Resumo: Este breve artigo busca fazer uma análise dos aspectos jurídicos das pipelines, ante sua importância para o ramo do Direito dedicado à propriedade industrial. Será apresentado seu conceito, seguindo de sua principal problemática, a saber, a questão do prazo de revalidação delas na ordem jurídica brasileira, além da evolução do posicionamento jurisprudencial sobre o tema.
Palavras-chave: Pipelines. Acordo TRIPs. Prazo de revalidação. Jurisprudência sobre o tema.
Sumário: 1.Introdução. 2. Prazo de proteção das patentes pipeline no ordenamento brasileiro. 3. Conclusão.
1. Introdução.
As pipelines - ou patentes de revalidação - consistem no patenteamento de inovações referentes nas áreas químicas, farmacêuticas e alimentícias.
Antes da atual LPI - Lei de Propriedade Industrial - de 1996, vigia no ordenamento brasileiro o CPI - Código de Propriedade Industrial - de 1971. Neste código não havia permissão de patenteamento das pipelines, situação que só veio a ser modificada pela LPI.
Com efeito, o Brasil, no ano de 1994, firmou acordo internacional na área de propriedade industrial - chamado de Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relaciona-dosaos Comércio (ADPICS) ou simplesmente TRIPs (Trade RelatedAspectsoftheIntellectualPropertyRights) - incorporado à ordem jurídica pátria pelo Decreto nº 1355/1994, que entrou em vigência no dia 01/01/1995, e que, dentre outras disposições, previa a possibilidade de patenteamento das pipelines, de forma contrária à legislação então vigente. Nessa esteira, foi elaborada a LPI, que, como adiantado acima, e harmonizando-se com o acordo TRIPS, passou a possibilitar as patentes pipelines. Até aí, nada demais.
2. Prazo de proteção das patentes pipeline no ordenamento brasileiro.
É cediço que o prazo máximo de patente previsto pela LPI é de 20 anos, sem direito a prorrogações, sendo que pelo menos 10 anos a contar da concessão efetiva da patente. Curiosamente, essa modificação também foi oriunda do acordo TRIPS, eis que pelo antigo CPI, o prazo máximo era de 15 anos.
Em sede de patenteamento no Brasil de produtos estrangeiros, para sua obtenção, é estabelecida a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no país, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente (Lei nº 9.279/96, art. 230, caput). Neste caso, concede-se à patente o prazo remanescente de proteção no país onde houve o primeiro pedido depositado, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo de 20 anos.
A esse respeito, houve séria polêmica das sociedades titulares de patentes de medicamentos obtidas no exterior quanto ao prazo de proteção de suas patentes no Brasil com base na referida disposição legal. A matéria diz respeito à aplicabilidade (ou não) imediata no território brasileiro das normas do TRIPs. O Acordo TRIPs buscou reforçar a proteção da propriedade intelectual e industrial no contexto da liberalização do comércio mundial e, por isso, abordou o tema da patenteabilidade no domínio dos produtos farmacêuticos. A titular da patente pretendeu ver reconhecido o prazo de 20 anos, a contar da data do respectivo depósito e, assim, pleiteou a condenação do INPI a averbar a extensão do prazo das patentes por mais 5 anos.
Toda a celeuma teve origem na redação do art. 65, e seus itens 1, 2 e 3 do TRIPs. Para deixarmos mais clara a exposição que doravante se fará, mister colacionarmos seu teor:
ARTIGO 65
Disposições Transitórias
1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2, 3 e 4, nenhum Membro estará obrigado a aplicar as disposições do presente Acordo antes de transcorrido um prazo geral de um ano após a data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.
2. Um País em desenvolvimento Membro tem direito a postergar a data de aplicação das disposições do presente Acordo, estabelecida no parágrafo 1, por um prazo de quatro anos, com exceção dos Artigos 3, 4 e 5.
