Até a vigência da Lei nº 12.772/2012 – o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal –, desde que observados certos requisitos estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União, não havia dúvidas quanto à viabilidade jurídica do instituto do aproveitamento de candidatos oriundos de concursos outros, que não os promovidos pela própria Instituição Federal de Ensino.
Porém, após sua entrada em vigor, surgiram dúvidas quanto à manutenção desta faculdade, ante a perda deaplicabilidade da previsão normativa tida por alguns como fundamento para tal prática. Isso ocorreu por força do art. 37 do aludido diploma, cujo teor é o seguinte:
“Art. 37. Aos servidores de que trata esta Lei, pertencentes ao Plano deCarreiras e Cargos de Magistério Federal, não se aplicam as disposiçõesdo Decreto nº 94.664, de 23 de julho de 1987.”
O Decreto 94.664/87, afastado pelo citado dispositivo, trazia em seu art. 67 uma previsão expressa, possibilitando às Instituições Federais de Ensino a admissão de candidatos habilitados em concursos públicos promovidos por outros órgãos ou entidades públicas federais, como se pode constatar:
“Art. 67. Os concursos públicos, destinados a recrutar servidores para ingresso no Plano Único, serão organizados e realizados pela IFE, que poderá admitir candidatos habilitados em concursos públicos promovidos por outros órgãos ou entidades públicas federais.”
A questão a ser analisada na presente abordagem cinge-se a saber se a superveniente inaplicabilidade do art. 67 do Anexo do Decreto nº 94.664/87 aos integrantes do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal teve o condão de, por si só, vedar o aproveitamento de candidatos aprovados em concursos para a esta carreira.
Noutras palavras, verificar se, de fato, o fundamento normativo que vinha sendo utilizado para o aproveitamento era o art. 67 do Anexo do Decreto 94.664/87.
E a resposta, como será demonstrado a seguir, é negativa.
O aproveitamento de candidatos aprovados em concursos promovidos por instituições diversas é amparado por uma construção jurídica voltada a interpretar o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal (princípio do concurso público), em conjunto com outros princípios, tais como da isonomia, publicidade, eficiência e supremacia do interesse público.
Segundo esse raciocínio, amplamente acolhido pela Administração Pública, a Constituição e a Lei nº 8.112/90 (art. 10) limitam-se a exigir que o concurso para o cargo seja público e prévio à admissão do servidor, sem estabelecerem vinculação expressa do concurso e do cargo com determinado órgão.
Assim, observadas certas precauções voltadas a impedir a deturpação do certame, a exemplo da identidade de atribuições, competências, requisitos de habilitação acadêmica, ordem de classificação, validade, entre outros, não haveria óbice legal à adoção desse procedimento.
Ainda que o foco da presente análise não esteja nas demais balizas impostas pelos órgãos de controle, é de se notar que encontram respaldo no já mencionado arcabouço jurídico, notadamente no inciso II do art. 37 da Carta Magna e nos arts. 10 e 12 da Lei nº 8.112, cuja redação vale transcrever:
CF/88
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração
Lei nº 8.112/90
Art. 10. A nomeação para cargo de carreira ou cargo isolado de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua validade.
Parágrafo único. Os demais requisitos para o ingresso e o desenvolvimento do servidor na carreira, mediante promoção, serão estabelecidos pela lei que fixar as diretrizes do sistema de carreira na Administração Pública Federal e seus regulamentos.
(...)
Art. 12. O concurso público terá validade de até 2 (dois) anos, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período.
§ 1º O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital, que será publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação.
§ 2º Não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado.
O fato é que não só as carreias das Instituições Federais de Ensino, mas diversas outras, pertencentes inclusive aos demais poderes da União, valem-se de tais preceitos para a realização do aproveitamento de candidatos em certames diversos.
E, com base no raciocínio externado, prescindem de uma autorização prevista em lei específica para tanto, porquanto suficientemente respaldadas pelos dispositivos acima transcritos.
Afora tal autorização legal de cunho geral, é pacífico o entendimento de que outra previsão de caráter autorizativo necessária à realização do aproveitamento resume-se a não mais do que a expressa previsão no edital regulador do certame do qual se busca aproveitar candidatos.
Nesse sentido podem ser citados pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas da União e do Conselho Nacional de Justiça:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ANULAÇÃO DE NOMEAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO PARA OFICIAL DE JUSTIÇA PARA PROVIMENTO DE VAGA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO ESTADO DO MARANHÃO. NOMEAÇÃO NOS QUADROS DA JUSTIÇA DE 1º GRAU. DIFERENÇA DE QUADROS NO TOCANTE AO TRIBUNAL E A JUSTIÇA DE 1º GRAU. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL SOBRE O APROVEITAMENTO DE LISTA DE CANDIDATOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE, DA ISONOMIA E DA IMPESSOALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.
I – Não é possível a nomeação de candidato em quadro diverso do qual foi aprovado, ainda que os cargos tenham a mesma nomenclatura, atribuições iguais, e idêntica remuneração, quando inexiste essa previsão no edital do concurso.
