I - INTRODUÇÃO
Em análise a alguns editais de concurso público publicados nos mais diversos sítios eletrônicos sobre o tema, é possível verificar que algumas entidades ou as próprias pessoas jurídicas da administração direta incluem exigências de titularidade nos editais, sem, no entanto, haver qualquer previsão destas exigências nas leis complementares das respectivas entidades, o que põe em dúvida a legalidade desta cobrança, chegando ao Poder Judiciário ações mandamentais ou anulatórias para apontar a dita ilegalidade. É justamente sobre essa exigência nos editais que o presente trabalho irá tratar.
II – EXIGÊNCIA DE TITULARIDADE SEM QUE LEI EM SENTIDO ESTRITO EXIJA
Não é forçoso afirmar que exigir, através de um edital de concurso – mero ato administrativo –, uma titulação não prevista em lei fere de morte o princípio da legalidade, princípio este basilar da Administração Pública, conforme dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal, além do princípio do acesso ao serviço público, previsto no art. 37, inciso I, da Carta Magna.
Ademais, percebe-se claramente que a titulação de especialista deveria ser prevista em lei em sentido estrito para que pudesse ser incluído em edital de concurso, pois a própria Constituição Federal garante a todos a acessibilidade aos cargos públicos, desde que preenchidos os requisitos previstos em LEI. Segue o dispositivo constitucional:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (DESTAQUEI)
No campo da jurisprudência, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL possui entendimento firmado no sentido de que exigências previstas somente em edital de concurso importa em ofensa constitucional. Vejamos:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA ESPECÍFICA PREVISTA APENAS EM EDITAL: IMPOSSIBILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que é necessário lei formal para exigência específica para aprovação em concurso público. 2. Existência de fundamento inatacado suficiente, per se, para a manutenção da decisão agravada. Incidência da Súmula STF 283. Precedentes 3. Agravo regimental improvido. (AI 704142 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/09/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-07 PP-01363)
Não é demais lembrar que o próprio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 14, segundo o qual “não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo público”. Fazendo-se um paralelo para o caso em tela, pode-se chegar à conclusão de que não é admissível, por ato administrativo (Edital), restringir, em razão de titulação, acesso ao cargo público.
No mesmo sentido, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já decidiu em um caso bastante parecido e recente. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PROFESSOR NÍVEL 3. PÓS-GRADUAÇÃO. EXIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL.
1. Trata-se de recurso ordinário em que se discute a ilegalidade do Edital nº 002/GDRH/SEAD/2010 ao exigir diploma de pós-graduação em área de tecnologias ou informática, para o cargo de Professor Nível 3 - Multimídias integradas - da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia, uma vez que a lei da educação estadual - Lei Complementar nº 420/2008 - prevê apenas a exigência de diploma em ensino superior.
[...]
4. Comparando-se o texto da Lei Complementar Estadual n° 420/2008 e o edital do certame, verifica-se que a exigência de Pós-Graduação não encontra previsão na legislação estadual, não podendo ser cobrada para a admissão no referido cargo.
