro de uma nova consciência social e jurídica. Os institutos de Direito Privado estão a espera de redefinição dos seus principais institutos jurídicos. “Para a adequada e coerente reconstrução do sistema, impõe-se ao civilista o desafio de restabelecer o primado da pessoa humana em cada elaboração dogmática – em cada interpretação e aplicação normativas.”[9]
Passou-se do direito moderno, do final do século XIX, para o direito pós-moderno, devido as grandes transformações dos institutos jurídicos ao longo do século XX. O mundo da segurança transformou-se no mundo da incerteza; a ética da autonomia ou da liberdade passou a ser a ética da responsabilidade ou da solidariedade e a tutela da liberdade (autonomia) cedeu lugar a proteção da dignidade da pessoa humana.[10]
“O Estado moderno não é mais caracterizado por uma relação entre cidadão e Estado, onde um é subordinado ao poder, à soberania e, por vezes, ao arbítrio do outro, mas por um compromisso constitucionalmente garantido de realizar o interesse de cada pessoa.”[11]
A proteção à dignidade da pessoa foi elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, colocando a pessoa como o centro do sistema jurídico, havendo uma inversão de paradigmas, ou seja, de uma ordem patrimonialista passou-se a uma ordem personalista. Segundo Maria Celina de Moraes:
O princípio constitucional visa garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não-degradante, e não conduz exclusivamente ao oferecimento de garantias à integridade física do ser humano. Dado o caráter normativo dos princípios constitucionais, princípios que contêm os valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, isto vem a significar a completa transformação do Direito Civil, de um Direito que não mais encontra nos valores individualistas codificados o seu fundamento axiológico.[12]
O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio capaz de conferir unidade valorativa e sistemática ao Direito Civil, enunciado pelas Constituições contemporâneas.[13] Assim, não há mais como se analisar qualquer instituto jurídico sem antes conhecer o centro do ordenamento jurídico: a pessoa humana e, consequentemente, a sua dignidade. “...é na dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apoia e se constitui.”[14]
O respeito devido à pessoa humana e a sua dignidade deve colocá-la ao abrigo de tratamentos desumanos ou degradantes. O estado deve dispor de meios que assegurem o bem estar de seus cidadãos e os meios de subsistência necessários. O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser a base e fundamento do Estado Democrático de Direito.
Esse princípio é um ‘filtro interpretativo’, norma-valor de interpretação, essencial para o ordenamento. Os demais direitos devem ser interpretados à luz desse princípio. É o centro dos demais direitos fundamentais essenciais que asseguram uma vida digna ao indivíduo e a coletividade.
Por fim, ressalta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais elementar, orienta toda a ordem constitucional e infraconstitucional. Trata-se de um princípio anterior a tudo, condiciona o Estado Democrático de Direito, o qual alicerça-se sobre esse princípio.
Considerações finais
Da promulgação da Constituição de 1988, fruto da transformação do Estado Ditatorial em Estado Democrático de Direito, até os tempos atuais, verificou-se um progressivo avanço na tentativa de se estabelecer o ser humano como o centro do ordenamento, bem como a existência do Estado em razão dele.
Assim, cabe ao interprete, no momento da concretização da norma, afirmar a incidência desse princípio, vinculando as demais normas do ordenamento ao passar pelas relações concretas. Isso reforça a ideia de que o primado da Pessoa Humana é noção que impregna todo o ordenamento jurídico.
No contexto da nova ordem constitucional, os institutos de direito privado foram redefinidos, abandonando-se o enfoque meramente patrimonial dos direitos, passando o ser humano a ser o centro do ordenamento jurídico.
Referências Bibliográficas
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[1] NEVES, Gustavo Kloh Muller. Os princípios entre a teoria geral do direito e o Direito Civil Constitucional. In: BARBOSA, Heloisa Helena; FACHIN, Luiz Edson; et al.Diálogos sobre Direito Civil: Construindo a Racionalidade Contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 14.
[2] SILVA, Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da. Conceito Constitucional de Dano Moral: o desrespeito pela dignidade humana. Tese não publicada, PUC, São Paulo:2002, p. 39.
[3]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 85.
[4]PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
p.02-03.
[5] TAVARES, André Ramos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Vol. 34. jan/março de 201, p. 111.
[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Ed., 1983.
[7] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. 2. ed., v. 1, Coimbra: Coimbra Ed., 1984.
[8]SILVA, J. A., p. 86.
[9]MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 73-74.
[10]MORAES, M.C.B., p. 72.
[11] PERLINGIERI, p. 54.
[12] MORAES, M.C.B., p. 74.
[13] Ibid., p. 75.
[14] Ibid., p. 66-68.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. A Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana e a redefinição dos institutos de direito privado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42022/a-constituicao-federal-de-1988-o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-a-redefinicao-dos-institutos-de-direito-privado. Acesso em: 23 dez 2024.
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