3. Qualquer outro Membro que esteja em processo de transformação de uma economia de planejamento centralizado para uma de mercado e de livre empresa e esteja realizando uma reforma estrutural de seu sistema de propriedade intelectual e enfrentando problemas especiais na preparação e implementação de leis e regulamentos de propriedade intelectual, poderá também beneficiar-se de um prazo de adiamento tal como previsto no parágrafo 2.
Como se pode ver, o referido artigo traz uma disposição que faculta ao Estado signatário, desde que se cuide de pais em desenvolvimento, a prorrogar a vigência do acordo por mais 05 anos (1 + 4, na verdade), contados de sua incorporação. Assim, para essa teoria, o TRIPs valeria a contar de 01/01/2000, quanto o prazo de 20 anos deveria ser contado, e não de 01/01/1995.
Então, a pergunta a ser feita é: o Brasil fez uso ou não desse prazo de prorrogação de 05 anos? Essa utilização precisa ser expressa ou basta que o seja tacitamente? Há posição nos dois sentidos, e, pelo que se verifica, o STJ pacificou como sendo de 01/01/2000, senão vejamos:
STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1127971 RJ 2009/0046381-8 (STJ)
Data de publicação: 14/04/2014
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE DE MEDICAMENTO. AÇÃO DE NULIDADE MANEJADA CONTRA ATO DO INPI QUE INDEFERIU PEDIDO DE PATENTE. PEDIDO DE PATENTE DEPOSITADO SOB A ÉGIDE DA LEI 5.771/71. INAPLICABILIDADE DO ACORDO TRIPS. ENTRADA EM VIGOR DA LEI LEI 9.279 /96. POSSIBILIDADE DE DEPÓSITO DE PATENTE PIPELINE. 1.- Ao tempo da Lei nº 5.772 /71 não eram privilegiáveis e, portanto, não poderiam ser objeto de patente, produtos químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação. 2.- O Acordo TRIPs, incorporado ao ordenamento jurídico nacional pelo Decreto Presidencial nº 1.355 /94, permitiu o patenteamento de produtos farmacêuticos (artigo 27), mas suas disposições tornaram-se obrigatórias, no Brasil, somente a partir de 1º de janeiro de 2000, tendo em vista o prazo de extensão geral estabelecido no seu artigo 65.2. 3.- O pedido de patente de fármaco depositado no INPI em 1996 não poderia, portanto, ser deferido com base na Lei nº 5.772 /71 nem tampouco apreciado diretamente com base nas disposições do Acordo TRIPs, cuja observância ainda não havia se tornado obrigatória. 4.- Com a entrada em vigor da Lei 9.279 /96, surgiu para o autor possibilidade de desistir do pedido previamente depositado e apresentar outro requererendo a patente pipeline, desde de que cumpridos os requisitos dispostos na nova lei, o que não ocorreu. 5.- Recurso Especial improvido.
STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1123272 RJ 2009/0027078-0 (STJ)
Data de publicação: 13/06/2014
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE. PIPELINE. PEDIDO DEPOSITADO SOB A ÉGIDE DA LEI N. 5.771/1971. INAPLICABILIDADE DO ACORDO TRIPS. ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 9.279 /1996. POSSIBILIDADE DE DEPÓSITO DE PATENTE PIPELINE. 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível a extensão da validade de patente concedida sob a égide da Lei 5.772 /71 - cujo prazo de proteção era 15 anos -, ao argumento de superveniência do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), o qual adotou o prazo de 20 anos, mesmo porque tal tratado internacional apenas entrou em vigor no Brasil em 01.01.2000.(AgRg no REsp 1211848/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, DJe 18/04/2011). 2. Com a entrada em vigor da Lei n. 9.279 /1996, poderia a autora ter requerido as patentes pipeline, desde que cumpridos os requisitos dispostos na nova lei, o que não ocorreu. 3. O fato de a ora recorrente não poder cumprir os requisitos impostos pelo procedimento das patentes pipeline e, consequentemente, não poder realizar novos depósitos cuja obrigatoriedade nem sequer ficou configurada não implica violação ao art. 229 da Lei n. 9.279 /1996. 4. Agravo regimental a que se nega seguimento.