5. Recurso ordinário provido. (RMS 33478/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 01/04/2013)
No campo dos Tribunais, o entendimento não é diferente, a exemplo do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO, in verbis:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APELAÇÃO. CARGO DE ENFERMEIRA - ESPECIALISTA EM CARDIOVASCULAR. NOMEAÇÃO E POSSE. APRESENTAÇÃO DE CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA OU CERTIFICADO DE ESPECIALISTA. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. ILEGALIDADE. 1. Aduz a impetrante que dos 06 (seis) candidatos aprovados e classificados para o cargo de Enfermeiro - Especialista em Enfermagem cardiovascular, apenas dois tomaram posse no cargo, pois apresentaram os requisitos exigidos no subitem 2.1 do edital. 2. Ademais, assevera a apelante que os requisitos constantes do subitem 2.1 do edital foram editados com base na autonomia constitucional das universidades (art. 207 da CF), em razão de necessidade em área específica do Hospital Universitário, para a qual o enfermeiro sem a especialização exigida não está apto. 3. De início, insta ressaltar que não estando prevista em lei, afigura-se indevida a inclusão de exigência de apresentação de comprovante de residência em enfermagem Cardiovascular em instituição credenciada ou título de especialista em enfermagem cardiovascular pela Sociedade Brasileira de Enfermagem Cardiovascular, como condição para o exercício do Cargo de Enfermeiro, mormente quando, in casu, o candidato comprovou que tem curso Superior em Enfermagem. 4. Note-se que a Constituição Federal determina que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I, da CF). 5. Com efeito, cumpre observar que no Estado de Direito, só quem pode inovar criando direito e impondo obrigação é a lei, em virtude do princípio da legalidade. 6. Apelação não provida. (AMS 0003390-58.2006.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL AVIO MOZAR JOSE FERRAZ DE NOVAES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.171 de 07/11/2008)
No campo da doutrina, o Procurador do Estado de São Paulo, Guilherme Graviliano Araújo Lima, em artigo apresentado no XXXIX Congresso Nacional dos Procuradores de Estado[1], afirmou categoricamente:
“É que não se pode confundir etapas do exame de seleção com requisitos de natureza estritamente pessoal do cargo, devendo esse ser entendido como critério elegido por lei formal que deve ser ínsito, de ordem natural-biológica ou de ordem meritória, ao candidato que busca exercer determinado cargo público mediante aprovação em concurso. Citem-se exemplos: altura, idade, escolaridade, titulação etc. (NEGRITEI)
Conclui-se, desse modo, que não será necessário que a lei preveja absolutamente todas as etapas do exame de seleção de concurso público, cabendo, por outro lado, ao legislador definir os requisitos de natureza pessoal que devem ser observados pelo candidato ao intentar ingressar nos quadros do funcionalismo público federal, estadual, municipal ou distrital mediante aprovação em concurso público”. (NEGRITEI)
Porém, um ponto é digno de nota: em pesquisa realizada na jurisprudência dos tribunais, foram encontradas algumas decisões acerca da exigência de titulação de especialista para os cargos da área médica.
É válido frisar, neste ponto, que a área da Medicina possui peculiaridades que diferenciam de outras áreas, tais como psicólogo, odontólogo, fisioterapeuta, entre outros.
Em breve pesquisa, foi constatado que, no Brasil, são atualmente reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) 53 (cinquenta e três) especialidades da área da Medicina[2][3], o que justificaria a exigência de uma certa especialidade para a investidura do cargo de médico, diferentemente, da área da Psicologia que possui, por exemplo, somente 11 (onze) especialidades, conforme previsão na Resolução nº 013/2007 do Conselho Federal de Psicologia.
Os concursos da área da Medicina, a contrario sensu, exigem, quase em sua totalidade, a residência médica em determinada área, o que se equipara à titulação de especialista.
Tal fato diferencia os requisitos básicos inerentes a cada cargo, ou seja, enquanto o título de especialização se justificaria na área médica devido à imensa quantidade de áreas de especialidades existentes na Medicina, tal exigência não se vê para outros cargos, uma vez que a simples titulação de bacharel já habilita estes últimos profissionais a exercer todas as áreas, além de não existir, nestas áreas, uma quantidade significativa de especialidades.
Portanto, apesar de existir precedentes jurisprudenciais admitindo a exigência de titulação de especialista para o cargo médico – em confronto com a jurisprudência do STF –, tais decisões não devem ser equiparadas ao presente caso, pois se tratam de cargos totalmente diferentes e com especialidades em número absolutamente diferente.
III – CONCLUSÃO
Portanto, pode-se concluir que uma edital não pode sobrepor à lei, quando esta não insere qualquer exigência para determinado cargo. É dizer, em outras palavras, que se a lei não exige, não cabe ao intérprete exigi-la.
FONTES DE PESQUISA
- Constituição Federal de 1988;
- Resolução CFM nº 2.005/2012;
- Resolução CFP nº 013/2007;
[1] http://www.apesp.org.br/comunicados/images/tese_guilherme_graciliano2013.pdf (acesso em: 24/06/2014)
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_especialidades_m%C3%A9dicas
[3] As referidas especialidades estão previstas na Resolução CFM nº 2.005/2012.
Procurador Federal da AGU - Advocacia Geral da União. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Ciências Criminais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Jorge Andersson Vasconcelos. Previsão em Edital de Concursos Públicos de Exigências não Previstas em Lei Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42039/previsao-em-edital-de-concursos-publicos-de-exigencias-nao-previstas-em-lei. Acesso em: 22 dez 2024.
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