No presente estudo abordaremos as prerrogativas da Fazenda Pública contidas no Código de Processo Civil de 1973, e as alterações previstas no Projeto do Novo Código Instrumental (PL n. º 8.046/2010).
Fazenda Pública é expressão empregada na identificação das pessoas jurídicas de direito público, que compreendem a Administração Direta, ou seja, os órgãos integrantes da federação (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios), e a Administração Indireta, aí incluídas apenas as Autarquias e Fundações Públicas. As empresas públicas e sociedades de economia mista não estão abrangidas no conceito de Fazenda Pública, haja vista que detêm a natureza de pessoa jurídica de direito privado.
Visando à proteção do interesse público, bem como à observância do princípio da igualdade material, o legislador pátrio atribuiu à Fazenda Pública algumas prerrogativas processuais (que não se confundem com privilégios).
Ressaltar que o princípio da igualdade é corolário indissociável do conceito do devido processo legal (due process of law), e tem base no conceito aristotélico de igualdade, que preleciona tratar os iguais da mesma forma, e desigualmente os desiguais.
Com efeito, como ente incumbido de satisfazer e preservar o interesse público, à Fazenda Pública devem ser resguardadas algumas prerrogativas na sua atuação, especialmente em âmbito judicial.
Nesse panorama, buscaremos realizar um estudo comparativo entre algumas prerrogativas previstas no então vigente código de processo civil, e no Projeto de Lei n. º 8.046/2010.
DA INTIMAÇÃO PESSOAL
Em que pese o atual CPC não estabelecer a prerrogativa da intimação pessoal, a legislação esparsa agracia a Fazenda Pública de tal atributo.
São diversos os diplomas legais que conferem à Fazenda Pública a prerrogativa da intimação pessoal. Vejamos alguns de abrangência federal:
a) Lei complementar n. º 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União) – o art. 38 determina que as intimações e notificações serão feitas na pessoa do Advogado da União e do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos;
b) Lei 9.028/1995 – o art. 6º estabelece que a intimação do membro da Advocacia-Geral da União dar-se-á, em qualquer caso, pessoalmente;
c) Lei 6.830/1980 – o art. 25 prevê que, nas execuções fiscais, a intimação do representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente;
d) Lei 10.910/2004 – o art. 17 preleciona que os ocupantes dos cargos de Procurador Federal e Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente;
e) Lei 11.033/2004 – o art. 20 garante que os Procuradores da Fazenda Nacional serão intimados e notificados pessoalmente, mediante a entrega dos autos com vista.
Buscando compilar e uniformizar o regramento, o projeto do novo CPC já faz previsão da aludida prerrogativa, consoante redação do art. 184:
Art. 184. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
DO PRAZO PARA CONTESTAR E PARA RECORRER
Nos termos do contido no art. 188 do CPC, a Fazenda Pública tem o prazo em quádruplo para contestar, e em dobro para recorrer.
A dilação do prazo em apreço se mostra de crucial importância no cotidiano forense dos órgãos de representação jurídica da Fazenda Pública.
Como bem leciona Leonardo Carneiro da Cunha:
“Ora, a Fazenda Pública, que é representada em juízo por seus procuradores, não reúne as mesmas condições que um particular para defender seus interesses em juízo. Além de estar defendendo o interesse público, a Fazenda Pública mantém uma burocracia inerente à sua atividade, tendo dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. O volume de trabalho que cerca os advogados públicos impede, de igual modo, o desempenho de suas atividades, nos prazos fixados para os particulares.”[i]
É certo que, diferentemente como ocorre na iniciativa privada, os procuradores públicos não podem selecionar as demandas que irão patrocinar, e nem se eximir de atuar em determinado processo por excesso de volume de trabalho.
A prerrogativa de prazos mais dilatados também está garantida na redação final do Projeto do Novo Código de Processo Civil, cujo art. 184 estabelece:
Art. 184. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
Entretanto, observa-se que o referido projeto reduziu sobremaneira o prazo da Fazenda Pública para contestar, deixando de ser em quádruplo para ser em dobro, apenas. É preocupante essa novel redação trazida pelo PL 8.406-A/2010, podendo vir a prejudicar a eficiência na defesa dos entes públicos em juízo.
DA NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS MATERIAIS DA REVELIA
Nos termos da legislação instrumental, a revelia produz os seguintes efeitos: I) os fatos alegados na exordial são reputados por verdadeiros; II) o revel deixa de ser intimado dos demais atos processuais; e III) julgamento antecipado da lide.
Contudo, tendo em vista os direitos indisponíveis tutelados pela Fazenda Pública, esta não se sujeita aos efeitos materiais da revelia, nos termos do art. 320 do CPC:
Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:
I - se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.
O Projeto de Lei n. º 8.046/2010 reproduziu, no art. 352, a ressalva da ausência de efeitos materiais quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis. Vejamos:
Art. 352. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 351 se:
I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;
IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.
Destarte, o legislador primou pelo interesse público ao resguardar, no projeto do novo código de processo civil, a manutenção da prerrogativa em apreço.
DA NÃO SUJEIÇÃO AO ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FATOS
A Fazenda Público goza, ainda, da prerrogativa de não se sujeitar ao ônus da impugnação específica dos fatos declinados na peça atrial. Nos termos do art. 302 do CPC/1973, referida obrigação restou excepcionada na hipótese das causas onde não for admissível a confissão. Vejamos:
Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo:
I - se não for admissível, a seu respeito, a confissão;
II - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato;
III - se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público.
Nesse contexto, tratando-se o interesse público de direito indisponível, não há que se falar em confissão. Ademais, garantida a prerrogativa da não sujeição aos efeitos da revelia (presunção de veracidade), tem-se, por coerência, que uma contestação por negativa geral da Fazenda Pública tem o condão de afastar a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial.
No mesmo sentido o projeto do Novo Código de Processo Civil garantiu a prerrogativa em baila, conforme redação do art. 342, ipsis litteris:
Art. 342. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:
I – não for admissível, a seu respeito, a confissão;
II – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato;
III – estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao advogado dativo e ao curador especial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, depreende-se que, de modo geral, as prerrogativas processuais da Fazenda Pública foram mantidas no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL n. º 8.046/2010).
Contudo, merece ressalva a redução do prazo para apresentação de defesa, deixando de ser em quádruplo (nos termos do código em vigor (art. 188)), passando a ser apenas em dobro (art .184) no projeto que tramita no Congresso Nacional. A mitigação da prerrogativa em questão poderá prejudicar a eficiência da representação judicial dos entes públicos.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9ª Edição. São Paulo: Dialética, 2011.
PEREIRA, Hélio do Valle. Manual da Fazenda Pública em Juízo. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9028.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.910.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11033.htm
[i] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 9ª Edição. São Paulo: Dialética, 2011, p. 35.
Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Membro da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO Sá ARAúJO THé, . Das prerrogativas processuais da fazenda pública no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42037/das-prerrogativas-processuais-da-fazenda-publica-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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