II – A falta de previsão no edital sobre a possibilidade de aproveitamento de candidato aprovado em certame destinado a prover vagas para quadro diverso do que prestou o concurso viola o princípio da publicidade, norteador de todo concurso público, bem como o da impessoalidade e o da isonomia.
III – Segurança denegada. (STF – MS 26.294, Rel. Ministro Ricardo Lewandowiski, Plenário – DJE 15.2.2012)
Consulta formulada por parlamentar. Legalidade do aproveitamento de cargos por candidatos aprovados em concurso público realizado por entidade diferente daquela a quem pertencem os cargos a serem providos, especialmente se as atividades a serem desenvolvidas são semelhantes, e, se tal aproveitamento pode ser feito dentro do mesmo poder, independente de edital próprio. Conhecimento. Legalidade. Arquivamento. - Entendimento já firmado pelo Tribunal sobre o assunto. (TCU - Decisão 212/98, Processo nº TC 000.262/98-6, Rel. Ministro Marcos Vinicios Vilaça, Plenário, DOU 11.5.1998)
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO/PE. REAPROVEITAMENTO DE CANDIDATOS APROVADOS NO CONCURSO PÚBLICO DESTINADO À FORMAÇÃO DE CADASTRO RESERVA DO QUADRO DO TRF DA 5ª REGIÃO/PE. REDISTRIBUIÇÃO DE VAGAS ENTRE OS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO. LEGALIDADE. RESOLUÇÃO CNJ Nº 146/2012. PRECEDENTES DO STF. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE COM A MANUTENÇÃO DOS ATOS IMPUGNADOS.
1. Consoante entendimento pacificado no TCU, para que ocorra o aproveitamento deve haver: a) identidade do Poder para o qual os cargos se destinam; b) identidade na nomenclatura, descrição, atribuições, competências, direitos e deveres dos cargos envolvidos no reaproveitamento; c) identidade nos requisitos de habilitação acadêmica e profissional dos cargos a serem reaproveitados; d) observância da ordem de classificação, da finalidade ou destinação prevista no edital; e) exercício do cargo reaproveitado na mesma região geográfica para a qual se destinou o certame; f) previsão expressa no edital do concurso respectivo de que poderá haver o reaproveitamento do candidato em outro órgão, para cargo idêntico.
2. O Edital do certame do TRF da 5ª Região prevê expressamente a possibilidade de eventual cessão de candidatos aprovados no referido concurso para ocupar vagas em outros órgãos do Poder Judiciário.
(...)
5. Ausência de ilegalidade no procedimento de reaproveitamento de candidatos adotado pelos Tribunais envolvidos. Manifestação favorável do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
6. Legalidade da redistribuição por reciprocidade dos cargos ocupados e vagos, ocorrida entre os órgãos da Justiça do Trabalho.
7. Precedente do STF – MS 26.294/DF.
8. Procedimento de Controle Administrativo que se conhece e que se julga improcedente. (Procedimento de Controle Administrativo nº 0000359-57.2012.2.00.0000, Relator para o Acórdão Conselheiro Gilberto Martins)
Diante deste cenário, é forçoso concluir que não era o art. 67 do Anexo do Decreto nº 94.664/87 o fundamento normativo apto a viabilizar o aproveitamento de candidatos da carreira docente no período anterior à publicação da Lei nº 12.772/2012.
Finalmente, cumpre ressaltar que o citado art. 67 fazia parte do rol das disposições transitórias do antigo Plano Único.
Na verdade, tivesse sido essa a base legal para tal prática no âmbito das IFES, neste caso, sim, poder-se-ia cogitar de fragilidade jurídica no aproveitamento.
Afinal careceria de plausibilidade a invocação de uma previsão legal dessa natureza a respaldar a prática de atos administrativos após o decurso de mais de vinte anos. Configuraria um típico desvirtuamento da transitoriedade da norma.
Diante do exposto a conclusão a que se chega é a de que a superveniente inaplicabilidade do art. 67 do Anexo do Decreto nº 94.664/87 aos integrantes do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal não teve o condão de, por si só, vedar o aproveitamento, nesta carreira, de candidatos aprovados em concursos promovidos por outras instituições.
Pode-se afirmar, ainda, que, em verdade, as Instituições Federais de Ensino não necessitam de uma autorização prevista em lei específicapara a realização do aproveitamento de candidatos provenientes de outros certames.
Devem, contudo, respeitar as balizas fixadas pelos órgãos de controle, tais quais o aproveitamento de candidatos aprovados em concursos de um mesmo Poder; a identidade de cargos, com iguais denominação e descrição e que envolvam as mesmas atribuições, competências, direitos e deveres; a exigência dos mesmos requisitos de habilitação acadêmica e profissional; a observância da ordem de classificação e a finalidade ou destinação prevista no edital; e a existência de previsão expressano edital da possibilidade de aproveitamento.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. A questão do aproveitamento de candidatos provenientes de outros certames no âmbito do novo plano de carreira do magistério federal - Lei nº 12.772/2012 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42026/a-questao-do-aproveitamento-de-candidatos-provenientes-de-outros-certames-no-ambito-do-novo-plano-de-carreira-do-magisterio-federal-lei-no-12-772-2012. Acesso em: 23 dez 2024.
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