Data de publicação: 27/05/2014
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DIREITO INTERTEMPORAL. PATENTE. PRAZO DE VALIDADE. LEI N. 5.772 /1971 (15 ANOS). SUPERVENIÊNCIA DO ACORDO TRIPS (PRAZO DE 20 ANOS). PEDIDO DE EXTENSÃO. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 168/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido da ausência de suporte legal e de obrigação do Brasil de garantir às patentes de invenção, depositadas em data anterior a 1º de janeiro de 2000, a prorrogação por 5 (cinco) anos do prazo de validade originalmente estabelecido em 15 (quinze) anos, a fim de possibilitar a proteção patentária em território nacional por 20 (vinte) anos, mediante a aplicação automática e sem reservas do acordo internacional TRIPs (Agreementon Trade-RelatedAspectsof Intelectual PropertyRights). 2. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" (Súmula n. 168/STJ). 3. No caso concreto, estando o aresto embargado de acordo com a jurisprudência pacífica do STJ, incide na espécie a Súmula n. 168 desta Corte. 4. Agravo regimental desprovido.
STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 806147 RJ 2005/0213833-3 (STJ)
Data de publicação: 18/12/2009
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE PATENTE CONCEDIDA NOS TERMOS DA LEI N. 5772 /71 POR MAIS CINCO ANOS. ACORDO TRIPS. VIGÊNCIA NO BRASIL. I - O Acordo Internacional TRIPS - inserido no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 1.355 /94 -, na parte que prevê a prorrogação do prazo de patente de 15 anos - nos termos da Lei n. 5.772 /71 - para 20 anos, não tem aplicação imediata, ficando submetida a observância de suas normas a pelo menos duas restrições, em se tratando de países em desenvolvimento, como o caso do Brasil: a) prazo geral de um ano, a contar do início da vigência do Acordo no país (art. 65.1); b) prazo especial de mais quatro anos para os países em desenvolvimento (art. 65.2), além do prazo geral. II - A ausência de manifestação legislativa expressa, no sentido de postergar a vigência do Acordo no plano do direito interno por mais cinco anos (na modalidade 1 + 4), não pode ser interpretada como renúncia à faculdade oferecida pelo art. 65 às nações em desenvolvimento, uma vez que não havia nenhum dispositivo obrigando o país a declarar sua opção pelo prazo de transição. Precedente: REsp 960.728/RJ, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, DJ 17.3.09. Recurso Especial provido.
Informativo nº 200 do STJ
PATENTE. PRAZO. EXTENSÃO. ACORDO TRIPS.
O Brasil não usou da faculdade prevista no art. 65 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio - TRIPS, de postergar a aplicação do referido tratado, não se aplicando automaticamente tal dispositivo. Entende-se, assim, ter renunciado à faculdade ao aplicar desde logo (1º/1/1995) o TRIPS em sua ordem jurídica interna (Dec. n. 1.355/1994). Dessarte, a recorrida tem direito à extensão do prazo de validade de sua patente, por um período total de vinte anos, em conformidade com o art. 33 do referido acordo. REsp 423.240-RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 2/3/2004.
3. Conclusão.
Assim, ao que se nota, o STJ tem posição remansosa sobre o tema, a saber, a faculdade prevista no art. 65, e seus subitens, não era de aplicação automática e requeria manifestação expressa do país que tivesse interesse em sua utilização, o que, no caso brasileiro, não ocorreu, razão pela qual não foi concedida a prorrogação das patentes pipelines em mais 05 anos, como pleiteavam as empresas farmacêuticas.
Bibliografia
Procurador Federal. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto/PT.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Bruno Medeiros. Considerações acerca das pipelines e do Acordo TRIPS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42040/consideracoes-acerca-das-pipelines-e-do-acordo-trips. Acesso em: 23 dez 2024.
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